Quando comecei a correr, ficava fascinado com os relatos que me chegavam das primeiras edições dos “Abutres”. Apesar da atracção que sentia pela prova, pelo que via em fotos ou vídeo e ouvia de viva voz dos participantes, nunca tive disponibilidade para participar na mesma.
Contudo, este ano, quase por milagre, consegui uma inscrição e arrisquei à distância mais longa. “Ah e tal… quem faz a Freita faz os Abutres!” e lá fui eu, achando que, mais coisa menos coisa, a prova chegava ao fim, sendo este o meu primeiro grande objectivo de 2016 (daqueles objectivos que não conto a ninguém, ou quase ninguém, e só revelo no fim do ano).
A irrepreensível organização colocou duas barreiras horárias: uma aos 29km (6 horas), outra aos 42km (9 horas).
Cedo, a primeira barreira horárias tornou-se, para mim, barreira psicológica. A partir do primeiro abastecimento, onde vi as primeiras desistências, sentia o relógio avançar mais do que as pernas. As subidas eram íngremes e as descidas muito técnicas, sendo poucos os troços onde se podia, verdadeiramente, correr.
Apercebi-me nessa fase que os Abutres não são para qualquer um e que esta prova não era para mim. A exigência do traçado requer treino e uma preparação cuidadosa, algo que não tem abundado por estes lados.
Comecei a sentir que iria ficar retido na primeira barreira e a desanimar bastante. Sabia de antemão que ia ser difícil chegar ao fim, mas fazer pouco mais que meia prova era pouco…
Apesar de triste e derrotado, decidi que, pelo menos, ia tentar, nem que fosse por um minuto, passar a malfadada barreira.
E às 5h52 de prova, 8 minutos antes do barramento, eu passei! Senti-me como se tivesse ganho a corrida. Comi duas sopas, aproveitei para descansar e arranquei do posto de abastecimento com os vassouras atrás de mim.
A partir daqui foi gerir o tempo e o esforço até à barreira seguinte, mais acessível e à qual cheguei confortavelmente (com meia hora de antecipação).
Anoiteceu e, quando eu pensava que já não havia mais nada que me fizesse soltar palavrões e mal dizer a minha vida, aparece um kilometro de lama, lama e mais lama. A sério? Eu já tinha ouvido falar da lama dos Abutres e até já apanhei muita lama nos trails, mas aquilo era de mais. Cheguei a estar enterrado na lama até aos joelhos sem me conseguir mexer.
Passa esta última tormenta e sentindo novamente os pés em solo firme, foi correr até à meta na qual entrei com 11h49, a festejar como se tivesse marcado um golo na final da Champions League!
E, neste ponto, tenho que realçar o papel da Organização. Para além de todo o apoio durante a prova, esperam pelo fim da mesma, até ao último atleta. E celebram a chegada dos últimos como se fôssemos os primeiros, com aplausos, sorrisos e muito apoio! Obrigado, malta! Tive direito a entrevista e tudo (apesar de não conseguir dizer nada de jeito). Isto, em contraponto com provas em que começam a desmontar a meta antes dos últimos atletas chegarem, é de realçar.
E estava lá a minha Teresa, pacientemente, mais uma vez, com o melhor sorriso do Mundo.
Resumindo:
– se puder, voltarei aos Abutres, mas na prova mais curta. Ou então terei que treinar mais e melhor. Definitivamente, os Abutres não são para todos.
– é uma prova que se recomenda vivamente e cujo sucesso é plenamente justificado. A Organização é irrepreensível, a Serra da Lousã é lindíssima, os trilhos são únicos e há muito para ver nas redondezas. O Parque Biológico de Miranda do Corvo é uma preciosidade.
– numa altura em que proliferam provas de Trail, muitas com graves falhas organizativas, é bom constatar o esforço que a Organização dos Abutres fez para que nada falhasse e no profissionalismo que entregou ao evento, incluindo a parceria com a empresa de comunicação “Duas Faces”, para o desenvolvimento do Marketing da prova.