Foi a 12 de Março que abracei o meu filho mais velho pela última vez, sem saber quando voltaria a fazê-lo. Inventei anestesia para a distância.
Foi a 13 de Março que saí do meu emprego, sem saber quando voltava. Inventei-me um novo profissional.
Foi a 14 de Março que deixei ao meu pai um frasco de gel, o número do SNS24 e mil e uma recomendações que sabia que ele não compreendia e que, provavelmente, iria ignorar. Inventei um antídoto para a angústia.
Foi a 14 de Março que comecei a contar os dias e contei-os até perder a conta.
Inventamos formas de encher os dias.
Foi a 15 de Março que tentei ver televisão pela manhã, enquanto fazia exercício. Aguentei 5 minutos. A TV, não o exercício. Fiz muito exercício. O mais que pude. Na elíptica, nos 25 degraus de acesso a casa, nos 100 metros da minha rua. 79 dias, treinei 63.
Voltando atrás… Peguei no comando e comecei a mexer nos botões. Parei na HBO. Vi alguns filmes, mas o melhor foi ter terminado de ver a Teoria do Big Bang e foi impossível não rir, rir, rir e depois chorar com aquele final.
Planeando meticulosamente cada saída ao exterior. A Teresa tornou-se numa gestora de stocks e prazos de validade.
A minha exigência profissional nunca foi tão grande. 79 dias, trabalhei 77. Só descansei na Páscoa e no aniversário da Teresa.
Fizemos pão, bolos e até permitimos à Leia o luxo de passar uma semana no “Pet Hotel”.
Pintamos, desenhamos, moldamos, rasgamos ou simplesmente preguiçamos.
Voltei a ler e a escrever.
Encomendamos fatos de super-heróis, brinquedos e panikes de chocolate.
Cantei os parabéns ao meu filho pelo whatsapp, num dia que vivi com o coração em lágrimas, mas com o conforto e calor de dezenas de mensagens de amigos, no mais difícil dos dias.
Para a nossa família, Abril é mês de festas e celebrações. Convenci meia-dúzia de Confrades a ficarem acordados até à meia-noite, para surpreenderem a Teresa com uma videochamada de parabéns. Adiamos os festejos do nosso namoro para data a designar e demos o nosso melhor para termos uma Páscoa digna desse nome e um aniversário de casamento como deve ser.
Fizemos vídeos malucos com a nossa Confraria, porque a Música nunca parou dentro de nós. A Teresa cantou Pedro Abrunhosa, para nós, para o Mundo, mas principalmente para a sua Mãe…
Como não sei cantar, à minha Mãe escrevi… e desabei em lágrimas sobre o teclado…
Gravei música para missas, via-sacras e procissões. Longe, voltei a estar perto das V.E.
E ainda inventei um solo de saxofone para um esplendoroso vídeo final. E que bem que soube ser apenas “mais um”.
Inundamos os directos da Paróquia com corações e no final havia sempre uma videochamada, entre lágrimas e sorrisos.
Ficamos a conhecer melhor os pais dos amigos do nosso filho, partilhamos alegrias, tristezas, frustrações e aquelas coisas de pais.
A casa ficou (e ainda está) virada do avesso. Mas, a dada altura, simplesmente desistimos de a arrumar. O Eduardo há-de ser um bom decorador de interiores.
A mesa da sala tornou-se escritório e sala de reuniões. Vestíamos uma roupa à pressa para as videochamadas, mas só da cintura para cima.
Veio o calor e montamos uma piscina no terraço, onde almoçávamos beijados pelo sol. Inventamos formas de sair à rua.
“Eduardo! Xiu! Está a ligar um cliente da Mãe!”
“Xiu! O Pai vai ligar para o trabalho dele, fica caladinho um bocadinho…”
Escrevi dissertações sobre o Jesus Christ Superstar e descobri a Sara Bareilles. Reencontrei-me com os Radiohead e ouvi Pink Floyd incessantemente.
E, por falar em reencontros, foi no dia 25 de Maio que os meus filhos se reencontraram. O Eduardo quase saltava pela cadeira do carro fora e o Lucas, tão pouco dado a demonstrar emoções, sendo das crianças mais emotivas que conheço, ofereceu-me um dos seus sorrisos mais genuínos que, para mim, valem mais que qualquer beijo ou abraço.
E foi no dia 30 de Maio que o Eduardo reencontrou a Madrinha, que não aguentou as lágrimas…
Alguém disse que a “Vida é a arte do Encontro”. Os últimos meses transformam-se na arte do reencontro. Os reencontros vão acontecendo, aos poucos, como a Natureza que acorda na Primavera após o Inverno. O Verão já não tarda…
Amanhã é dia de mais reencontros. Nos empregos, na creche…
Desisti de tirar lições do tempo que agora finda. Há algumas feridas, mas ainda hoje o Eduardo explodiu de alegria ao ver um arco-íris…