António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

Treinadores de bancada

Junho 20th, 2021

De médico, louco e treinador de bancada, todos temos um pouco.

Com qualquer um de nós, escribas da Internet, Portugal ontem tinha cilindrado a Alemanha.

Confesso que não gramo o Scolari, mas o homem teve um mérito. Sim, a meu ver, apenas um. Conseguiu unir o País em torno da Selecção, como nunca tinha acontecido, ao ponto de ninguém reparar que, como treinador era (é) muito fraquinho. Ao ponto de os seus disparates passarem, como o próprio, pelas pingas da chuva. Alguém se lembra do que aconteceu da última vez que Scolari defrontou Joachim Low.

O mesmo Joachim Low que, neste Euro de 2020, disputado em 2021, foi cilindrado pela imprensa alemã, depois de ter perdido o primeiro jogo contra a França. França que só conseguiu ganhar esse mesmo jogo com um auto-golo. França que, na boca dos 10 milhões de treinadores de bancada portugueses, vai cilindrar Portugal, mas que não conseguiu ganhar à Hungria. Hungria que, na boca dos mesmos treinadores de bancada é muito fraquinha e deveria ter sido cilindrada por Portugal que “só” lhes ganhou 3-0.

Confusos?

Eu também.

Voltando a Scolari. Desde 2004 que eu achava que o povo estava definitivamente unido à Selecção. Falávamos na primeira pessoa do plural e não na terceira. Passou tudo a ser “nós” e não “eles”. Scolari mostrou-nos que, quando se trata de selecções, o povo deve amar em vez de exigir.

Acreditei, em 2016, que tendo Portugal finalmente conquistado uma grande competição internacional, iam acabar os linchamentos de seleccionadores na praça pública. Acreditei que o “eles devem” ou o “eles deviam”, estavam definitivamente mortos e enterrados.

E, depois disso, Portugal ainda conquistou a 1ª edição da Liga das Nações.

Li ontem, algures, que os Portugueses contentam-se com pouco. Acho que não, os Portugueses não se contentam com nada, principalmente no que à bola diz respeito.

Desde terça-feira passada que está instalada, novamente, uma aura negativa em torno da Selecção. Dá ideia de que há muita gente a desejar que Portugal perca, só para dizer “eu avisei” e confirmar o seu estatuto de treinador de bancada, nível 4, credenciado pela Fifabook.

Portugal ganhou 3-0 à Hungria (que é muito fraquinha como se viu ontem contra a toda-poderosa França que nos vai cilindrar) e havia mais posts nas redes sociais de ira contra o treinador, do que a festejar a vitória.

Acredito que ontem, muita gente, festejou cada um dos quatro golos alemães: “estão a ver? eu disse que eles não jogam nada! eu disse que os dois trincos não resultam!”

O trabalho de Scolari foi por água abaixo. É novamente o “eu” acima do “nós”. “Eles que corram que ganham muito dinheiro! Só fomos campeões em 2016 por sorte!”

Quanto a mim, que ainda só tenho o nível 1 de treinador de bancada, acredito piamente que vamos ganhar à França e vamos seguir em frente. Temos jogadores e equipa para isso. Não sei é se o Povo merece. Honestamente, espero que jogadores e equipa técnica andem desligados das redes sociais se não, ao lerem o que se tem dito deles, fazem as malas e vêm embora. “Era o que faziam melhor! Párem de nos envergonhar!” (grita o povo atrás do teclado)

A boa notícia é que, caso a coisa corra mal e Fernando Santos deixe o comando técnico da Selecção Nacional no fim deste Euro, tenho na minha lista de amigos facebookianos dezenas deles capazes de fazerem bem melhor.

“The Transit of Venus” – Carlos Marques

Junho 19th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 4 de Junho de 2021)

Segunda Temporada – Música para um novo século
Muitas vezes comparo a música à gastronomia. Gosto muito de como o “chef” Carlos Marques põe a mesa e serve bons pratos.
A cada estágio da Banda Fórum – Filarmónica Portuguesa, o Afonso Alves costuma contactá-lo a perguntar “tens alguma obra que queiras sugerir para tocarmos?” e, uma vez, lá veio “The Transit of Venus”.
Gostei tanto que, tempos mais tarde, quando o Manuel Luis Azevedo me perguntou se lhe queria sugerir alguma obra para tocar na Banda de Souto, recomendei-a de imediato. E olhem que até resulta bem “em arraial”.
“(…)inspirada no fenómeno astronómico ocorrido em 2004 que a comunidade científica chamou de “Trânsito de Vénus”. Sem pretender ter o carácter descritivo de um poema sinfónico, esta obra está dividida em três secções distintas onde o compositor procura descrever ambientes e texturas que de alguma forma nos remetem ao conhecimento, à nobreza e à grandeza inerentes à aventura espacial.”
Para mim, a secção que começa com o solo de tímpanos, seguido de trombone e ao qual se junta o trompete, é daqueles momentos tão bem confeccionados que dá vontade de repetir, voltar sempre ao mesmo restaurante e dizer a todos os nossos amigos que lá se come muito bem.
Um grande momento criativo de Carlos Marques.
Aqui, na interpretação da Banda da Força Aérea Portuguesa, dirigida pelo Capitão Rui Silva.
P.S. – Grande abraço ao meu amigo Paulo Carvalho que está ali a “malhar” nos tímpanos.

“Eli, Eli” – Luis Cardoso

Junho 19th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 3 de Junho de 2021)

Segunda Temporada – Música para um novo século
“Ah… essa obra não é para banda.”
Porque não? Pela instrumentação? Por ser difícil? Por já não se arranjarem sacos de plástico nos supermercados?
A Banda de Alcochete já a levou a um concurso. E parece que ganhou.
“Eli, Eli”, opus 31, expõe todo o arrojo e, ao mesmo tempo, brilhantismo de Luís Cardoso .
Apaixonei-me por ela à primeira audição e visito-a bastantes vezes.
Quem tiver interesse nas questões técnicas, poderá consultar a tese “Processo Composicional na Música Modal de Luís Cardoso Para Banda”, de Luís Macedo , Universidade de Aveiro, 2013. Recomendo. Está muito rico.
“Eli, Eli” (Meu Deus, meu Deus), é uma reflexão sobre a perda de espiritualidade na sociedade ocidental. Quanto a mim, considero esta composição verdadeiramente transcendente, culminando naquele intenso final dos metais. “Bells up!”
“Eli, Eli” é um desafio, mas não é impossivel. Porque não arriscar?
Aqui fica o vídeo da sua estreia, pela Banda Sinfónica Portuguesa, dirigida pelo grande Alberto Roque .
Sempro que ouço isto, lembro-me daquele maestro que dizia que os compositores portugueses não têm nível. Obra nivel 6 da Molenaar.

“Os Doze Titãs” – Antero Ávila

Junho 19th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 2 de Junho)

Segunda Temporada – Música para um novo século
Uma das melhores coisas que a Banda Fórum – Filarmónica Portuguesa me deu foi a possibilidade de conhecer o reportório de Antero Ávila. Felizmente, não só conheci o compositor, como fiquei seu amigo e, mesmo separados por um oceano, há muito que nos une.
Dotado de uma grande sensibilidade, estudioso, o Antero é daquelas pessoas que trata a Música como parte de si e isso reflecte-se nas suas obras.
Fantasia Ligeira, Arquipélago, 3 Oceanos, A Cidade… obras que nos deliciam a cada compasso e, infelizmente, pouco tocadas.
Num dos últimos estágios da BF-FP, o Antero desafiou-nos com os seus “12 Titãs”. Após o primeiro ensaio afirmei: “que boa obra para responder ao 1812 ou ao Inferno.”
Ontem, pedi-lhe para falar um pouco sobre a sua obra, aqui fica a conversa:
– É uma música que usa, em algumas partes, escalas octatónicas, o que dá uma sonoridade com “coloridos” diferentes. Alternando partes mais rápidas e aguerridas com partes mais românticas. Tem uma fuga que abre caminho até um clímax em que se ouve o tema lento e com muita densidade de vozes.
Inspirado na mitologia grega.
– …e tem um papel de tímpanos altamente!
– he he! E uns pozinhos de hard rock.
“12 Titãs” de Antero Ávila, numa interpretação da Banda Fórum – Filarmónica Portuguesa, dirigida por alguém que ama dirigir as obras do Antero, Afonso Alves.
Isto merece ser um clássico.
Já agora, Antero, é “12” ou “Doze”?

“Vila Franca” – Jorge Salgueiro

Junho 19th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 1 de Junho de 2021)

Segunda Temporada – Música para um novo século
Ao longo da Primeira Temporada, foram-me sendo sugeridas algumas obras que não se enquadravam, propriamente, no conceito “clássico”. No entanto, são obras de qualidade, algumas delas pouco tocadas, quase desconhecidas. Por isso mesmo, irei dar-lhes algum espaço.
No entanto, para este primeiro “episódio” escolhi uma obra já batidinha. Quase já se pode dizer que é “clássico”, mas escolhi-a por outros motivos.
“Jorge Salgueiro compõe regularmente desde os 14 anos, sendo autor de mais de 300 obras, entre diversa música para orquestra, banda, coro, de câmara, para teatro, cinema, bailado e para crianças.
Foi entre 2000 e 2010 compositor residente da Banda da Armada Portuguesa.” (fonte: site oficial do compositor)
O seu pasodoble “Vila Franca” foi inicialmente composto para quinteto de metais, mas é nas bandas que tem feito sucesso. Três minutos de pujança e não é preciso mais. Ao som de “Vila Franca”, já vi coretos a abanarem por todos os lados.
Data de 2002 e, o seu aparecimento nas estantes das bandas portuguesas, corresponde ao período de transição no reportório filarmónico nacional.
Sobre a escrita de Jorge Salgueiro falaremos mais tarde mas ele escreve como ninguém e ninguém escreve como ele.
Aqui fica a “Vila Franca”, pela Banda Castanheirense, dirigida por Pedro Ralo.
Captação de imagem: Damião Silva

“Suspiros Maiatos” – Hermínio Santos Leite

Junho 19th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 31 de Maio de 2021)

Amigos,
Chega hoje ao fim a Primeira Temporada dos Clássicos Filarmónicos. Ao longo de praticamente dois meses, todos os dias, fui partilhando obras marcantes na minha “carreira” filarmónica que começou em 19 de Março de 1994.
Na escolha do reportório, contei com a colaboração do Hugo Rocha e do João Rocha.
Agradeço também o apoio técnico do Hugo Oliveira nalgumas publicações, nomeadamente no post sobre a “Boris Godunov”.
Uma palavra aos compositores Afonso Alves, Carlos Marques, Luís Cardoso, Nelson Jesus e Valdemar Sequeira pelo feedback (público e privado) que deram sobre as suas obras. Assim como aos maestros nos vídeos apresentados António Ferreira, Luís Macedo, Manuel Fernando Marinho Costa, Paulo Veiga, entre tantos outros.
Como não podia deixar de ser, um grande abraço para uma grande figura da nossa filarmonia, o senhor Damião Silva, responsável por grande parte dos vídeos publicados.
O meu último e mais importante agradecimento vai para todos os que reagiram e comentaram (em público e em privado) ao longo destes dois meses. Sei que há muita gente que acompanha a rúbrica diariamente, apesar de não se manifestar.
Não fiquem tristes, porque a segunda temporada começa amanhã. Com um tipo diferente de reportório, uma nova abordagem, para desanuviar um pouco. E porque, na filarmonia, também temos que olhar para o presente e para o futuro.
A terminar, deixo aqui um clássico “daqueles”. De um compositor realmente clássico. Acho que nunca toquei, mas foi uma obra sugerida várias vezes.
Orquestra Filarmónica 12 de Abril, sob a direcção de Luís Cardoso, com “Suspiros Maiatos” de Hermínio Santos Leite.

“Boris Godunov” – Mussorgski

Junho 19th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 30 de Maio de 2021)

 

Hoje fui buscar um calhau daqueles… Uma obra que, definitivamente, não é para qualquer um.
Citando um professor que tive na faculdade, esta obra “é como a lampreia, ou se ama, ou se detesta.”
Eu amo. Borro-me todo quando tenho que a tocar, mas amo.
Modest Mússorgski teve uma vida complicada. Dificuldades financeiras, doença psíquica e alcoolismo… muito alcoolismo. Aliás, o alcoolismo destruiu a sua carreira e a sua vida.
“Aos 29 anos de idade começou a compor Boris Godunov, sua ópera mais conhecida e uma das peças mais importantes da história da música russa, baseada no drama homónimo de Pushkin e na História do Estado Russo de Karamzin. Utilizando o ritmo da fala dos mujiques ao invés de melodias líricas; harmonias excêntricas porém expressivas, como a harmonia sacra eslava; e coros e personagens populares com papéis importantes, Boris Godunov causou grande polémica, sendo que a versão original de 1870 foi recusada. A estréia ocorreu no Teatro Mariinski em 1873, após diversas alterações feitas por Mússorgski e Rimski-Kórsakov, embora ainda tenha causado controvérsias. Após uma nova apresentação de apenas alguns trechos em 1878, a ópera deixou de ser encenada.”
Mussorgsky era semi-analfabeto enquanto músico. Era muito intuitivo. Ele não orquestrava, não sabia… As suas composições eram todas com redução de piano. E terá sido Korsakov quem orquestrou a ópera Boris Godunov.
Partilho hoje a melhor e mais completa versão que conheço para banda da Fantasia da Ópera.
O Maestro Hugo Oliveira pegou num arranjo já antigo e com uma instrumentação reduzida (nem flautas tinha) e modernizou-o, utilizando a partitura de orquestra como apoio. Aproveitando a escolha das secções da Fantasia já existente, adaptou e orquestrou para banda moderna. E está um trabalho magnífico que já tive a honra de tocar.
São quase 20 minutinhos de música…
São raras as bandas que tocam esta versão. A da Trofa é uma delas. Aqui fica uma gravação em duas partes, na Casa da Música, sob a direcção do Maestro Luís Filipe Brandão Campos.
Parte 1:

Parte 2:

“Guilherme Tell” – Rossini

Junho 19th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 29 de Maio de 2021)

O violoncelo é um instrumento espectacular. Tão espectacular que Rossini espeta-lhe um longo solo, com acompanhamento do naipe, no início da abertura da ópera “Guilherme Tell” e, muito provavelmente sem saber, espetou uma dor de cabeça naqueles que se aventuraram em transcrever essa abertura para banda.
Ao longo dos meus 27 anos como músico filarmónico, já ouvi de tudo um pouco para aquele início: sax-barítono + bombardino + sax tenor + clarinete; bombardino, fagote… sax-alto.. oboé, requinta, flauta… Dá para tudo. A verdade é que não é fácil. A tecitura do violoncelo permite esticar muito, sem problemas de embocadura.
De todas as soluções que por aí circulam, a mais sábia terá sido do maestro Fernando Costa, que colocou tudo ali nos saxofones.
Questões orquestrais e organológicas à parte, esta é daquelas que resulta bem na banda, principalmente se a banda até tiver um Corn Inglês para a secção pastoral. E se a banda tiver um flautista que não se cuspa todo… e trombones dispostos a ter uma luxação…
Tem tudo para correr bem a partir da cavalgada dos trompetes… “The Looooooone Ranger!”, os clarinetes que se lixem a dar ao dedo, que o povo gosta disto.
Agora a sério: gosto muito do Guilherme Tell e foi daquelas obras que nunca me cansou.
Aqui fica na leitura da Banda dos Arcos, dirigida por Gil Magalhães:

E, já agora, na leitura de Claudio Abbado, pela Filarmónica de Berlim (só por causa do impressionante solo de violoncelo)

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.