(texto publicado originalmente no Facebook a 6 de Abril de 2021)
António Pinheiro
Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.
No Porto só festejamos títulos
(mesmo quando não nos deixam… outros têm melhor sorte)
É esta uma das maiores Heranças da História Nobre de uma Cidade com mil anos, Invicta, cujo brasão “abençoado” o Clube orgulhosamente ostenta. O Clube, um dos baluartes de um Povo (“aqueles lá do Norte”) que, em pleno século XXI, ainda tem que gritar para ser ouvido. No Desporto, na Política, na Economia, num país demasiado pequeno para ser tão inclinado. Outros quinhentos, ou não.
Por aqui, ser segundo não é opção. É igual a ser último.
“É azia”. Sim, muita azia e quem não sente azia “não é bom chefe de família”. Não é mau perder. É ficar chateado (para não dizer outra coisa) por perder. Essa azia, acaba por ser o motor dos vencedores, ou, dos que ganham mais vezes.
É assim que os portistas se sentem quando perdem. Como se fossem o último, como se descessem de divisão para o 9º Círculo do Inferno. E, depois de cair, queremos logo levantarmo-nos e levar tudo à frente. É o célebre “Grito de Revolta” de 2010/2011, último campeonato do Porto que me “soube bem”, como uma boa francesinha, ou pratada de tripas. André Vilas Boas, ainda a meio dos festejos dizia “agora, vamos ser campeões sem derrotas” e foi. A diferença entre os que perdem de vez em quando e os que ganham de vez em quando.
A partir daí, é tudo tremoço.
2020/2021.
Porto, clube sitiado (como foi sitiada a Cidade pelas autoridades, aquando dos festejos do título passado): pelo plantel dos 100 milhões, pelo Jesus que nos ia fazer “borrar de medo”, pelas “Varandas” da antiga bazófia marialva, pelo cinismo da falsa modéstia e por uma comunicação social ao serviço da Segunda Circular.
Até os auto apelidados “Guerreiros” (lol) do Minho, resumiram a sua “promissora” época a 3 jogos com o Porto no início do ano. Em campo, jogaram como cães raivosos, sedentos de sangue. Pouco tempo depois, pouco mais foram que caniches inofensivos. Entrem, entrem… “mi casa es su casa.” Caiu a máscara a Carvalhal.
O Porto, equipa esfrangalhada, pelos jogos de 3 em 3 dias, pelas entradas assassinas dos adversários, pela exigência de alguém ter que representar Portugal decentemente lá fora.
E, quando Portugal em coro declarava amor incondicional à Juventus das “Dolores” desta vida, Sérgio Oliveira deu um pontapé na inveja lusitana e meteu-a (a bola) lá dentro. O mesmo Sérgio Oliveira que dias antes tinha sido arrastado na lama pela imprensa.
Como foi e continua a ser Francisco Conceição, que até na Selecção Nacional é gozado pelos do costume. Abutres.
Abutres que amplificavam ao infinito uma agressão a um jornalista, por alguém que nem funcionário do clube é. 24 horas depois de, em Braga, um funcionário de um dos clubes de “Lisbon”, erguer-se em fúria para agredir um sexagenário. Mas isso, os abutres fingiram não ver. Passou. Acontece.
Enquanto isso, a imprensa estrangeira continuava a elogiar o Porto, colocando-o como merecedor das meias-finais da Champions. E, por falar em Champions, não deixa de ser engraçado que a única equipa que bateu o pé aos dois finalistas britânicos foi o mal amado Porto. “Contra os Bretões, marchar, marchar”, dizia a versão original do nosso Hino.
Trambolhão, atrás de trambolhão, o Porto viu um jogador seu sair de ambulância do relvado e outro ser expulso porque, pasme-se, rematou à baliza. Curioso desporto este, de 90 minutos, onde tantos jogos são ganhos nas horas extra. É a resiliência. A estrelinha, o querer, a vontade.
O primeiro lugar até ficou perto, para espanto e fúria do Terreiro do Paço e dos avençados arautos. Então, a Santa Aliança saiu das sombras e todos perceberam o desígnio nacional de ter “Lisbon” no topo.
Mas quem cai, por vezes, fica no chão a atrapalhar e nem uma mal ensaiada peça de teatro no teatro da Luz, também conhecido como Salão de Festas, local com crónicos problemas de iluminação e canalização, impediu os “Andrades” de figurarem no segundo lugar, a meter nojo. Tanta discussão sobre a guarda de honra e esta foi feita ao contrário.
No Porto só festejamos títulos (mesmo quando não nos deixam… outros têm melhor sorte).
Mas, depois de uma época que foi uma guerra constante, este segundo lugar é um milagre.
E, se os portistas pensam que acabou, desenganem-se. Está apenas a começar…
O meu carro cheira a comida
O meu carro cheira a comida, porque é lá que posso e tenho que almoçar.
O meu carro cheira a comida, porque vi a tristeza e o desespero nos olhos do proprietário do pequeno café onde normalmente almoçaria, o esforço que faz, há meses, para manter o seu negócio aberto e os postos de trabalho.
O meu carro cheira a comida, porque o trabalho que, entre Março e Maio fiz em casa, que aos fins de semana faço em casa, que nas férias faço em casa, “não é susceptível de ser realizado em teletrabalho”.
O meu carro cheira a comida, porque houve “Avantes”, peregrinações, congressos e jantares.
O meu carro cheira a comida, porque no Natal ouvi gente orgulhosamente a dizer que ia ter a casa cheia e no ano novo vi fotos, vídeos e “lives” que me deram a volta ao estômago.
O meu carro cheira a comida, porque ainda há negacionistas e chalupas que insistem em dizer que isto é tudo uma farsa.
O meu carro cheira a comida, porque ainda há quem prefira por as culpas no Governo, no PR, em Deus e no Diabo, enquanto se recusa a fazer a sua parte.
O meu carro cheira a comida, porque ainda há quem se ache a cima da lei.
O meu carro cheira a comida, porque seja qual for a regra, todos procuram contorná-la em vez de cumpri-la.
O meu carro cheira a comida, porque… ninguém quer saber, ou então só quer saber de si.
O meu carro cheira a comida…
…talvez deixe de cheirar a comida quando for proibido ficar em casa.
“Eu, eu, eu… tudo eu!”
Ponto prévio: não votei, não voto, nunca votaria no António Costa.
Ao longo do dia de ontem fiz uma aposta comigo mesmo: “sejam quais forem as medidas anunciadas pelo PM, no minuto seguinte, as redes sociais vão encher-se de críticos.”
Ganhei.
Está a morrer gente. Muita gente. Seja COVID, seja de outra coisa qualquer. O SNS está à beira do colapso (se é que já não está em colapso), os profissionais de saúde andam exaustos…
E, perante isto, toda a gente olha para o seu umbigo.
Ninguém se apercebe da dimensão da catástrofe iminente?
Quantas mais pessoas têm que morrer? Quantas mais empresas têm que falir? Quantos mais desempregados?
Custa assim tanto, por um mês, uma semana, um dia que seja, começarmos a pensar que vivemos em comunidade?
Até eu, egoísta assumido, percebo que isto não é sobre cada um, é sobre todos.
As escolas continuam abertas: chorrilho de críticas. Se tivessem sido fechadas, as críticas seriam em igual número.
Os mesmos que reclamam de não haver público nos estádios, agora reclamam de os jogos continuarem.
E os exemplos multiplicam-se.
Seja qual for o lado para onde a agulha penda, não é possível agradar a todos.
Eu não sou ninguém mas, mais que criticarem o Governo ou destilarem ódio nas redes sociais, façam a vossa parte, porque é isso que continua a falhar: fazermos TODOS a nossa parte.
Quando for grande quero ser…
Mas, para meu azar, ou sorte, a minha profissão depende, quase em absoluto, da Internet.
Eu tento. Juro que tento. Já a minha mãe dizia entre dentes e de olhos arregalados: “‘Tá calado…”
Trabalho com seis redes sociais abertas em simultâneo e inúmeras plataformas digitais. Portanto, por muito que me desvie, levo com o disparate em cima e o meu armário dos estereótipos vai ficando cheio. E, enquanto outros saem do armário, eu entro no meu cheio de orgulho.
Hoje dei por mim a contemplar a prateleira onde tenho as ocupações (ou profissões, num acesso de bondade) da moda, a saber: Intelectual, Activista e Influencer. Haverá mais, certamente, mas com estes eu esbarro vezes de mais.
Mas isto são profissões? São, ou dizem que são, ou querem que acreditemos que são. Vamos esmiuçar.
Que raio faz um Intelectual?
Calma. Eu sei o que é um Intelectual. É alguém que produz, edita e publica pensamento sobre determinadas temáticas, nas quais é especialista, seja por formação académica, seja por experiência profissional (lá está… a profissão é outra…). Mas, um verdadeiro Intelectual, não se assume como tal.
Há tempos, ao entrar num conhecido blog, noto que a autora se apresenta como “Intelectual”. O mesmo acontece nos sites de alguns partidos políticos, onde os respectivos titulares de órgãos internos, têm o campo “Profissão” preenchido com a palavra “Intelectual”.
Este Intelectual da moda intitula-se intelectual. Basicamente, está a dizer que não faz nada, não sabe fazer nada, mas tem coisas muito interessantes a dizer. Mentira, por norma só diz disparates, coloca sempre o restante CV na assinatura, (normalmente recheado de pós-graduações duvidosas), mas com toda a convicção de quem está a postular a Teoria da Relatividade. É mais ou menos o que eu faço em certas crónicas que escrevo. Confesso.
Se, alguém assumir-se como intelectual é, simplesmente, snob e uma tentativa desesperada de dizer “preciso de um emprego a sério”, alguém definir-se como Activista é isto:
“Portanto, tipo, aqui estou eu, tipo no meu pedestal de pessoa super preocupada, tipo, com bué de cenas, tipo super importantes, tipo para o futuro, tipo dos nossos filhos, enquanto vocês comuns-mortais-não-activistas, estão tipo a destruir o planeta e tipo as minorias, que merecem os mesmos direitos, tipo que nós.”
(eu queria escrever “tsipo” para ser mais realista, mas o corrector automático agrediu-me)
Este é o Activista-Influencer, uma mescla destas novas… ocupações. Na verdade, não está preocupado com nada, a não ser ter likes. Fotografa-se em manifs, a plantar árvores, a alimentar animais, mas sempre de olho nas notificações. #hipocrita
O Activista acha que os restantes comuns-mortais-não-activistas não têm cérebro e então está permanentemente a dizer-nos como agir, pensar e sentir. Mais, se caímos no erro de não agir, pensar e sentir segundo os cânones que preconiza, recorre ao seu melhor e, muitas vezes único argumento, o insulto. E quando consegues provar, com factos, que está errado? Entra em modo papagaio repetindo a mesma coisa até nos cansarmos dele e virarmos costas.
Há também aquele Activista que está sempre zangado, mal disposto. Que protesta sempre pelos mesmos dois motivos: tudo e nada. É incapaz de rir, ser feliz. Defende a Natureza, mas não sabe apreciar a sua beleza. Defende as minorias, mas é alguém com uma enorme dificuldade em se relacionar com outros seres humanos. E a sua maior habilidade é ver problemas onde eles não existem.
Calma, pá. Eu sei que o activismo é importante, pá. Cresci nos anos 80, pá. Na altura, pá, os EUA e a URSS, pá, tinham grandes mísseis nucleares apontados uns aos outros e, segundo as previsões mais optimistas, pá, por esta altura o Mundo já tinha acabado num enorme cataclismo nuclear, pá.
Por fim, uma das grandes pragas do século XXI: os Influencers. Uma imensa ode à futilidade, ao consumismo, ao facilitismo. A entronização do banal e da mediocridade. Pessoas ocas, que metidas numa Moulinex, nem uma colher de chá de sumo produziam.
Os Influencers são a degradação do conceito de Líderes de Opinião. Vamos imaginar que, se um Lider de Opinião for um Ferrari, um Influencer é um carrinho de rolamentos falsificados na China, enferrujados e sem lubrificação.
Na verdade, tenho saudades dos líderes de opinião, mesmo daqueles com quem não concordava. Era desafiante e estimulante ouvir, ler, pessoas plenas, com conteúdo, esses sim, verdadeiros Intelectuais, Activistas do pensamento, Influenciadores de vidas. Pessoas com valor acrescentado.
Mas “hoje não há líderes de opinião, há influencers do activismo.”
Há Intelectuais-Activistas, Intelectuais-Influencers, Activistas-Influencers e Intelectuais-Activistas-Influencers, os supra-sumos. Mas de laranjas muito sequinhas, muito sequinhas…
CONVÉNIO – Os Párias
– Quem era a Velha?
David estava de novo perante Pôncio e, invertiam-se os papéis, fazendo ele as perguntas.
– Já vi que as Esferas nunca te falaram dos Párias. Como deves calcular, a Lux e a Convénio nem sempre conseguiam localizar e identificar todos aqueles que são como nós. Por muitos motivos…
– Então, essas pessoas, não compreendendo o poder que têm, dedicam-se a ser videntes, bruxos, feiticeiros…
– Certo. E havia também aqueles que se recusavam a servir as nossas causas.
– Esses, vocês retiravam de cena… E a Convénio?
– A Convénio limitava-se a neutralizar essas pessoas. Vocês são, ou eram, demasiado bonzinhos para matar alguém… Até tu e os teus amigos aparecerem…
Tudo, agora, fazia sentido para David. Ao longo de anos tinha tirado a vida a centenas de inocentes.
Pôncio continuou:
– Mas nesse dia, ou noite, tu eliminaste mais um Pária, algo que até agradecemos.
– O Padre.
– O Padre.
Convénio – Os primórdios
Uma tarde de chuva miudinha, que lhe toldava a visão através dos vidros do carro.
Acendeu um cigarro, marimbando-se para os efeitos nefastos na sua saúde, agora que se sentia indestrutível.
Olhava fixamente para aquela casa, igual a tantas outras. Tristemente revestida a azulejos, não faltando a icónica Nossa Senhora de Fátima com os 3 Pastorinhos.
“Ridículo… irónico…”, pensou, expelindo mais uma nuvem de fumo.
Centrou-se nos rostos tristes que usavam a garagem exterior como sala de espera. A dona de casa que via o marido esbanjar dinheiro em álcool e prostituição; a idosa que procurava cura para as artroses; a jovem que queria proteger o namorado dos olhares das outras…
Pessoas que desistiram da vida, de ser alguém, para procurar no oculto a resposta para os problemas que só elas poderiam resolver.
Mas a culpa nunca é nossa, é da Vida, do Destino, do Mau Olhado, do Bruxedo…
Então recorriam à Velha, que com meia-dúzia de rezas, lhes prometia o fim do Calvário. No final, “a pessoa dá o que quer e o que pode.”
“Mais valia gastar mesmo o dinheiro em gajas e vinho”, disse para consigo.
Ele próprio também tinha sido levado à Velha, “para ver se estava tudo bem”. Teve que fazer um enorme esforço para não desatar a rir, da primeira vez. Nas outras vezes sentiu apenas ódio, por todo aquele circo.
E estava na hora do espectáculo terminar.
Olhou para o banco do pendura e viu-a pela primeira vez. A primeira de muitas da sua colecção. Chamou-lhe Helena.
A lâmina prateada parecia ter um brilho próprio, uma alma. Falava com ele. A pega, estilo sabre, ajustava-se perfeitamente à sua mão.
E, como apareceu, desapareceu.
Saiu do carro, ignorando a chuva.
Entrou no pátio e esperou.
Minutos depois, ao cimo das escadas a porta abria-se. Uma mãe com duas crianças pequenas pela mão, com dificuldades na escola. Em vez de lhes dar livros para as mãos, ou incentivá-las a estudar, em vez de as mandar para o campo lavrar, aquela mulher achava que as crias seriam inteligentes por artes mágicas.
Esperou que terminassem de descer a escadaria e subiu. Ergueu uma mão e os protestos que iriam sair das bocas que o rodeavam ficaram presos.
“Boa! Não quero chatisses.”
“É a sua vez?”, perguntou desconfiada a filha da Velha, que era também secretária e recepcionista.
Mas também ela ficou muda e paralizada.
Virou à esquerda em direcção à sala de estar, que era também consultório. As prateleiras do mobiliário estavam repletas de imagens de santos, velas, pagelas e demais ornamentação mística.
“Foi o Pôncio que te mandou cá?”
“Quem?”
“Não és do Pôncio. És das Esferas. Não sabia que agora a Convénio contratava assassinos. Vá… faz o que tens a fazer.”
David hesitou. As Esferas conhecia, mas quem era o Pôncio? Como é que aquela Velha conhecia a Convénio?
“Que se lixe!”
E, no momento seguinte, a cabeça da Velha jazia separada do corpo.
E, como apareceu, desapareceu. Helena tinha cumprido a sua primeira missão nas mãos de David.
Ao passar pela filha da Velha, levantou uma mão e disse “a sua mãe precisa de si.”
Desceu as escadas, calmamente, enquanto um grito lancinante vinha do interior da casa.
Olhou novamente para aquela gente. Sussurrou-lhes pequenos conselhos ao ouvido.
Ao entrar no carro, levantou a mão e cada um foi à sua vida.
Arrancou. À noite, Helena viria de novo. Desta vez, o Padre.
Talvez F
A icónica canção de Pedro Abrunhosa sugeria que fizéssemos “o amor” enquanto o mundo se desmoronava.
A noite passada, ao ter conhecimento do recolher obrigatório decretado para as próximas semanas, foi a primeira coisa que me ocorreu ao pensamento: mandar o nosso Primeiro-Ministro “fazer o amor”.
Os meus pais educaram-me a respeitar as autoridades, mesmo quando não estamos de acordo, mesmo quando não são da nossa “cor” política.
É o que tenho feito com este Governo, com o qual não me identifico e nunca identificarei, principalmente desde o início da pandemia.
Como já aqui escrevi, estive 79 dias fechado em casa, deixei o meu pai sozinho, abdiquei de ver o meu filho mais velho. Respeitei tudo.
Mas, mal a vida começou a voltar ao “normal”, quem manda neste país começou a dar sinais de que, mais cedo ou mais tarde, iríamos voltar ao mesmo, ou pior.
Foi o espectáculo do Bruno Nogueira, foram as manifestãções, foi o 1º de Maio, foram as touradas, foi Fátima, foi o Avante, foi a Fórmula 1.
Para uns, tudo. Para outros, nada. E agora, o “nada” volta a cair em cima dos mesmos que nada tiveram.
Trabalho de segunda a sexta numa empresa que não vê com bons olhos o teletrabalho, numa sala com mais 6 pessoas e um edifício com mais 30.
Vou almoçar, cruzando-me com alunos de uma escola profissional que trocam cigarros, linguados e usam a máscara no queixo. Almoço num café, porque é impossível almoçar nas copas da empresa, cumprindo as normas sanitárias.
Alguns dos meus colegas vão trabalhar em autocarros e metros apinhados.
O meu mais novo passa a vida a perguntar porque é que não pode ir brincar no parque.
De segunda a sexta, a minha vida e a de milhões de portugueses é uma roleta russa.
Tenho tolerado isto e muito mais.
Até ontem à noite percebia tudo e mais alguma coisa.
Agora, honestamente, não percebo ponta de um corno.
O mesmo Governo que permitiu os eventos já acima mencionados, diz-me, agora, que tenho que ficar privado das poucas horas que semanalmente tenho disponíveis para estar com o meu filho. O meu pai, que vive sozinho, fica privado da alegria de ter os dois netos a correr, saltar, rir pela casa.
A minha esposa é consultora imobiliária e os sábados à tarde são oportunidades de negócio e de sustento para a nossa família.
Como dizia a outra “isso agora não interessa nada”.
O Governo, desnorteado, atolado nos seus próprios erros, cospe medidas avulsas, só para dizer que está a fazer alguma coisa.
A falta de rumo, estratégia, é visível e a maior parte das pessoas não compreende.
Já imagino o caos nos supermercados e noutros locais no próximo sábado de manhã. O senhor António Costa sabe o que é estar à chuva numa fila para entrar no LIDL?
Tão repentinamente como se confinou, desconfinou-se e agora vamos pagar (quase) todos.
Desculpe, sr. António Costa, mas já não dá.
O sr. parece um treinador de futebol que está a perder e que, à falta de conhecimento táctico, estratégia e sangue frio, limita-se a ir ao banco de suplentes e colocar todos os avançados em campo. Acaba o jogo com um central a ponta de lança, mas perde-o na mesma.
Não. A culpa não é nossa, como o senhor e os elementos do seu Governo têm repetido sistematicamente. Nós cumprimos, carago!
Trabalhamos durante os meses de Verão com a máscara na cara, a pele irritada e o nariz a arder. Abdicamos de momentos de lazer, dissemos aos nossos filhos que não podem brincar no parque, mantivemos em isolamento os nossos familiares que de mais companhia precisam.
Fizemos férias “cá dentro”, para ajudar a nossa débil economia e para nos sentirmos um pouco mais seguros.
Abdicamos de tudo. Fizemos tudo.
O possível e, sabe Deus, o impossível.
Há gente desempregada, a passar fome, a morrer…
Agora vêm as ameaças sobre o Natal. Pare com o teatrinho. Poupe-nos.
Já todos percebemos como será o Natal, o Ano Novo, os Reis e o Carnaval.
Ontem, o meu pai já estava preocupado com a Páscoa.
Não. A culpa não foi nossa, mas dos sinais que o senhor e o Senhor Presidente da República foram dando ao país.
“Desde que se cumpram as regras…”
Estamos fartos de ouvir essa frase!
Outro dia, o nosso SNS mandou o meu pai ir a Santa Maria da Feira fazer um exame. O homem foi e veio de máscara no carro. Ele que achava um disparate usar máscara.
Nós aprendemos, nós obedecemos!
Mas continuamos a ser obrigados a andar em autocarros e metros apinhados.
Continuamos a ser obrigados a trabalhar em escritórios cheios de gente, porque a lei do teletrabalho está cheia de buracos para que as empresas façam como lhes der na real gana.
Mas os sábados à tarde é que vão resolver tudo, não é?
Ficarmos afastados das pessoas que amamos e que precisam de nós é a solução para a vossa falta de critério.
Porque, quando foi preciso dar um sinal ao país, o senhor pôs a aprovação do orçamento de estado, à frente das vidas dos cidadãos. Pôs os interesses instituídos, os lobbys, à frente do povo que deve governar e proteger.
Sabe uma coisa? Apesar de tudo, irei continua a obedecer e a cumprir com as regras, mesmo achando um absurdo.
Mas… “vá-se foder!”