António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

“Ross Roy” – Jacob de Haan

Maio 31st, 2021

Texto inicialmente publicado no Facebook, a 29 de Abril de 2021

Olhando com uma certa distância para esta obra, acho que, em essência, não é nada de extraordinário. Mas teve um importante papel na altura em que caiu nas nossas estantes. Abriu as nossas mentes para outros tipos de música e outras sonoridades.
Antes de Ross Roy, Jacob de Haan já andava por aí disfarçado de Ron Sebregts, com os seus arranjos ligeiros, e em nome próprio com o famoso “Oregon”, que também chegou a ter bastante protagonismo em finais dos anos 90, inícios dos anos 2000.
Mas foi Ross Roy que nos fez perceber, de forma lapidar, que as bandas poderiam soar de outra forma, que não estávamos condenados a tocar transcrições para o resto da vida e que os naipes de percussão tinham que, forçosamente, começar a alargar em recursos humanos e materiais. Os tempos de caixa, bombo e pratos. Tinham chegado ao fim.
E, ainda hoje, o Ross Roy continua a ser “rompidinho”. Como outras peças já abordadas aqui, fica sempre bem e dá para preencher aquele espacinho antes da missa, ou da procissão.
Obra encomendada a Jacob de Haan pela “St. Peters Wind Symphony” de Brisbane, Austrália. “Ross Roy” é o palacete monumental de finais do século XIX onde o St. Peters Lutheran College foi fundado em 1945. O palacete sempre foi o símbolo da escola. Nesta composição, Jacob de Haan vê o “Ross Roy” como uma metáfora dos anos passados na escola (um monumento no tempo), onde se forma a personalidade.
“Ross Roy” aborda temas como a disciplina, a amizade e a multiplicidade de culturas da escola. Foi estreado a 22 de Agosto de 1997.
Aqui fica na interpretação da Banda Comércio e Indústria das Caldas da Rainha, dirigida pelo próprio compositor.

“Palha Blanco” – Afonso Alves

Maio 31st, 2021
Texto publicado originalmente, a 28 de Abril de 2021, no Facebook:
Hoje eu teria tanto, mas tanto para escrever… Vou tentar não dispersar.
A secção 2/4 desta obra é das coisas mais lindas jamais escritas para banda. Em Portugal e no Mundo. Há ali qualquer coisa na melodia, na harmonia, no ritmo, que me faz arrepiar de alto abaixo… Não sei bem o quê, não consigo descrever, mas quando chega aos compassos entre o minuto 2’09 e 2’14 eu viajo sei lá para onde… Aquilo “bate” de uma maneira…
Claro que sou suspeito, porque sou amigo e admirador do compositor, mas acho que pouca gente ficará indiferente ao “Palha Blanco”.
“Palha Blanco” é uma obra recente (15 anos) mas é e será um clássico.
Em 2006, realizava-se a primeira edição do concurso de Vila Franca e Afonso Alves recebia a encomenda para escrever a obra obrigatória da secção “Tauromaquia”. Nascia assim um dos mais belos e emocionantes pasodobles “taurinos” do Mundo. E não estou a exagerar. Ou, talvez esteja, mas a música é emoção e esta, em concreto, emociona-me.
Curiosamente, foi nesse ano que comecei a privar com o Afonso e, aquilo que começou por ser uma relação de Maestro-Músico, tornou-se numa relação de amizade que muito prezo.
Daqui a uns tempos falaremos de outra obra marcante de Afonso Alves mas, para já, fiquem com estas palavras:
“Compor é uma necessidade, é algo que faz parte de mim.
Preciso de respirar, alimentar-me, cuidar-me fisicamente e … compor.
Quando deixar de o fazer é porque uma parte de mim morreu.”
E aqui fica a música de Afonso Alves, pela Banda de Vilela, sob a batuta do José Ricardo Freitas:

“1812” – Tchaikovsky

Maio 31st, 2021
Texto inicialmente publicado no Facebook, a 27 de Abril, de 2021
“Abertura Solene para o Ano de 1812 op. 49”
Abertura de Concerto para Orquestra Sinfónica com Banda, Artilharia e Sinos.
Um dia tinha que ser… Vamos lá ganhar fôlego.
Porque é que as bandas gostam tanto disto?
A resposta deve estar nas duas primeiras linhas da partitura original de orquestra.
Banda.
As primeiras duas linhas são para “Banda”: instrumentação “aberta” que consiste em “quaisquer instrumentos de metal extra” disponíveis. Nalgumas apresentações em ambientes fechados, a parte pode ser tocada num órgão. Bandas militares ou marciais também desempenham esse papel. Nota: a banda de música ou seu substituto deve tocar apenas durante o final.
Não sei se quando Tchaikovsky incluiu este “acrescento” na sua partitura tinha a noção de que séculos mais tarde, o “1812” seria um hit nas bandas. E, como todos os hits, é muito mal tocadinho.
Mas, curiosamente, até acho que, na última década temos assistido a interpretações cada vez melhores do “12” em arraial. Mais equilibradas, menos gritadas, no fundo, com mais cuidado.
Mas também, o que podemos esperar de uma obra onde o bombo tem que mandar tiros de canhão? Onde temos que malhar no carrilhão até aquilo empenar? É inevitável.
Partilho a interpretação da Banda de Golães, dirigida pelo Filipe Fonseca.

“Manuel Joaquim de Almeida” – Carlos Marques

Maio 31st, 2021
Texto inicialmente publicado no Facebook, a 26 de Abril, de 2021
Eu acho que vamos todos morrer e os nossos filhos e netos continuarão a tocar esta marcha.
Quando esta marcha apareceu, foi algo tão diferente, que muita gente nem acreditava que era de um compositor português, de seu nome Carlos Marques.
Inovadora na estrutura, nas melodias, na orquestração… Tão boa, tão boa, que é tocada por “toda a gente”, à entrada, à saída e até em palco.
E é tão fácil marchar isto a 120… apesar de haver, por vezes, quem ultrapasse o limite de velocidade.
Agora… podemos falar de algo que eu abomino?
Aquele momento em que duas bandas, na despedida, tocam isto em conjunto e os músicos decidem “avacalhar” totalmente a marcha, incluindo o célebre acelarando no fim…
Ó pá… não… é do pior que há na “filarmonia”. Aliás, acho que nem se pode chamar “filarmonia” a isso.
Fica o desabafo.
Mais uma vez, partilho a Banda de Melres, sob a batuta do Professor Luís Macedo.

“Uvas do Douro” – Duarte Pestana

Maio 31st, 2021
Texto inicialmente publicado no Facebook, a 25 de Abril, de 2021
Série Pestana – fantasia n.º1
Tocar, ou ouvir, a música de Duarte Pestana é como ir a um bom restaurante, comer e beber bem, com direito a entradas, sobremesa e digestivo e, no final, também pagar bem. Um dia não são dias e, de vez em quando, é bom ser extravagante.
Duarte Pestana deixou-nos cerca de 175 composições registadas na SPA, para além de centenas de arranjos e muitos rascunhos inacabados.
“A primeira das suas composições, ‘Uvas do Douro’, composta em 1935, foi originalmente tocada pelos 4 irmãos e um primo, e destinada a acompanhar uma ‘teatrada’ realizada em Gouviães, que mais tarde reorquestrou para Banda da GNR e um arranjo simplificado para filarmónica de Gouviães.”
Aqui fica a leitura da Banda de Melres, dirigida pelo Professor Luís Macedo, com quem tive o privilégio de tocar na Banda Musical de Gondomar e iniciar os meus estudos de Direcção.

Os rankings da Vida

Maio 28th, 2021

Há dias, o meu filho mais velho (Lucas, 9 anos) perguntava-me o que era a Estatística. Apesar de, na minha profissão, a Estatística ser uma das mais importantes ferramentas de trabalho, tive uma certa dificuldade em responder. Dei-lhe exemplos.

A Estatística terá tanto de exacto, como de incorrecto. Se estiverem juntas duas pessoas, com dois frangos e uma delas comer os dois, a Estatística dirá que, em média, cada uma comeu um frango. Por isso, é que os dados estatísticos carecem ser interpretados por quem os saiba interpretar. E devem ser lidos dessa forma: dados.

Todos os anos, quando são publicados os rankings das escolas, formam-se de imediato duas barricadas, assentes na ausência de interpretação crítica dos dados apresentados.

De um lado, os defensores dos méritos (inegáveis) do ensino privado, que descuram um factor importante: quem estuda nessas escolas, normalmente, provém de uma estrutura económica, familiar e social que facilita a aprendizagem e a obtenção de bons resultados.

Do outro, aqueles que atribuem a responsabilidade dos resultados menos bons das escolas públicas, à estrutura económica, familiar e social dos alunos que as frequentam.

Não me revejo em nenhuma das trincheiras. Ambos assentam a argumentação em parte dos dados, ou até na ausência deles.

Ainda esta semana, circulou um texto nas redes sociais que, depois de esprimido, basicamente postula que, quem nasce num meio mais desfavorecido, está condenado ao insucesso. Uma longa retórica para justificar uma visão puramente ideológica. E, analisar dados, com os óculos da ideologia, costuma dar mal resultado.

Para refutar esta visão e também a primeira (porque também há excelentes alunos nas escolas públicas…) partilho duas histórias. A primeira, minha, que publiquei originalmente em Junho de 2018 na minha página de Facebook.

A segunda, em vídeo, de um emocionante testemunho de Carlos Guimarães Pinto.

Leiam. Ouçam. Reflictam e tirem as vossas conclusões:

«“Como é que aguentas?”
Respondo com um sorriso, com a personalidade, com o treino, com o estudo, com a experiência… Mas a resposta é bem mais longa.
Até aos 14 anos vivi numa “casa” que de casa tinha apenas o nome. Três divisões: quarto dos meus pais, sala e cozinha, na qual um biombo separava a cama onde dormia com a minha avó da cozinha, propriamente dita.
Não, não havia casa-de-banho. Tínhamos uma retrete no exterior e agora imaginem o que era ter que lá ir numa noite de inverno. Para tomar banho? Deixo à vossa imaginação, mas adianto-vos que na “casa” havia apenas uma torneira, de água fria. Ah! Torneira essa que foi instalada em meados dos anos 80. Antes disso, era necessário ir a um poço vizinho acartar água em baldes.
Mas, apesar de não ter uma casa, tinha um Lar. Mesmo nos períodos em que o meu pai chegava a casa, comia à pressa e saía para um segundo trabalho, porque era preciso amealhar todos os centavos para a nova e verdadeira casa.
Também por isso, eram parcas as prendas no Natal e nos anos. Também por isso, nunca tive uma bicicleta, uma consola… Felizmente, havia sempre dinheiro para livros e até houve um Natal em que entreguei uma lista de títulos à minha Mãe. “Um destes… está bom…”
Ela comprou-mos todos. Metade chegaram no Natal, a outra metade, uma semana depois, no meu aniversário.
“Como é que aguentas?”
Nunca tive grandes opções. Era assim e eu tinha que me adaptar. Na Escola não podia chumbar, porque um ano de atraso podia significar ter que abandonar os estudos e ir trabalhar para ajudar as contas da casa.
“Agarra-te aos livros”, dizia o meu Pai, como se fosse preciso incentivar-me a fazer o que eu mais gostava. Além do mais, eu sabia que as esperanças da Família estavam depositadas em mim.
Foi no dia de S. João de 1994 que, finalmente, nos mudamos para a casa que tinha sido construída com tanto suor e ainda mais lágrimas. Aos 13 anos, finalmente, tinha o meu quarto, a minha própria cama. Não tínhamos uma, mas duas casas-de-banho!
Quando fui para a faculdade, os meus pais foram claros: “Se chumbares um ano, não tem mal, sabemos que o ensino superior é difícil e a mudança é radical… mas mais do que isso, não podemos suportar, terás que ir trabalhar.”
“Como é que aguentas?”
Com o dinheiro que, entretanto, fui ganhando na música, paguei a minha carta de condução e, claro, terminei a licenciatura “sem espinhas”.
Depois disto tudo, é “fácil” aguentar qualquer coisa. É fácil perceber que nada te cai do céu. Um dia, vieram ter com o meu pai a prometer-me um bom emprego. A pessoa que o fez, tempos depois, até fugia de mim na rua. Ainda bem que a “cunha” saiu ao lado. Hoje não devo favores a ninguém, a não ser a mim próprio e a quem me criou.
“Como é que aguentas?”
Semana passada, alguém me ligou sem querer e pude ouvir do outro lado, numa conversa, que sou “um gajo muito porreiro, bem educado, bom rapaz… vamos pedir ajuda ao Pinheiro”. Lembrei-me imediatamente da minha Mãe. Como queria poder dizer-lhe: “tudo correu bem, o teu plano deu certo, eu estou aqui, com tu sempre quiseste… ”
“Como é que aguentas?”
A minha Mãe partiu cedo de mais e tive que ser eu a dizê-lo ao meu Pai; a minha Sogra partiu cedo de mais e tive que ser eu a dizê-lo à minha Mulher; a minha avó partiu numa Véspera de Natal e tive que ser eu a dizer… a toda a gente, pois estava sozinho com ela em casa…
Depois disto tudo, é “fácil” aguentar qualquer coisa…
P.S. – Este texto entrou-me pela cabeça esta manhã, quando levava o Eduardo ao Infantário e repeti-lhe baixinho uma promessa que lhe faço todos os dias, desde que nasceu…»

“Ecos de Espanha” – Ilídio Costa

Maio 27th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 23 de Abril, de 2021)

 

 

Quando partilhei a primeira espanholada (La Leyenda del Beso) nesta rúbrica, alguns dos atentos seguidores da mesma, solicitaram também “Una Noche en Granada” e “Ecos de Espanha”.
É certo que toquei muitas vezes a “Noite em Granada” e haveremos de falar sobre ela, mas vou dar a prioridade, mais uma vez, a Ilídio Costa e a este momumento orquestral chamado “Ecos de Espanha”.
E há três pontos que quero destacar.
Primeiro, esta obra portuguesa sobre Espanha é mais rica criativamente que muitas obras espanholas sobre Espanha.
Segundo, para além das melodias que tão bem caracterizam a criatividade de Ilídio Costa, os Ecos de Espanha têm uma orquestração soberba, que vai desde a flauta à percussão. Por exemplo, os detalhes no pandeiro e nas castanholas são deliciosos para quem toca e quem ouve.
Terceiro, sendo uma obra sobre Espanha, sente-se que é bem portuguesa. Fica bem em concerto, fica bem em arraial e a qualquer hora do dia.
E pronto. Sexta-feira é sempre um bom dia para uma espanholada das antigas.
Desfrutem da interpretação da Banda da Trofa pela batuta de Luís Filipe Brandão Campos.

“Pela Lei e Pela Grei” – Raul Santos Cardoso

Maio 27th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 24 de Abril de 2021)

Trrrum tum tum tum
Trrrum tum tum tum
Trrrum tum tum tum tum tum tum
Percussionista que não saiba este papel de cor, não merece a farda que veste.
E flautista também.
Maestro que precise de partitura para dirigir esta marcha, devia demitir-se.
Estou a brincar, não me levem a mal, mas o Pela Lei, Pela Grei é incontornável e cai sempre bem.
Levante a mão quem nunca tocou isto.
A verdade é que está muito bem escrita para todos os naipes, não só para os solistas ou linhas melódicas. Mais uma vez, o segredo está na simplicidade. Contudo, como tudo o que é tocado muitas vezes, acaba por ser “violada” sem necessidade.
Aqui há uns anos, li uma entrevista de Raul Cardoso, onde explicava a origem da marcha. A memória já me falha, mas penso que surgiu no âmbito de um concurso de composição dentro da GNR.
Seja como for, esta marcha é um marco.
As comparações com a Pela Ordem e Pela Pátria são inevitáveis, mas para mim, neste “duelo” a GNR vence a PSP. (não obstante a marcha da PSP ser também extraordinária… mas um pouco mais tradicional a meu ver).
Parabéns ao Manuel Fernando Marinho Costa por esta interpretação.
E agora… um Quiz!
Ano: 1997 ou 98.
Local: Conservatório Regional de Gaia
Hora: Ainda não eram 9h da manha.
Um flautim irrompe pela calma matinal com o solo do Pela Lei, Pela Grei. O flautista aparece à janela a sorrir e a acenar. Quem é ele?

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.