Toda a esta situação de crise que estamos a viver, fez-me recordar as palavras da minha avó Maria, sempre que eu fazia uma birra para comer:
“Se algum dia vier a guerra ou a peste, tu estás lixado!”
Não sei se era “lixado” que ela dizia, mas era o que queria dizer.
A minha avó viveu duas guerras, viu o meu avô definhar com Parkinson e, desde muito cedo, teve que criar as minhas tias (3) e o meu pai, sozinha.
Passou fome e, para ela, a pobreza, a dificuldade, a escassez, eram a banalidade.
Calculo que, se estivesse ainda connosco, não ia estranhar, não ia “panicar”, não ia ter medo. Iria rezar muito e fazer a vida dela determinada e sem medo, como sempre fez.
Desafiava os médicos, ficava escandalizada quando lhe punham restrições alimentares, queria sair, ir à missa, ou ao monte procurar lenha. Não parava quieta, contra todas as recomendações.
Seria, hoje, a sua maior dificuldade: perceber que tinha que ficar em casa, sem poder falar com as pessoas que encontrava na rua e que a saudavam respeitosamente.
A “peste” está aí e eu estou lixado de imensas formas.
Eu, que até sou caseirinho e a quem não custa nada ficar em clausura.
São os dilemas laborais, é a preocupação constante com a família, é ter o meu pai sozinho, é o facto de não saber quando vou voltar a ver o Lucas sem ser por vídeochamada, é a constante necessidade de manter o Eduardo confortável e responder à pergunta “porque não vamos à rua?”… é tanta, tanta coisa…
É o medo. Vamos admiti-lo para ser mais fácil lidar com ele: o medo.
Não é vergonha ter medo. É natural ter medo neste cenário.
Mas, talvez com algum gene perdido da Maria “Bendeira” (gostava de um dia perceber esta alcunha), continuo determinado e destemido. Fogo, não é o fim do Mundo, mas o Mundo vai ficar diferente.
Até podemos perder alguém de quem gostamos muito, mas não é assim sempre, com ou sem COVID?
Vá… vamos lá que isto vai passar. Depois, logo se vê como ficamos.