Dá beijinho à tia, ao tio, ao avô e à avó. Diz bom dia, boa tarde e boa noite. Pede por favor e agradece. E já está. És bem educado. Ah… e não te esqueças de comer com a boca fechada.
És bem educado e já está.
Cumpres as normas sociais e isso faz de ti uma pessoa bem educada.
Em tudo o resto podes ser uma besta. Desde que distribuas beijinhos e “bacalhaus”.
Quando era miúdo faziam-me cócegas mesmo sabendo que eu não gostava, principalmente sabendo que eu não gostava. E riam-se. Depois, o mal educado era eu, por não gostar de cumprimentar ninguém.
Chamavam-me lorpa. Tive um tio que nunca ouvi a pronunciar o meu nome. E eu era o mal educado.
Tinha quatro anos quando informaram a minha Mãe de que eu era mal educado. O teu filho não entra em nossa casa. E eu ouvi tudo atrás da cortina. Que falta de educação.
No trabalho, tens que cumprimentar toda a gente quando chegas. Não basta um “bom dia”. Não. É preciso ir ponto a ponto, distribuir “bacalhau”. Depois, durante o dia, o chefe insulta-te e trata-te como um escravo, os teus colegas sacodem o trabalho deles para cima de ti, atendem-se os clientes com duas pedras em cada mão, não há solidariedade nem espírito de equipa, mas a boa educação… ah… o cumprimento, o passou-bem, apaga tudo. Somos todos bem educadinhos.
Interrompes reuniões, ensaios, ou conversas com os teus sonoros “boa noite!” e desatas a cumprimentar toda a gente? Boa! Isso é que é boa educação. Entrar discretamente, sem perturbar é uma falta de respeito, isso sim.
Chegas atrasado? Não importa! Desde que cumprimentes! É imperial cumprimentar. Deixaste 20 pessoas à tua espera, mas isso não é falta de educação… não.
E se vais ao café ver a bola, cumprimenta toda a gente, mesmo quem não conheces. Interrompe o jogo às pessoas, coloca a mão estendida por cima do ombro delas e não desistas enquanto o mal educado não vir o teu gesto de bondade.
Tens o teu lugarzinho no céu.
Bendita pandemia que acabou com esta palhaçada da “boa educação”. Porque, grande parte das vezes, não estamos a ser bem educados, estamos apenas a ser cínicos.
Lamento. Mas, cumprir normas e protocolos sociais não faz de ti bem educado.
Faz parte, mas não é tudo.
Digo eu, especialista na matéria, que cresci com o rótulo de mal educado. Cresci e vivi. Porque não gosto de cumprimentar pessoas, ou melhor, não gosto de cumprimentar todas as pessoas em todas as situações… entendem a diferença?
Porque às vezes distraio-me e mastigo de boca aberta. Tenho os maxilares bastante desalinhados e o nariz constantemente entupido. Fica difícil. Desculpem o mau jeito. Olhem para outro lado.
Não adianta cumprires o protocolo se, depois, na verdade, não respeitas os outros e o respeito não se mede pelo cumprimento.
Mede-se pelas atitudes, pela postura. Como se costuma dizer: saber estar.
Procurar entender, perceber o outro. Analisar antes de emitir juízos de valor. Ponderar. Perdoar. Talvez o perdoar seja o topo da boa educação. Talvez…
Saber discutir, argumentar, expor pontos de vista sem ferir, magoar ou insultar.
Saber ouvir.
Saber abdicar de nós mesmos, em prol do outro e do bem comum.
Ajudar, saber ajudar. Estar disposto a ajudar.
Entender que vivemos em sociedade e temos um papel a desempenhar e um contributo a dar.
Perceber de que forma as decisões políticas influenciam a nossa vida.
Aprender e saber sempre mais. Ser informado. Expandir a mente com novos desafios: ler, ler muito, livros e jornais; ouvir música diferente daquela que as rádios nos impingem; ir a museus, visitar monumentos.
Porque não te adianta nada cumprires com todas as regrazinhas que te ensinaram em criança, se depois és uma besta.
(afinal… talvez eu seja mesmo mal educado…)