Foi atacado, agredido, enxovalhado. Regressava a casa arrastando o corpo e a alma.
Tudo lhe doía. Sentia dores em partes do corpo que nem sabiam que existiam.
Abriu a porta de casa e deixou-se cair, a escuridão tomou conta dele.
Sentiu um beijo doce, muito doce, na testa. Tentava abrir os olhos, mas estes ainda estavam pesados. A luz penetrou-lhe, finalmente, no olhar e, por momentos, pensou que tinha morrido.
Era um anjo. Só podia ser um anjo… não existiam mulheres assim, principalmente depois do dia infernal que tinha vivido. Aquele rosto celestial inclinou-se para ele de novo e beijou-o, desta vez na face. Ao sentir o toque dos lábios, foi como se o sangue que sentia congelado nas veias voltasse de novo a correr. Estremeceu ao sentir que o seu coração pulsava de novo e sorriu.
O anjo continuava a fitá-lo como se quisesse dizer-lhe algo de muito importante. E disse, quando se inclinou novamente e beijou-o, com a mesma suavidade dos beijos anteriores, mas na boca. E aquele beijo soube-lhe a água fresca, colhida directamente de uma fonte de montanha.
As feridas sararam e o seu corpo ganhou nova vida. Ergueu-se no leito e olhou o seu anjo olhos nos olhos. Finalmente o anjo falou:
– Não fui eu quem te salvou… foste tu, com a tua força, com a tua vontade de viver, com a tua alegria!
– Mas eu estava morto, fui ao fundo… e tu foste-me lá buscar!
– Fui, mas porque sei que não querias lá ficar. Estou sempre contigo e sei que mereces ser feliz.
Então, ele chorou. Não se sentia digno de tanto amor. Afinal, quando se sentia só, não estava só. Havia sempre aquele anjo…
O anjo beijou-lhe as lágrimas e disse:
– Por favor, não… O teu rosto não foi feito para lágrimas, mas para sorrisos. Do mesmo modo, o teu coração foi feito para amar e não para odiar.
– Mas eu não mereço…
– Porquê?
– Não sou digno do teu amor…
– Já te esqueceste de tudo o que fizeste por mim? De todas aquelas vezes em que todos me abandonaram e só tu, apenas tu, me deste tudo? Quando quis desistir, quando me senti sem forças e tu pegaste em mim ao colo?
– Eu fiz isso tudo por ti?
– Sim. És a minha certeza. Sei que estás sempre, sempre comigo… Sei que és o único que não me abandonará, nunca! Por isso, quero ser tudo isso para ti.
– És o meu anjo!
– Não… tu és o meu anjo!
Ele riu. Começava a fase da inocência, em que competiam para ver quem proferia o melhor elogio de amor.
– Seremos o anjo um do outro?
– Seremos a vida um do outro.
– Isso quer dizer que não existimos um sem o outro.
– Tu és sinónimo de existir. Todos estes anos que vivi sem ti, eu não existia.
– Nunca viveste sem mim. Quando sonhavas com amor, quando desejavas alguém que te amasse, quando querias ser feliz ao lado de outra pessoa, era em mim que pensavas, mas eu não tinha rosto. Então eu apareci e ganhei um rosto, o teu amor ganhou um nome e nunca mais precisaste de sonhar.
– Como é possível?
– O quê?
– Tudo. Será que amar não tem limites?
– Os limites somos nós e eu hoje sinto-me infinita.
– Infinitamente bela…
– Infinitamente amada
– Infinitamente minha
– Infinitamente tua…
Então, ele beijou-a. Sem largar o seu olhar por um segundo, levou-a a uma viagem inesquecível da qual só voltaram pela imposição natural do cansaço dos seus corpos.
– E pronto… já não somos anjos!
– Porquê?
– Os anjos não têm sexo!
– Tão bom como este não têm, de certeza.
Riram, brincaram, conversaram, adormeceram.
No dia seguinte voltaria, o sofrimento, a dor… Ele entraria novamente em casa, desfalecido. Mas, a única coisa que importava é que nada, mas mesmo nada, apagaria aquele momento.
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