Manhã de sábado num shopping da cidade do Porto. Uma dezena de crianças brinca no parque de diversões interior. Observo os meus filhos, entretidos um com o outro e com os outros.
Uma menina dança. Interage pouco com os brinquedos e com as estruturas por onde as restantes crianças trepam, deslizam e escorregam. Ela dança. Abre os braços e rodopia. Ocasionalmente, corre. Salta. Uma criança a ser criança.
A mãe, como os outros pais que ali estão, vai alertando: “Cuidado com o bebé, tens um menino atrás de ti…”
Ela sorri e vai saudando as outras crianças. Distribui beijinhos. Uma criança visivelmente feliz.
A dada altura, o Eduardo vem ter comigo. Ela corre atrás dele. Baixo-me em direcção ao meu filho e a mãe da menina, ao meu lado avisa: “Cuidado com o bebé!”
– Olá! – diz-me a menina – como te chamas?
– Olá, sou o António.
– E o bebé, como se chama?
– Eduardo.
– Muito prazer conhecer-vos!
– Igualmente.
E, só neste momento, reparo em algo diferente nos olhos da menina. É cega.
Apesar disso, brinca com a maior naturalidade e exibe uma felicidade contagiante.
Mais impressionante, no bom sentido, é a naturalidade da mãe. Ao contrário do que muitas vezes vemos por aí, não faz questão de “exibir” a diferença da filha. Não tem aquele ar sofrido, de “coitadinha”. Não está permanentemente “em cima” da menina. Não exige mais cuidado aos outros. Pelo contrario. A dada altura, a menina chocou com outra e a senhora pediu desculpa ao pai.
“Desculpe, não foi por mal, a minha filha não vê.”
A criança continuou a brincar. Veio ter comigo mais algumas vezes.
– Sabes, está aqui um colchão. Contas até 3 para eu saltar para cima dele? Quando eu saltar fazes “weeeeee”!
Quando vínhamos embora, perguntei ao Lucas:
– Reparaste que estiveste a brincar com uma menina cega?
– Não… qual delas era cega?
Tantas lições em 45 minutos.
A mãe ensinou-nos que a igualdade é mesmo isso: naturalidade. É não querer mais, nem menos.
O Lucas, o Eduardo e as outras crianças ensinaram-nos que quando estamos a brincar, no fundo, a viver a Vida, o que importa é a atitude e não os meios que temos à nossa disposição.
A menina ensinou-nos que “ver não é só olhar”.
P.S. – “Ver não é só olhar” era o título do meu manual de Educação Visual do 5º ano. Fixei este chavão e uso-o muitas vezes.