Nem no Natal me levantava tão cedo. E quando digo “levantar” refiro-me a estar bem acordado e vestido com roupa nova, pronto a receber visitas.
Havia foguetes no ar e os sinos tocavam alegremente. “Vem aí o Compasso!”
E, azar do carago, a minha casa era uma das primeiras a receber a Visita Pascal.
Campainhas, opas vermelhas, cruzes floridas, alecrim pelo chão.
Cristo ressuscitou para todas as casas, mesmo para as mais humildes e, segundo os Evangelhos, era com os humildes que Ele gostava de estar.
Mas a visita era curta, porque a volta era longa.
Incrível como esperávamos um ano inteiro, a casa era lavada de alto a baixo, vestíamos uma roupa nova, para escassos minutos.
O som das campainhas partia para longe.
Depois, eram longas horas a matar o tempo, à espera que o meu pai regressasse da volta dele. Uma amêndoa debicada aqui, outra ali.
Perto da hora de almoço, começavam a voltar, a espaços, os sinos e os foguetes. As cruzes regressavam à Igreja.
“Será que é o pai? O pai já chegou?”
“Anda p’rá mesa, vamos comer!”
“Mas o pai ainda não veio!”
“Este ano ele chega tarde… ele come quando vier.”
A comida nem me sabia bem…
E então ele entrava em casa, cansado mas com a sensação de dever cumprido estampada no rosto.
“Quando for grande também quero ir no compasso!” (e assim aconteceu, durante vários anos em que fomos juntos. Nunca fui no compasso por mim, mas sempre por ele.)
Os bolsos do casaco repletos de amêndoas que ia recolhendo nas casas por onde ia passando.
“Toma lá…”
Depois do almoço, os meus pais sucumbiam a uma merecida sesta. Para quem trabalha na Igreja, a Semana Santa obriga a esforços suplementares, muitas horas de trabalho e ambos desunhavam-se para que tudo fosse perfeito. Mas ali, naquele momento em que se deixavam tomar pelo sono e pelo cansaço, era a própria mão de Deus que os embalava e lhes dava o agradecimento que tantas vezes faltava na boca dos homens. E eu era um filho orgulhoso e privilegiado por ter mim a mesma fibra humana daqueles dois exemplos de abnegação, entrega e humildade.
“Está a Páscoa passada…”