Barcelona. Cidade olímpica, com uma História milenar e que, sendo uma cidade do Mundo, guarda uma cultura e um modo de vida muito próprios. Em Catalão, essa língua tão estranha mas, ao mesmo tempo, tão próxima do Português (por vezes, até mais que o Castelhano), muito bem diz-se “Molt bé!” e, foi assim, que ao longo de 42km e 195m, durante 4 horas e 37 minutos, fui sendo incentivado pelo povo da capital catalã.
Mas, comecemos do kilómetro zero. Tendo a sorte de estar instalado num hotel mesmo em cima da partida/chegada, saí tranquilamente para a prova meia hora antes da partida. E bem que podia ter saído mesmo na hora da partida. Isto porque, a multidão de atletas era tão densa (perto dos 15.000, calculo) que só passei na linha de partida, já a prova contava com quase 20 minutos de duração.
Cá atrás, muito cá atrás, donde partiam os atletas que apontavam para tempos superiores a 4 horas, não ouvimos o tiro de partida, o “Barcelonaaaaaaaa” de Freddy Mercury e Montserrat Caballé, mas reinava a boa disposição. Pelas inúmeras conversas numa panóplia de idiomas, apercebi-me da presença de muitos estreantes, com aquele misto de entusiasmo, incerteza, arrojo e nervosismo.
A minha expectativa para a prova era baixa. O último treino antes da partida para Barcelona tinha corrido muito mal e duvidava até de chegar ao fim. Mas, como costumamos dizer na Dr. Merino / 4moove: “Nós não viemos para tão longe, só para dizer que viemos para tão longe”. Então, coloquei-me entre os pacers das 4h e das 4h30. A ideia era perseguir uns e não ser ultrapassado pelos outros, sem acelerar demasiado, ir ouvindo o corpo, os pulmões, o coração e as pernas.
Até ao Camp Nou (Barça!!!!), fui tranquilo como numa corrida de fim de semana, ali na marginal, entre o Freixo e a Foz. Ao contornar o mítico estádio, surge a primeira subida, que até tinha uma inclinaçãozita… “Ó António… um gajo do trail preocupado com uma subida?”. É, porque comecei a ver gente a passo logo ali, e a vontade de cair na tentação é muita.
A partir daí fui desfrutando da prova e da cidade. Foi uma “curte”. Muita música ao longo do trajecto. Para além dos habituais grupos de percussão, muito bem coordenados e sempre a dar o litro no incentivo aos atletas, bandas de pop / rock de muito boa qualidade. Não pude deixar de comparar com a pobreza com que a Maratona do Porto nos apresenta neste aspecto, com aqueles duos e trios de brasileiros a tocarem versões manhosas e desafinadas de música anglo-saxónica.
Nos abastecimentos, registei o mesmo calor humano que já tinha verificado em Sevilha, no ano passado. Os voluntários tinham o cuidado de olhar para o nosso dorsal e chamarem-nos pelo nome, não se limitando a darem-nos a água, ou o isotónico, mas sempre incentivando e apoiando. É muito fácil estender a mão, mas é melhor estender o coração.
Kilómetro 33. A minha coxa esquerda parecia ter sido rasgada por um x-acto. Tive que parar. Fiz uns metros a passo à procura dos corredores “phisio”: atletas que andavam para trás e para a frente na prova, dado apoio a quem estivesse com dores, dificuldades musculares, etc. (tipo os teus Safety Runners, Eduardo Merino). Esperava eu uma massagem, uma borrifadela do “spray milagroso”, qualquer coisa que me tirasse aquela dor.
E nisto, passam os pacers das 4h30… “Bolas! Logo agora que eu ia tão bem…”
Aos poucos fui recuperando o ritmo. Naquele ponto, já só via a meta. “Quero lá saber do spray… agora é até cair!”
Kilómetro 40… “A sério? A sério que o final da prova é a subir?” Confesso: a inclinação era quase inexistente, mas depois de 40km, qualquer coisa parece o Everest… Nesta fase, o apoio do público adensa-se. “Molt bé! Molt bé!”, “Come on, guys!”, “Venga! Venga! Ya la teneis!”, mas nada em português… Aliás, ao contrário de Sevilha onde, praticamente, corremos “em casa”, não vislumbrei qualquer apoio lusitano nas ruas, a não ser uma jovem com uma bandeira pelas costas, mas que estava sentada num passeio, quase a dormir…
E pronto, o resto vocês já sabem. No Porto, em Sevilha, em Barcelona, em qualquer parte do Mundo (penso eu), o final de uma Maratona é sempre como a primeira vez. Naquele momento tudo valeu a pena. Abrir os braços, abrir o sorriso e um salto na meta. Milhares de pessoas a aplaudir, milhares a cortar a meta! Mais uma meta…
Acaba a prova, recolho a medalha… Envio um SMS para o Gonçalo Dias: 4h37. Não dizia mais nada. 4h37. Praticamente o mesmo tempo que tinha feito em Sevilha, poucos segundos menos. “Afinal, até correu bem…”
O coração acalma, os músculos protestam. O caminho de regresso ao hotel, curto, demora uma eternidade. Os maratonistas ganham sempre um andar novo.
A Teresa tinha estado indisposta durante a noite e não arriscou sair de casa com o Eduardo ao colo. Não importa. Estiveram sempre comigo.
A porta do quarto abre-se, a Teresa sorri. No preciso momento em que ela pergunta “Como é que correu?”, o Eduardo, deitado na cama, começa a bater palmas e a sorrir para mim… Comecei a chorar e não consegui responder à Teresa… De facto, “não viemos para tão longe, só para dizer que viemos para tão longe…”