António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

“Porto de Saudades” – Nelson Jesus

Junho 25th, 2021

(texto inicialmente publicado a 19 de Junho de 2021, no Facebook)

 

A vantagem de partilhar coisas do Nelson Jesus, é que ele tem por hábito facilitar-me o trabalho:
«1. Fado Menor do Porto
2. Moda do Entrudo
3. Valsa Antiga
4. Cava Vinha Malhão
5. Palácio de Cristal
6. Clérigos
7. Vinho do Porto
8. Fado Menor (reprise)
9. Finale
Fui ao Douro à vindima,
Não achei que vindimar.
Vindimaram-me as costelas,
Olha o que lá fui ganhar!
Todos os dias sinto em mim saudades do Porto, da região Norte, e esta peça é um reflexo desses meus sentimentos. Desde que comecei a compor, tinha como objectivo escrever uma peça em cada uma das formas mais tradicionais das bandas filarmónicas portuguesas. Apenas me faltava a rapsódia, uma forma musical tão depreciada nos dias de hoje e todavia já utilizada com grande sucesso tanto junto do público como em favor da música, tendo como exemplos: Liszt (Rapsódias Húngaras), Ravel (Rapsódia Espanhola), Enesco (Rapsódia Romena), Gershwin (Rhapsody in Blue) e muitas mais de entre Brahms, Debussy, Rachmaninoff, Chabrier, Vaughan Williams… Daí me custar que as rapsódias portuguesas, tais como as de Frederico de Freitas, Victor Hussla, Fortunato de Sousa e Joaquim Luís Gomes fiquem escondidas sob um manto de vergonha e de algum snobismo por parte dos agentes musicais deste século, somente porque cheiram a povo. A Rapsódia ajudou os compositores do Romantismo a quebrarem a rigidez da forma sonata e o nome está ainda associado na literatura aos episódios de poemas Homéricos que também cantavam os feitos do povo.
Construída como se fosse uma suite (rapsódica), ao estilo dos grandes compositores de música para banda do início do séc. XX (também eles nacionalistas e orgulhosos da sua música popular), tem nove partes constituintes que se interligam numa forma livre, próxima ao improviso, justapondo os temas populares com os originais, dos sabores folclóricos aos mais abstractos, as variações e os solos instrumentais.
A música tenta ainda, se bem que de forma não contínua, retratar programaticamente, como um poema sinfónico, algumas situações, citações e lugares do Porto.
1. Fado Menor do Porto: é um tema original (retirado de uma peça incompleta e pensada para o I Concurso de Composição BSP. Funciona como leitmotiv articulador de discurso musical. Ao lamento do corne inglês podem juntar-se os primeiros versos de Mar Português de Fernando Pessoa.
2. Moda do Entrudo: tema da cantadeira e do seu adufe. Douro, gentes de folia.
3. Valsa Antiga: dança das rabecas e guitarra, para os bailes das adiafas.
4. Cava Vinha Malhão: a enxada apenas cai na terra à ordem do “mandador”. Douro, gentes de trabalho.
5. Palácio de Cristal: parte central e mais pessoal da obra. Tendo vivido perto destes jardins, por lá corri, por lá toquei, compus, escrevi… Toda a música tende a reflectir a imagem dos tempos de glória do antigo Palácio de Cristal, o solo de fliscorne é a ligação ao passado pois todas as antigas rapsódias de banda tinham o seu canto vibrante e muitas delas tocaram naqueles e noutros jardins da cidade. O grande órgão do palácio, jóia musical perdida e destruída, é também relembrado, juntamente com a marcha dos populares que, revoltados, foram impedir a sua destruição. Infelizmente não conseguiram.
6. Clérigos: símbolo maior da cidade do Porto. A música foi composta numa base criptográfica utilizando as datas de início e final da sua construção, os números de degraus e andares da mesma. Douro, gentes de fé.
7. Vinho do Porto: chula de paus (ou ramaldeira) executada a bordo dos rabelos do Douro.
8. Fado Menor (reprise)
9. Finale: é uma festa, bibó S. João!
Nelson Jesus, 2016»
Porto de Saudades, Op. 20 – Rapsódia Portuguesa nº 1, Banda Sinfónica Portuguesa, sob a direcção de Francisco Ferreira.
Obra vencedora do 2º Prémio no IV Concurso de Composição Banda Sinfónica Portuguesa.

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.