Após o Domingo de Ramos, iniciava-se o quase total desmantelamento da minha casa. Janelas sem cortinas, chão sem tapetes, loiça fora dos armários… Cheiro a pó e a óleo de cedro.
A Páscoa repercutia no lar o seu significado bíblico. A Passagem da Morte para a Vida, das trevas para a luz, do Inverno para a Primavera. Jesus limpou os pecados do Mundo. A minha mãe limpava a casa de fio a pavio. Arrumavam-se definitivamente as roupas de Inverno. Saíam das arcas as roupas de Verão.
Estando de férias, tornava-se difícil brincar, porque estava tudo de pantanas e eu não podia desarrumar mais… o que já estava desarrumado.
E havia que cumprir o preceito religioso.
Lembro-me da primeira vez que fui obrigado a ir à Igreja no Tríduo Pascal (para os menos familiarizados com estes termos, são as cerimónias religiosas de Quinta-Feira Santa, Sexta-Feira Santa e Sábado Santo, respectivamente: Missa da Ceia do Senhor, Celebração da Paixão do Senhor e Vigilia Pascal).
Nunca fui muito de desobedecer às ordens dos meus pais. Mas naquela noite refilei um bocadinho. Queria ficar em casa e não embarcar numa cerimónia chata.
– Anda que vai ser bonito – disse a minha mãe.
E foi. Logo na primeira noite, de contrariado passei a fascinado por todo aquele cerimonial. A solenidade, a reverência, a força da música, a austeridade e o silencio do final da celebração (o altar é despido da toalha e demais adornos e a missa termina sem canto).
Foi uma experiência espiritual verdadeiramente intensa, mesmo para uma criança.
O Sacrário fica aberto, vazio, e o “corpo de cristo” é transladado para um altar lateral.
A Igreja fica ainda mais fria, obrigando-nos a viajar no tempo, para o Monte das Oliveiras, para acompanhar a prisão do Cristo e o seu julgamento.
Começa ali a Sexta-Feira Santa…