António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

“Momentos Menores” – Ilídio Costa

Maio 26th, 2021
(texto inicialmente publicado no Facebook, a 14 de Abril de 2021)
É incontornável voltar a Ilídio Costa.

Não conhecendo eu na totalidade o seu reportório, arrisco-me a dizer que esta será a sua obra-prima, ou uma das suas obras-primas.
Há um ano, uma semana antes do confinamento, tive o privilégio de tocar esta obra, dirigida pelo próprio. Meus amigos… valeu cada minuto de ensaio. Ilídio Costa tem uma musicalidade única, uma apaixonante paixão pela Música, um sentido de humor refinado, uma obstinação pela perfeição, uma determinação pelo detalhe…
E ainda “refilou” por terem adulterado a sua orquestração quando decidiram “passar os papéis a computador.”
“Vou dirigir pela minha própria partitura manuscrita!”

Ilídio Costa classificou os “Momentos Menores” como “Divertimento”.

Imagino que tenha sido divertido compor isto, como é divertido tocar, mas considero que a obra é bem mais profunda que um “simples” divertimento.

É daquela Música que nos toca intimamente, sem sabermos muito bem porquê. Talvez porque o resultado final é muito mais do que a simples sobreposição de elementos: melodia, harmonia, contraponto, ritmo… Há um elemento imaterial na criação do artista, que sentimos, mas não vemos na partitura, que torna a obra sublime.

Partilho-vos a interpretação da Banda de Golães, por dois motivos:
1º – Por ser fiel à leitura do compositor.
2º – Por ser um admirador do trabalho do Filipe Fonseca como maestro (por exemplo, vejam como se pode dirigir um “Vivo”, sem esbracejar como se o Mundo fosse acabar).
Siga a Música!

“Abba Gold” – Ron Sebregts

Maio 26th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 13 de Abril de 2021)

E agora, algo completamente diferente…
Se, Amílcar Morais, foi o grande responsável pela introdução de reportório “pop” nas bandas filarmónicas portuguesas, Ron Sebregts, através das edições “De Haske Publications” foi o grande responsável por uma explosão de medleys e arranjos de música ligeira que invadiram os coretos em meados dos anos 90 e ainda hoje continuam em rotação.
É verdade que, anos mais tarde, os brilhantes arranjos de Luís Cardoso viriam roubar “airplay” ao pseudónimo “pop” de Jacob de Haan (sim… Jacob de Haan e Ron Sebregts são uma e a mesma pessoa) mas, tudo somado, Abba Gold, editado em 1993, ainda deve bater records.
O arranjo é bom? Na minha opinião, é banal. Mas, quando apareceu por cá, era algo de novo e a música dos ABBA é boa e intemporal. Tudo somado, deu no que deu. Foi muito mal tocadinho, muito maltratado mas, tudo isso, dá-lhe um carácter mítico e representativo de uma faceta das bandas que, a meu ver, tem melhorado muito: a interpretação de música ligeira.
Felizmente, o Luís Cardoso editou o “Abba Mia” e o “Abba Gold” eclipsou-se um bocado.
Discussões artísticas à parte, aqui fica a interpretação da Tokyo Kosei.
Tira o pé do chão!
“You can dance, you jive, having the time of your life!”

“Pérola 59” – Ângelo Moreira

Maio 26th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 12 de Abril de 2021)

Só preciso que alguém me diga o porquê do “59”, porque todos sabemos que esta marcha de concerto é realmente uma “Pérola”.

Se houvesse para as bandas um site tipo “Zero Zero”, que contasse todas as vezes que determinada obra é tocada, certamente a “Pérola” estaria nos primeiros lugares. É uma obra transversal, tocada desde as bandas mais modestas, às bandas de “champions league”.
A “Pérola” é a prova de que uma peça para Banda não precisa ser difícil, nem de grandes artifícios, para ser bonita. E não encontro outro adjectivo para a “Pérola”: bonita. E é tão característica da nossa portugalidade filarmónica.
E agora, um toque pessoal…
Desde o início desta rúbrica tenho preferido partilhar gravações de estúdio, para garantir uma melhor qualidade de som, sem os ruídos de fundo dos arraiais.
Contudo, quando escrevi “Pérola 59” no Youtube, apareceu-me este vídeo e nem pensei duas vezes.
O Hugo Oliveira é meu amigo de infância. Andamos na mesma turma desde o 1º ao 7º ano, mais os tempos de Conservatório, mais tantos e tantos anos de amizade, à semelhança dos nossos pais. Um dos dias mais felizes da minha vida filarmónica, foi quando fui dirigido por ele a primeira vez.
Ele é um grande Músico e um grande Maestro e isso nota-se na maneira como a Marcial de Fermentelos toca.
Ele não tem Facebook, mas sei que a mensagem vai chegar.

“Desfolhando Cantigas” – Manuel Ribeiro da Silva

Maio 26th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 11 de Abril de 2021)

 

Confesso que já fui um snob que desdenhava rapsódias. Principalmente, porque grande parte das bandas as tocava “meia bola e força”, “bota e vira, Zé Vieira”. O que até se compreendia, dado que a rapsódia sai mesmo no fim da festa e não há embocadura para grandes cuidados.
Mais ou menos a partir de 2011, comecei a recuperar o gosto pelas rapsódias, principalmente estas mais antigas de Manuel Ribeiro da Silva. Aliás, a triologia “Aguarela Popular” (a rapsódia com o melhor “Malhão” de sempre), “Portugal a Cantar” e, claro, “Desfolhando Cantigas”, são tratados de como manter o público “preso” durante 20 minutos, mesmo durante as secções centrais de Fado, mesmo com orquestrações simples, sem grandes filigranas.
“Desfolhando Cantigas” é “a” Rapsódia. Tem tudo. E até tem cor e cheiro. Cheiro a Minho, a Arraial, a Coreto, a Romaria. Tem a cor dos Cabeçudos e das Procissões, das ruas ornamentadas, das flores pelo chão.
Aqui há anos, questionei o José Ricardo Freitas sobre a forma empolgada como dirige isto e ele respondeu emocionado: “Porque isto é o que eu sou, eu sou do Minho, eu cresci com bombos e cabeçudos!” (mais coisa, menos coisa, entre uns goles de cerveja, enquanto passava por nós o cortejo etnográficos das Feiras Novas, em Ponte de Lima…).
Porque hoje é Domingo, não podia ser outra coisa.

P.S. – Aqui há anos, estava eu a tocar tenor e tinha atrás de mim o Paulo Marques. Já era quase meia-noite e diz o Maestro “Desfolhando Cantigas”. O Paulo refilou, mas fez um espectacular solo de bombardino. Acho que nunca mais me vou esquecer.

“La France” – Briot

Maio 25th, 2021
(texto inicialmente publicado no Facebook, a 10 de Abril de 2021)
Não… nem tudo são rosas ou memórias doces… Hoje, partilho convosco uma espinha na minha garganta filarmónica.
Depois de obras ligeiras, uma marcha de concerto, uma zarzuela, queria inserir nesta rúbrica um calhau mas, a verdade, é que os calhaus permanecem vivos e a fzer furor. Não encontrei, assim de repente, uma calhausada que esteja no esquecimento. É certo que já há bandas a abdicar das transcrições de orquestra e do reportório mais “clássico” mas, no geral, acho que 1812, Tannhouser, Rienzi, Inferno, Juízo Final, Capricho Italiano, ainda andam por aí bem pujantes.
Contudo, lembrei-me da “La France”, obra de um tal de Briot, que toquei inúmeras vezes, a maior parte delas contrariado. Quando o maestro dizia “La France”, “La France Suite”, ou “Suite La France”, estragava-me o dia.
Supostamente, é uma suite, mas mais parece algo como “variações sobre a Marselhesa”.
Era (e acho que ainda é) usada como abertura, principalmente por bandas que não tinham arcaboiço para tocar os calhaus mais pesados. Ou então, estava na capa para encher reportório ou para uma emergência.
À distância, continuo a achar a obra aborrecida, mas partilho pelo seu valor nostálgico e simbólico, no panorama filarmónico do século XX.

“La Leyenda del Beso” – Soutullo y Vert

Maio 25th, 2021
(texto inicialmente publicado no Facebook, a 9 de Abril de 2021)
Toda a gente aprecia uma boa espanholada. Sabe bem uma boa espanholada, principalmente no concerto da noite, antes de a coisa virar para o ligeiro.
“A Lenda do Beijo” deve ter sido das espanholadas mais tocadas e, felizmente, ainda se ouve por aí. Mas a tradição da espanholada tem-se perdido um bocadinho e isso deixa-me triste.
Nos anos 90 era mais frequente ouvirmos obras como “La Torre del Oro”, “La del Soto del Parral”, “As Bodas de Luis Alonzo”, “Aires Andaluces” ou as “Malagueñas” (não tenho a certeza que este fosse o título principal), peça óptima para exibir um trompetista virtuoso.
Nos últimos anos, este género de reportório tem sido substituído por obras mais “comerciais” dos compositores da moda da vizinha Espanha. Honestamente, apesar de serem obras com impacto, não me caem no goto, porque soam todas iguais. Os mesmos ostinatos, os mesmos recursos orquestrais… encontramos compassos exactamente iguais em diferentes obras do mesmo compositor. Mas isso são outros quinhentos.
Vamos aproveitar esta espanholada…
(não exagerei no uso da palavra “espanholada” pois não?)

“Ares de Espanha” – Ilídio Costa

Maio 25th, 2021
(texto publicado originalmente no Facebook, a 8 de Abril)
Carreguem no play e fechem os olhos. Tarde de Agosto, sol, calor, mangas arregaçadas, colarinhos abertos, o almoço ainda não foi totalmente digerido. Burburinho no público, carros de choque ao fundo, povo que chega para a procissão e, de repente, TA-DAAAAAAAAA, solta-se a furiosa anacruza dos “Ares de Espanha”, pasodoble bem português, ou marcha de concerto, que serve de andor a um melódico solo com cadenza de trompete, à guisa da vizinha Espanha.
Em finais dos anos 90, se eras “atacado” com “La Virgen de La Macarena”, só podias responder com a icónica marcha de Ilídio Costa. A coisa não podia ficar por menos.
Todos nós, filarmónicos, mesmo quem não aprecia as suas obras, mesmo quem, num passado recente, teceu comentários pouco educados sobre ele, devemos muito a Ilídio Costa. Pouco antes do país entrar em confinamento, tive o prazer de ser ensaiado e dirigido por ele e, acreditem, todo ele É Música. Mas, sobre isso, falarei noutra altura.
O importante, agora, é desfrutar da sua música, infelizmente, cada vez mais relegada para o fundo das pastas e dos arquivos.
É verdade que, actualmente, há muita variedade neste estilo de reportório, mas os “Ares de Espanha” continuam a ser um marco que merecia ser tocado mais vezes.

“Pop Show n.º 4” – Amílcar Morais

Maio 25th, 2021

(texto publicado originalmente no Facebook, a 7 de Abril de 2021)

Foi em 1974 que Amílcar Morais compôs o “Pop Show N.º1”, iniciando uma série de obras que iriam mudar o paradigma das bandas filarmónicas em Portugal.
A olho nu, o quarto opus desta série terá sido, eventualmente, o mais tocado, até romper as folhas e reunia temas dos The Pogues, Jean Michel Jarre e Vangelis, e mais um ou outro que nunca consegui identificar. Não interessa. Soava e soa muito bem!
O “Pop Show N.º 4” tem a particularide de ter uma “extended version” (aqui partilhada) que inclui o filarmonicamente célebre “Garotas, garotas”.
Com a revolução que o reportório bandístico levou nas últimas duas décadas, isto caiu para o fundo das pastas e depois para o fundo dos armários de arquivo, mas continua a ser uma obra que “cheira a arraial”.

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.