Cresci num meio onde o “oculto” tinha um grande peso. Os “maus-olhados”, as rezinhas, a superstição, os amuletos, as mulheres com “poderes” onde se ia de táxi, meio à socapa, mostrar peças de roupa interior ou fotografias dos entes queridos, para saber se “tinham alguma coisa”.
A ignorância de um lado. A charlatanice do outro. O obscurantismo medieval que se aproveitava (e ainda aproveita) do medo e da crendice.
“Os médicos não sabem tudo.”
Claro que não. Quem sabe é a velha que mora nos arrabaldes, debita rezas imperceptíveis e tem péssimo gosto para a decoração de interiores.
Achava eu que com o século XXI a irromper, satélites no espaço, mais e melhor formação e informação, o ser humano iria aprender a confiar definitivamente na Ciência e deixar a Idade Média.
Mas uma das coisas que esta pandemia nos mostrou foi precisamente o contrário. “Estou farto de especialistas”, li eu outro dia. “Eles não percebem nada”, “porque é que um médico sabe mais que eu? só porque estudou e leu muitos livros.”
Claro… Claro…
É o paradoxo nos nossos tempos: nunca Ciência esteve tão avançada, nunca as pessoas desconfiaram tanto dela.
“A vacina foi desenvolvida muito rápido. Eles querem é ganhar dinheiro.”
Porque a velhinha dos arrabaldes dizia apenas “cada um dá o que quer” e as notas lá se iam amontoando.