António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

Não é bullying, dizem eles, é normal, dizem eles…

Março 2nd, 2020

Não é bullying… É normal…   

 

Nasci com vários “defeitos de fabrico”. Um deles faz com que os meus olhos pisquem repetida e aceleradamente quando algo se aproxima dos mesmos.

 

Estava dado o mote, quando o pessoal descobriu a minha “pirotecnia” ocular, vinham de propósito ter comigo, apontando as mãos em direcção dos meus olhos, à espera de os verem piscar. E chamavam outros… “anda aqui ver!”

 

Lindo. Não era esta a minha noção de ser estrela, ou popular.

 

Lembro-me deles todos. Podia aqui escrever os nomes.

 

Um, o que começou com a “brincadeira”, se me apanhava sozinho na rua, até atravessava de propósito para vir ter comigo. Não perdia uma oportunidade. Anda emigrado em França.

 

Alguns moravam na mesma rua, cresceram juntos e estavam habituados a atacar em bando. Sim, porque sozinhos eram tão covardes como eu.

 

Recordo-me de cada rosto, cada risada de gozo, cada insulto, cada humilhação. Não, não esqueci, nem perdoei. Nem, sequer, quero cruzar-me com eles de novo, apesar de a Vida já nos ter colocado no mesmo caminho.

 

Um deles passou por mim na Primark e ousou dizer-me “olá”, como se nunca tivesse infernizado as minhas viagens de autocarro de e para a escola, como se nunca tivesse tentado acertar-me com escarros daqueles verdes e bem gosmentos. Ontem vi-o de novo e a idade não lhe tirou o ar brutamontes e fanfarrão. 

 

Outro, teve a lata de vir ao meu Facebook dar-me os parabéns por ter completado uma ultra-maratona, como se não tivesse sido o distinto autor de uma alcunha que me acompanhou durante anos e que, ainda hoje, não compreendo. Uma alcunha, que se espalhou e chegou aos ouvidos dos meus pais.

 

Por causa desta gente, muitas vezes preferi ir embora da escola a caminhar até casa, em vez de apanhar o autocarro. Ou então, ir de pé, em vez de me sentar perto deles: eram os “cachaços”, os insultos, o gozo constante e a tentativa permanente de fazer os meus olhos piscarem. No fim, à saída, abriam os vidros do autocarro e começavam a mandar «visgas» na minha direcção.

 

Por causa destas “brincadeiras”, tinha medo de passar sozinho em certos locais.

 

Não é nada? É muito!

 

Felizmente, nunca fui alvo de violência física, propriamente dita. 

 

Muitas vezes faziam rodas à minha volta, todos com as mãos e dedos em riste, para fazerem os meus olhos piscar mas, fora um ou outro “cachaço”, nunca me tocaram.

 

Mas doía e ainda dói. Vê-los hoje em dia com família e filhos e pensar o que fariam se isto fosse com eles.

 

Há dias, cruzei-me nas redes sociais com um asqueroso texto que, resumidamente, normalizava o bullying. O(a) autor(a) dizia que aquilo a que hoje em dia se chama bullying sempre existiu e é normal mas que, antigamente, as crianças eram mais “rijas”, aguentavam na boa e, no fim, ficavam todos amigos. Segundo ele(a), as crianças de hoje em dia são umas “coninhas” que ao serem humilhadas, gozadas e agredidas, vão logo queixar-se… veja-se só o desplante… uma pessoa ficar chateada por alguém mais forte, mais velho, o que seja, dar-nos cabo da paciência. As alcunhas eram normais e inofensivas e, pasme-se, o pessoal até tinha orgulho nas alcunhas!

 

Não, não ficamos amigos. Não, não tinha orgulho na alcunha que nada tinha a ver comigo.

 

Não, eu não era rijo. Rijos são aqueles que hoje têm a coragem de falar com os pais e professores e contarem o que se passa. Os que não têm medo de serem “queixinhas”.Os que não têm medo do medo. Os que se respeitam.

 

O meu respeito a todos aqueles que não são como eu fui.

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.