António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

“Cerimonial Stereo” – Jorge Salgueiro

Junho 25th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 20 de Junho)

Aqui há anos, assisti com uma certa estupefação a um maestro que ensaiava a “Vila Franca” de Jorge Salgueiro de uma forma que em nada tinha a ver com Jorge Salgueiro. Eu pensava para com os meus botões “mas este fulano nunca ouviu nada de Jorge Salgueiro? nunca viu o próprio a dirigir as suas obras? não estudou nada sobre o compositor?”
“Ah… é a minha interpretação…”
Quando ouço esta frase fico cheio de “comichões”.
1º – Porque “a principal missão do Maestro é defender a partitura” (José Rafael Pascoal-Vilaplana);
2º – Porque interpretar não deve ser sinónimo de distorcer, alterar o carácter, desrespeitar o compositor.
Então, para limpar os ouvidinhos, fui ao Youtube e pesquisei “Jorge Salgueiro”. Saltou-me logo à vista uma obra chamada “Cerimonial Stereo”.
Sou um gajo que se vende facilmente pelos títulos.
E… eu tinha razão.
Isto é tão válido para Jorge Salgueiro, como para outro compositor qualquer.
O Afonso Alves costuma dizer “caramba… eu ainda estou vivo! As pessoas podiam falar comigo antes de tocarem as minhas obras!”. Isto a propósito de clarinetistas que decidiam (pela sua interpretação) transformar o solo das “Mornas e Coladeras” em Benny Goodman. Não, não, amiguinhos. Cabo Verde não é Nova York.
Desculpem, mas ainda estou traumatizado pelas histórias de ontem, partilhadas pelo Afonso e pelo Nelson Jesus. O primeiro, que vê as suas obras criticadas porque não as conhece; o segundo, que tem que lutar contra os preconceitos snobs relativos à palavra “rapsódia”.
Vá… ouçam o “Cerminonial Stereo” e bebam um copo de vinho, ou dois.. Duas versões, ambas pela Banda da GNR.
Versão de concerto:
https://www.youtube.com/watch?v=y0QTGJp5sgU
Versão tattoo (adoro tattoos):

“Porto de Saudades” – Nelson Jesus

Junho 25th, 2021

(texto inicialmente publicado a 19 de Junho de 2021, no Facebook)

 

A vantagem de partilhar coisas do Nelson Jesus, é que ele tem por hábito facilitar-me o trabalho:
«1. Fado Menor do Porto
2. Moda do Entrudo
3. Valsa Antiga
4. Cava Vinha Malhão
5. Palácio de Cristal
6. Clérigos
7. Vinho do Porto
8. Fado Menor (reprise)
9. Finale
Fui ao Douro à vindima,
Não achei que vindimar.
Vindimaram-me as costelas,
Olha o que lá fui ganhar!
Todos os dias sinto em mim saudades do Porto, da região Norte, e esta peça é um reflexo desses meus sentimentos. Desde que comecei a compor, tinha como objectivo escrever uma peça em cada uma das formas mais tradicionais das bandas filarmónicas portuguesas. Apenas me faltava a rapsódia, uma forma musical tão depreciada nos dias de hoje e todavia já utilizada com grande sucesso tanto junto do público como em favor da música, tendo como exemplos: Liszt (Rapsódias Húngaras), Ravel (Rapsódia Espanhola), Enesco (Rapsódia Romena), Gershwin (Rhapsody in Blue) e muitas mais de entre Brahms, Debussy, Rachmaninoff, Chabrier, Vaughan Williams… Daí me custar que as rapsódias portuguesas, tais como as de Frederico de Freitas, Victor Hussla, Fortunato de Sousa e Joaquim Luís Gomes fiquem escondidas sob um manto de vergonha e de algum snobismo por parte dos agentes musicais deste século, somente porque cheiram a povo. A Rapsódia ajudou os compositores do Romantismo a quebrarem a rigidez da forma sonata e o nome está ainda associado na literatura aos episódios de poemas Homéricos que também cantavam os feitos do povo.
Construída como se fosse uma suite (rapsódica), ao estilo dos grandes compositores de música para banda do início do séc. XX (também eles nacionalistas e orgulhosos da sua música popular), tem nove partes constituintes que se interligam numa forma livre, próxima ao improviso, justapondo os temas populares com os originais, dos sabores folclóricos aos mais abstractos, as variações e os solos instrumentais.
A música tenta ainda, se bem que de forma não contínua, retratar programaticamente, como um poema sinfónico, algumas situações, citações e lugares do Porto.
1. Fado Menor do Porto: é um tema original (retirado de uma peça incompleta e pensada para o I Concurso de Composição BSP. Funciona como leitmotiv articulador de discurso musical. Ao lamento do corne inglês podem juntar-se os primeiros versos de Mar Português de Fernando Pessoa.
2. Moda do Entrudo: tema da cantadeira e do seu adufe. Douro, gentes de folia.
3. Valsa Antiga: dança das rabecas e guitarra, para os bailes das adiafas.
4. Cava Vinha Malhão: a enxada apenas cai na terra à ordem do “mandador”. Douro, gentes de trabalho.
5. Palácio de Cristal: parte central e mais pessoal da obra. Tendo vivido perto destes jardins, por lá corri, por lá toquei, compus, escrevi… Toda a música tende a reflectir a imagem dos tempos de glória do antigo Palácio de Cristal, o solo de fliscorne é a ligação ao passado pois todas as antigas rapsódias de banda tinham o seu canto vibrante e muitas delas tocaram naqueles e noutros jardins da cidade. O grande órgão do palácio, jóia musical perdida e destruída, é também relembrado, juntamente com a marcha dos populares que, revoltados, foram impedir a sua destruição. Infelizmente não conseguiram.
6. Clérigos: símbolo maior da cidade do Porto. A música foi composta numa base criptográfica utilizando as datas de início e final da sua construção, os números de degraus e andares da mesma. Douro, gentes de fé.
7. Vinho do Porto: chula de paus (ou ramaldeira) executada a bordo dos rabelos do Douro.
8. Fado Menor (reprise)
9. Finale: é uma festa, bibó S. João!
Nelson Jesus, 2016»
Porto de Saudades, Op. 20 – Rapsódia Portuguesa nº 1, Banda Sinfónica Portuguesa, sob a direcção de Francisco Ferreira.
Obra vencedora do 2º Prémio no IV Concurso de Composição Banda Sinfónica Portuguesa.

“Alchemy of Feelings” – Afonso Alves

Junho 25th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook a 18 de Junho de 2021)

 

“A Música é a Arte de exprimir sentimentos e impressões através de sons.”
Todos nós, ou quase todos nós, deparamo-nos com esta frase na primeira página da Teoria Musical de Artur Fão.
Mas, até que ponto, temos consciência do seu significado?
Quantas e quantas vezes, estamos tão preocupados com a técnica, a embocadura, os dedos, a palheta, o bocal, as baquetas, os pulsos que nos esquecemos que estamos ali para fazer Arte, para exprimir sentimentos e impressões?
Em “Alchemy of Feelings” (Alquimia dos Sentimentos – tradução literal – ou Sentidos – tradução do autor), Afonso Alvesdesafia-nos a esta expressão de sentimentos diversos, por vezes contraditórios.
Do mesmo modo que os Alquimistas procuravam transformar diferentes materiais em ouro, esta obra procura a transformação de sentimentos de tensão, negativos, em momentos de júbilo, positivos.
A alternância entre momentos contrastantes culmina num final explosivo, onde a percussão, em diversas linhas rítmicas, conduz a banda ao “ouro”. Aliás, essa é uma das marcas da escrita de Afonso Alves: o uso da percussão como fonte de dinamismo. Segundo o próprio “os tímpanos são o instrumento mais poderoso de um ensemble. São como Zeus para os outros Deuses todos.” Enquanto percussionista, agradeço.
Há uns anos, “convenci” o Manuel Luis Azevedo a adquirir esta obra para a Banda Musical de Souto, tendo a mesma sido gravada em CD e apresentada muitas vezes em concerto e arraial.
Na mesma linha estética de “Mais Alto e Mais Longe” é das mais sentidas composições do Afonso e abriu portas para obras mais arrojadas como “Secrets of an Imperfect Silence” (que abordaremos em breve) ou a mais recente “The Lake, The Storm and The Eagle”.
Partilho duas versões, que me são muito queridas e nas quais tive a honra de participar como percussionista e clarinetista, respectivamente:
Banda Fórum – Filarmónica Portuguesa, ao vivo no Europarque (2012) sob a direcção do próprio compositor:
Banda Musical de Souto, CD “Fidelidade Musical”, numa gravação e edição do grande José Lourenço (2012), sob a direcção de Manuel Luis Azevedo:

“Mumadona Dias” – Carlos Marques

Junho 25th, 2021

(texto inicialmente publicado na Facebook, a 17 de Maio)

 

Desde o início dos Clássicos Filarmónicos que o Paulo Veiga falou algumas vezes na “Mumadona Dias” de Carlos Marques.
Enchi-me de curiosidade e fui ouvir.
Sendo uma obra surpreendente, tem o carimbo de Carlos Marques. Está lá tudo. E isso é uma grande qualidade num compositor: conseguir surpreender-nos, sem perder o seu carácter distintivo.
Melhor entenderemos a obra, se conhecermos a personagem.
Mumadona Dias foi condessa do Condado Portucalense e a mulher mais poderosa do seu tempo no noroeste da Península Ibérica. É reconhecida por várias cidades portuguesas devido ao seu registo e acção.
Após o falecimento do seu marido, o conde Hermenegildo Gonçalves, passa a governar o condado sozinha. O conde Hermenegildo deixou-a na posse de inúmeros domínios, numa área que coincidia sensivelmente com zonas que integrariam os posteriores condados de Portucale e de Coimbra.
Entre a segunda metade de 950 e começo de 951, por inspiração piedosa, fundou, na sua herdade de Vimaranes, um mosteiro sob a invocação de São Mamede (Mosteiro de São Mamede ou Mosteiro de Guimarães), onde, mais tarde, professou. Pouco depois de 959, para a proteção desse mosteiro e das suas gentes contra as incursões dos normandos, determinou a construção do Castelo de Guimarães, também chamado Castelo de São Mamede, à sombra do qual se desenvolveu o burgo de Guimarães, vindo a ser sede da corte dos condes de Portucale.
Apesar de não ser a fundadora da Póvoa de Varzim (Villa Euracini) e de Vila do Conde (Villa de Comite), o seu registo é pioneiro ao incluir pela primeira vez essas villas. Os topónimos de Aveiro (Suis terras in Alauario et Salinas) e de Felgueiras (In Felgaria Rubeans villa de Mauri) também aparecem no documento testamentário de Mumadona Dias como o primeiro a fazer referência escrita a essas terras.
(obrigado Wikipedia)
Aqui fica a “Mumadona Dias” de Carlos Marques, dirigida pelo próprio com a sua Banda Amizade Aveiro.

“Romanesco” – Luís Cardoso

Junho 22nd, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 16 de Junho)

À medida que esta rúbrica foi crescendo, apercebi-me que alguns “mitos” sobre o reportório filarmónico, ou para orquestra de sopros, podiam ser quebrados.
Um deles é este:
Sabes, o Luís Cardoso tem outras obras para além dos arranjos de música pop/rock.
Oh… mas são difíceis e não dá para tocar numa festa ao ar livre.
Então peguem lá o “Romanesco” digam lá a vossa opinião.
A minha relação com esta obra foi de amor à primeira vista, sem saber que era uma obra descritiva, eu que gosto bastante de obras descritivas.
Da edição de autor:
“Romanesco é um Poema Sinfónico que procura retratar uma narrativa épica das guerras medievais entre mouros e cristãos. Inicia-se com o cantochão dos monges no convento, dentro das muralhas, interrompido pela chegada dos mouros, que, disfarçados de jograis, entram na muralha e provocam uma batalha. Na secção central Adagio Elegiaco, o herói anónimo percorre a vila, sofrendo com a destruição. Sempre com base nos temas centrais representativos de cristãos e mouros, desenvolve-se na secção final uma nova batalha. Na obra predomina um ambiente modal e polirrítmico, característico da música medieval.”
Aqui na interpretação da União Filarmónica Troviscal, dirigida por Andre Granjo:

“Arquipélago” – Antero Ávila

Junho 22nd, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 15 de Junho)

Já sabem que sou um paladino assumido das obras de Antero Ávila.
Para quem gosta de explorar as diversas sonoridades que se podem obter dos instrumentos, de modo a criar ambientes, reprodução de sons da Natureza, ou efeitos diversos, tem aqui uma boa opção.
No seu “Arquipélago”, Antero Ávila recria os sons e ambientes de um cais, algures nos Açores. As ondas, o mar, o vento, a chuva, o som do barco a acostar ao ancoradouro…
E depois disso, toda a lírica tão característica do compositor açoreano, assim como o arrojo na orquestração, as mudanças de tempo, a alternância entre a calma e a inquietude, entre a pujança e a singeleza, as penetrantes linhas melódicas.
É uma obra que, tecnicamente, não é difícil, mas não pode ser tocada de qualquer maneira. Requer muita introspecção e saber aceitar a viagem que a música de Antero Ávila nos propõe.
É arriscado tocá-la ao ar livre, mas é uma jóia de auditório.
De realçar que esta obra teve um upgrade, com o acrescento de uma estrondosa parte coral, especialmente escrita para o concerto da Banda Fórum – Filarmónica Portuguesa na Casa da Música, em Novembro de 2009.
A gravação que hoje partilho, remonta aos tempos em que o Youtube tinha limitações de carregamento e, por isso, está em duas partes.
Banda Fórum – Filarmónica Portuguesa, sob a direcção de Afonso Alves, em Maio de 2008, no Centro Cultural da Branca.
Parte 1:
Parte 2:

“Abertura para o Gil” – Jorge Salgueiro

Junho 22nd, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 14 de Junho)

Quem olha para o simpático e fofinho boneco, mascote da Expo 98, está longe de o associar a uma obra tão impactante como a abertura escrita por Jorge Salgueiro em sua honra.
Obra ainda do século XX, mas com os dois pés no século XXI, escancarou-nos as portas da grandiosidade da escrita de Salgueiro, sem medo das intensidades, de esticar as tecituras dos instrumentos, ou de introduzir um solo de baixo eléctrico pelo meio.
A “Abertura para o Gil” é daquelas que põe o sangue a explodir nas veias.
Versão para banda estreada pela Banda da Armada Portuguesa, maestro Araújo Pereira Palmela, janeiro de 1998.
Versão para orquestra estreada pela Orquestra Sinfónica Portuguesa, maestro Álvaro Cassuto, Lisboa, março de 1998.

“Zamora 1143” – Nelson Jesus

Junho 22nd, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 13 de Junho)

Pensavam que me tinha esquecido?
Aqui está a obra de hoje, dia em que tenho o trabalho muito facilitado pelo próprio compositor:
“A peça que vos deixo hoje foi possivelmente a que escrevi mais depressa. Tinha acabado de enviar a partitura de “Porto de Saudades” para um concurso e, com fortes convicções sobre essa, decidi não enviar a mesma peça para o concurso vizinho. No entanto, durante uma guarda de honra, uma entrada algo inusitada no nosso hino nacional, fez luz sobre as minhas ideias e mal cheguei a casa comecei a esboçar algumas variações que são encontradas nesta peça. Em três semanas estavam a partitura e partes prontas para envio e o prémio veio confortar o esforço.
Zamora 1143, Op. 21 é um poema sinfónico baseado na História de Portugal onde podem escutar nas quatro notas iniciais dos timpanos o verso “Heróis do mar…” onde se pode sentir o ambiente medieval do torneio de arcos de valdevez e onde o terceiro andamento recria a batalha de Ourique numa violenta fuga a 13/16 que tem afastado os compradores desta peça!
Vencedora do Prémio Inatel/Banda Sinfónica do Exército e eleita para o Top 20 da Imms Portugal, foi estreada pelo capitão Artur Cardoso e pela Banda Sinfónica do Exército e gravada pelos mesmo intérpretes pela Afinaudio.”
“Zamora 1143” por Nelson Jesus, na interpretação da Banda Sinfónica do Exército, dirigida por Artur Cardoso.
P.S. – 13/16, Nelson???? Que raio te passou pela cabeça????

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.