Lembro-me de quando os meus pais fizeram o meu primeiro “Quantos queres?”. Toda a gente na escola tinha um, mas a minha habilidade para dobrar um papel de forma ardilosa era nula e tive que pedir ajuda em casa. Os meus pais fizeram tudo, incluindo escrever os adjectivos ocultos, revelados após levantar a dobra, identificada por uma cor.
“Cínico? O que quer dizer cínico?”
“Cínico é uma pessoa má.”
“Mas não bastava escrever “mau”?
“O cínico é diferente. É pior.”
O meu pequeno “eu” não percebeu a diferença. O cinismo é algo que se aprende ao longo da vida (todos já tivemos atitudes de mais ou menos cinismo), no qual alguns se tornam especialistas e constroem toda a sua existência (e sucesso!) em torno disso.
Enquanto que um mau é mau, diz logo ao que vem e não engana ninguém (Lord Voldemort nunca se fingiu de bom, sempre quis ser o Senhor das Trevas), o cínico apresenta-se com um rosto cândido, diz as palavras certas no momento certo, mantém a postura polida, educada e quase humilde.
Vem armado de um plano, provoca o caos, alimenta-se dele e, no fim, é a vítima. “Quem??? Eu??? Mas eu estava aqui sossegado!”
Como aqueles bullies no recreio da escola, que depois de fazerem gato e sapato das vítimas, acabam agarrados ao rosto, a verter copiosas lágrimas de crocodolio e a gemer “Ó professora! Ele bateu-me!”
E, no plano perfeito, o cínico consegue manipular de tal forma que todos, ou quase, ficam do seu lado. E, os que resistem, os que ousam gritar “o Rei vai nu”, transformam-se em criminosos, párias, como se defenderem-se fosse um crime.
O rei vai nu, sabe que vai nu, mas consegue impor um glorioso manto dourado.
“Ele não está nada nu, tu é que não queres ver uma roupa tão linda, tens inveja!”
No fundo, as pessoas acabam por preferir o cinismo travestido de bondade, humildade, candura e boa educação, à honra, à sinceridade e à assertividade. Por comodismo, algum tipo de interesse e hipocrisia, numa sociedade que vive cada vez mais da imagem e da aparência.
Mas há sempre quem resista, como os intrépidos gauleses nas histórias de Asterix, ou o Norte (curioso…) nas Crónicas de Gelo e Fogo.
“…and the North remembers…”