O meu carro cheira a comida, porque é lá que posso e tenho que almoçar.
O meu carro cheira a comida, porque vi a tristeza e o desespero nos olhos do proprietário do pequeno café onde normalmente almoçaria, o esforço que faz, há meses, para manter o seu negócio aberto e os postos de trabalho.
O meu carro cheira a comida, porque o trabalho que, entre Março e Maio fiz em casa, que aos fins de semana faço em casa, que nas férias faço em casa, “não é susceptível de ser realizado em teletrabalho”.
O meu carro cheira a comida, porque houve “Avantes”, peregrinações, congressos e jantares.
O meu carro cheira a comida, porque no Natal ouvi gente orgulhosamente a dizer que ia ter a casa cheia e no ano novo vi fotos, vídeos e “lives” que me deram a volta ao estômago.
O meu carro cheira a comida, porque ainda há negacionistas e chalupas que insistem em dizer que isto é tudo uma farsa.
O meu carro cheira a comida, porque ainda há quem prefira por as culpas no Governo, no PR, em Deus e no Diabo, enquanto se recusa a fazer a sua parte.
O meu carro cheira a comida, porque ainda há quem se ache a cima da lei.
O meu carro cheira a comida, porque seja qual for a regra, todos procuram contorná-la em vez de cumpri-la.
O meu carro cheira a comida, porque… ninguém quer saber, ou então só quer saber de si.
O meu carro cheira a comida…
…talvez deixe de cheirar a comida quando for proibido ficar em casa.