António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

“Marcha Eslava” – Tchaikovsky

Maio 27th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 22 de Abril)

 

Aviso que isto hoje não vai ser agradável…
Ora, já que estávamos em ambiente eslavo, com obras com títulos dúbios, recupero hoje a “Marcha Eslava”.
Confesso que tenho os chamados “mixed feelings” quanto a esta “marchinha”.
Por um lado, adoro a obra, no seu formato sinfónico original. Por outro, acho que as bandas deviam manter-se afastadas dela.
Porquê? Porque é enganadora.
A obra é muito mais difícil do que aquilo que aparenta. Tem aquela melodia inicial, simples, mas tudo o resto é exigente, requer muita precisão e rigor, e o pessoal parece ignorar isso, agarrando-se apenas às linhas melódicas. Oh… como se Tchaikovsky fosse apenas melodias bonitas.
Conclusão: a maioria das vezes que ouvimos isto em arraial é de forma precipitada e atabalhoada, com os diversos planos sonoros enrolados, falta de rigor rítmico. Vamos falar daquelas tercinas nos últimos compassos?
Há calhaus mais difícies? Há. Mas talvez não exponham tanto as fragilidades de uma banda como a Marcha Eslava.
Não obstante… é um clássico e daquelas peças que tem o mérito de trazer a grande música sinfónica até ao povo. E não deixa de ser espectacular.
Para não ferir susceptibilidades, partilho a interpretação da Tokyo Kosei. Limpinha.
Não é para comparar. É para reflectir.
(prometo que amanhã venho mais bem disposto…)

“Rapsódia Eslava n.º 3” – Carl Friedmann

Maio 27th, 2021
(texto inicialmente publicado no Facebook, a 21 de Abril de 2021)
– A “Eslava 3” é o quê?
– É uma rapsódia.
– Não é nada.
– É, é. Título: “Rapsódia Eslava 3”. R-a-p-s-ó-d-i-a!
– Achas mesmo que é uma Rapsódia? Não tem nada a ver com uma rapsódia! Ainda vais dizer que a “Marcha Eslava” é uma marcha.
– Sei lá… é uma rapsódia de temas eslavos… não tem que ter o Malhão e o Vira do Minho. O termo “rapsódia” define uma mistura de temas diferentes. Também se pode dizer “medley”. Medley Eslavo 3.
– Lá estás tu com a mania que sabes tudo…
O diálogo acima aconteceu mesmo, tinha eu 14 anos. Eu sou o gajo que defende que isto é uma Rapsódia.
A n.º 1 e a n.º 2 também são muito famosas, mas esta, a mim, “bate” mais.
O que é a Eslava 3? Quem foi Carl Friedmann? Como é que estas rapsódias eslavas chegaram a Portugal?
Porque é que há tantas orquestrações diferentes da mesma obra a circular nos nossos arraiais?
Hoje abro uma excepção e partilho duas interpretações e duas orquestrações diferentes. Se tiverem tempo, comparem.
Banda do Pejão:

Banda Marcial de Fermentelos:

“De Cádiz a Tanger” – Miguel Oliveira

Maio 26th, 2021

(texto publicado inicialmente no Facebook, a 20 de Abril de 2021)

 

Quando somos novos, rebeldes e irreverentes, criamos anticorpos contra um certo tipo de obras. Por serem “ultrapassadas”, por não cativarem, por mil e um motivos, a maior parte deles, absurdos.
Depois, olhamos para trás e vemos que, afinal, não aproveitamos devidamente pequenos pedaços de música bonita.
Toquei “De Cádiz a Tanger”, uma ou duas vezes, não me lembro de mais porque, lá está, à partida já estava a por na borda do prato.
Infelizmente.
Esta pequena fantasia de Miguel Oliveira, é mesmo uma pequena jóia no reportório filarmónico.
O Nelson Jesus é dos mais criativos, inovadores e irreverentes compositores para banda, a nível mundial. Por isso mesmo, é uma delícia vê-lo a dirigir este clássico, mostrando-nos que, sem passado, não há futuro.
Na biografia de Miguel Oliveira pode ler-se: “Da sua obra destacam-se as Marchas e as Fantasias, caracterizadas por constantes mudanças rítmicas e harmónicas. Nas suas composições distingue-se, igualmente, o emprego de materiais e de uma gramática musical que têm como principal referente a Espanha, nomeadamente a Galiza, e o Norte de África, duas regiões onde o Compositor viveu, de que são exemplo as obras Sonho Oriental; Minho e Galiza e De Cadiz a Tânger.”
Aqui estão 5 minutos de música que dispõem muito bem, numa chuvosa manhã de Primavera. “A seguir temos intervalo para a Missa.”

“Xutos Medley” – Luís Cardoso

Maio 26th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 19 de Abril de 2021)

Volto a passar a barreira do ano 2000 e regresso a 2004, ano em que parecia estar tudo a acontecer.
Como já falamos, depois dos Pop Shows vieram os arranjos do Jacob de Haan disfarçado do misterioso Ron Segbrets. Mas, convenhamos, faltava qualquer coisa. Faltava o glamour e imponência dos Pop Shows. Eram uns 5 minutinhos de música pop, sem grande sal…
Então, Luís Cardoso salta para dentro de campo e lança o “Xutos Medley”. E é preciso dizer mais alguma coisa?
O Luís percebe da poda. Percebe como poucos a linguagem da música pop, rock e é exímio em transpô-la para a sonoridade das filarmónicas.
Depois dos “Xutos” veio a Quinta do Bill, os Abba, os Scorpions e os concertos das bandas ganharam outro sal.
Mas, não há bela sem senão. Segue-se agora o ponto de vista, não de um filarmónico, mas de um fã incondicional dos Xutos&Pontapés.
A música dos Xutos é uma bela e descontraída adolescente. Veste calças de ganga, all stars e uma t-shirt simples. É linda na sua simplicidade. Tem um olhar tímido que diz mais que os seus lábios. É alguém que nos toca quando passa, que tem uma mensagem a passar.
O Luís Cardoso apareceu e vestiu-a com elegância para o baile de finalistas. Um discreto, mas sensual, vestido preto, maquilhagem subtil, jóias a condizer e um perfume sedutor. Entrou na festa e arrasou, ofuscando as raparigas mais espampanantes. Continuou linda na sua simplicidade, mas a sua mensagem ganhou forma.
Mas, depois disto, vieram muitos maestros, músicos e bandas que a vestiram com uma roupa vulgar exibindo os seios e as nádegas, uma maquilhagem fluorescente, argolas de papagaio nas orelhas e banharam-na com perfume da loja do chinês. A bela adolescente ficou vazia, oca. Infelizmente, é esta versão do “Xutos Medley”, que mais ouvimos nos arraiais, a horas onde já há álcool a mais e discernimento a menos.
Meus caros: a música dos Xutos é boa, o arranjo do Luís está impecável, não é preciso inventar e “javardar”. Os fãs dos Xutos agradecem.
Aqui fica a interpretação de gala da Banda de Vilela.
P.S. – Um dia destes teremos que falar de Luís Cardoso enquanto compositor. É uma pena que não se ouçam com mais frequência as suas obras originais.

“1989” – Amílcar Morais

Maio 26th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 18 de Abril de 2021)

– Vá… os festeiros estão a chamar, temos que ir dar entrada!
Estávamos em 1997 ou 98 e o professor Lino Pinto, à época meu professor de Formação Musical, maestro da Orquestra de Sopros do Conservatório de Gaia e da Banda Musical de Avintes, convidou-me para ir fazer um serviço com esta última.
A dada altura, senta-se ao meu lado e coloca na estante uma partitura manuscrita pela inconfundível caligrafia musical de Amílcar Morais: “1989 – Tempo de passo dobrado”.
– Passo dobrado? – pergunto eu.
– Pasodoble… é a mesma coisa.
Tocamos isto em palco mas, tempos depois, este “pasodoble” chegava às cadernetas da banda de Crestuma, para ser tocado na rua.
Desde essa altura, o “89”, esteve presente em todas (não é exagero) as festas que terei feito até hoje. Se não fosse a banda onde estava a tocar, era a outra. Toda a gente (não é exagero) toca isto.
A marcha, segundo o próprio Amílcar Morais, foi escrita em homenagem a uma determinada época da banda 12 de Abril. Contudo, há quem diga já ter ouvido a sua inconfundível melodia sob outro título.
Polémicas à parte, penso eu que o sucesso desta peça se deve, sobre tudo, à sua estrutura e orquestração totalmente diferentes daquilo que são as tradicionais marchas de rua portuguesas.
A começar pela imponente entrada, a linha dos baixos a fazer lembrar o Kanimambo do João Maria Tudela, os “breaks” rítmicos da secção central. Tudo assente em melodias simples e orelhudas. Como já foi dito por aqui, a boa música não precisa ser complicada.

“Invocação a Deus” – Fernando Costa

Maio 26th, 2021
(texto inicialmente publicado no Facebook, a 17 de Abril de 2021)
TRRAU TAU TAU TAU
TRRAU TAU TAU TAU
TRRAU…
– O meu boné? Onde está o meu boné?
– O Maestro está a chamar! Vamos!
– Não sei da minha caderneta!
– Toca de cor!
– Qual é que vai?
– Invocação…
A hora da procissão é sempre aquele caos, entre acabar de comer a bifana à pressa, deitar fora a ponta do cigarro, furar aos empurrões por entre o povo que se amontoa para ver os andores, formar 60 músicos num espaço exíguo atrás da capela…
Eu sei que, hoje em dia, o “cool filarmónico” é tocar aquelas marchas espanholas muito elaboradas (algumas delas, lindas, diga-se com justiça) mas as marchas de procissão portuguesas são as que melhor condizem com as nossas romarias.
A “Invocação a Deus” tem algo… (aliás, todas as marchas de Fernando Costa têm algo).
Começa por um original contraponto nas madeiras agudas logo ao início, algo não muito frequente. E depois aquela melodia final… arrepia.
É curioso que, quando comecei a tocar, todas as bandas que tocavam “contra” a minha tinham a Invocação… mas nós não. Não imaginam, a emoção que foi, quando pude tocar a Invocação pela primeira vez. Mais tarde, quando passei pela Banda de Souto, era sempre essa primeira marcha da procissão.
Alguém ontem dizia que a “Invocação” é a “marcha das marchas”.
É mesmo. Há marchas mais bonitas? Certamente. Há marchas mais imponentes? Sem dúvida.
Mas esta resume não só o espírito filarmónico, como o espírito das romarias e festas por esse Portugal fora.

“Quo Vadis” – A. Scassola

Maio 26th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 16 de Abril de 2021)

 

Ao contrário do que muita gente pensa, a abertura “Quo Vadis”, do compositor italiano A. Scassola, não é a banda sonora do épico filme de 1951, até porque Scassola morreu em 1938.
O que é pena, porque é um filme do carago, até tem um forcado português na equipa de duplos e eu iria adorar relacionar as duas coisas…
Provavelmente, Scassola inspirou-se no livro que daria origem ao filme. Ou então, estava apenas a perguntar a alguém “onde vais?”
Esta lenga lenga toda, porque, apesar de ser um verdadeiro clássico filarmónico português, um calhau à moda antiga, o Quo Vadis diz-me pouco. Toquei-a uma ou duas vezes e estudei a partitura para um curso de Direcção. Felizmente, o Pedro Silva ofereceu-se para a dirigir no concerto final e eu safei-me.
E, como o Paulo Veiga tem sido um dos seguidores mais entusiastas desta rúbrica, deixo aqui um vídeo da sua interpretação à frente da Banda da Póvoa de Varzim. Parabéns, Paulo!

“Cassiopeia” – Carlos Marques

Maio 26th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 15 de Abril de 2021)

 

Em 2004, Portugal enchia-se de cor. Bandeiras nas janelas, nas varandas, nos automóveis. Visitantes garridos de toda a Europa… e um balde de água fria na Final. Valeu-nos Gelsenkirchen.
E Carlos Marques – Compositor (a quem lanço o repto de deixar aqui o seu comentário na primeira pessoa sobre a obra em análise e corrigir algum disparate aqui exposto) lançava para as estantes de bandas filarmónicas, de todo o Portugal, a “Cassiopeia”. E que estrondo!
Dois anos depois a obra era editada pela Molenaar e, actualmente, é tocada no Mundo inteiro. Duvidam? Pesquisem no Youtube e vejam a quantidade de bandas estrangeiras que tocam a Cassiopeia.
Anos antes, Carlos Marques já tinha entrado para a “mitologia filarmónica” ao lançar o disruptivo “Português Suave” (que também terá direito a uma reflexão neste espaço), mas a Cassiopeia (corrijam-me se estiver errado) foi a primeira obra de um compositor português escrita em “estilo americano/holandês”.
Não sendo tecnicamente difícil, tem tudo para resultar em palco, ou em arraial: elementos épicos, solenes, introspectivos, explosivos.
No geral é das melhores coisas que se ouve por aí, porque está tão bem feitinha que não dá grande margem de erro ao executante.
Depois da Cassiopeia, outras grandes obras surgiram do talento de Carlos Marques, das quais destaco “The Transit of Venus”.
Contudo, a Cassiopeia foi um ponto de viragem no reportório filarmónico nacional.
Sabemos que estamos velhos quando, uma obra de 2004, já entra na galeria dos clássicos.

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.