O texto que abaixo transcrevo é o discurso que fiz hoje de manhã na Sessão Solene das Celebrações do 25 de Abril em Crestuma:
“35 anos depois da Revolução dos Cravos, constatamos, com alguma amargura, que Portugal ainda tem muito que aprender, no que diz respeito à Democracia e às suas boas práticas. De facto, a política portuguesa ainda denota resquícios do poder ditatorial, uma tendência para o desrespeito e mau uso das instituições democráticas e uma compreensão errada daquilo que foi a maior conquista de Abril: a liberdade de expressão.
Normalmente, neste tipo de cerimónias prefere-se a exaltação dos valores democráticos e de tudo de bom que Abril nos trouxe como se, 35 anos depois, vivêssemos num mar de rosas político.
Contudo, hoje prefiro aqui recordar-vos que, infelizmente, o panorama democrático nacional não é tão risonho, como muitos insistem em pintar. A democracia portuguesa sofre, quase que diria mesmo, agoniza e, ironia do destino, é com o aproximar de actos eleitorais que se vê o quão pobre é a nossa democracia. A culpa não é da democracia em si, mas de todos aqueles que dela se aproveitam, usam e abusam, para atingir fins pessoais, esquecendo que é para servir o povo que a democracia existe. Foi a pensar no povo que, em 25 de Abril de 1974, um grupo de homens materializou o anseio de Portugal pela Liberdade.
Actualmente, vivendo o nosso país uma recessão económica que há muito não se via, com crises sociais a começarem a vir ao de cima, com o descontentamento da população a aumentar de dia para dia, somos confrontados com posturas inflexíveis e autistas por parte dos nossos políticos quando, o bom senso e as boas práticas democráticas sugerem exactamente o oposto: saber ouvir e saber dialogar.
Num dia diz-se “o povo é quem mais ordena”, mas no dia seguinte ignoramos e desvalorizamos uma manifestação com centenas de milhares de pessoas;
um dia dizemos “foi o povo que escolheu”, mas no dia seguinte, deita-se ao desprezo toda uma classe profissional importantíssima para o progresso do país, como são os professores;
uma dia falamos em “pluralismo democrático”, mas no dia seguinte castigamos alguém por contar uma anedota, fazendo corar de vergonha o lápis azul da censura e fazendo revirar no túmulo aqueles que morreram pela liberdade.
Estamos perante sinais claros daquilo que é o poder pelo poder.
Depois, há os casos de total falta de respeito pelas instituições que Abril conquistou e ofereceu aos portugueses, principalmente no poder mais perto das populações, o poder autárquico.
Um dia, afirma-se não ter tempo para participar nas Assembleias de Freguesia, mas no dia seguinte já se é candidato a mais um mandato, ou até mesmo a Presidente de Junta.
Um dia, alguém assume-se como candidato ao poder, mas, no dia seguinte, perdendo as eleições, não tem a dignidade e a postura ética de aceitar o lugar que o povo lhe atribuiu na oposição.
Não será isto, também, a procura do poder pelo poder?
São também exemplo da falta de princípios e valores democráticos, aqueles que usam as instituições políticas que Abril conquistou e nos ofereceu, não para ajudarem ao desenvolvimento das populações, não para promoverem a educação, a cultura, o bem-estar, mas apenas com o único objectivo de travarem guerras pessoais, concretizar planos de vingança, exorcizar ressabiamentos antigos, descredibilizar e ridicularizar os seus pares na praça pública. Há quem utilize as conquistas de Abril para proveito próprio ignorando de forma medíocre as necessidades da população que se propõem a servir. Incentiva-se a instabilidade, a maledicência e a demagogia e usa-se o eleitor como arma em desproporcionadas guerrilhas pessoais e políticas.
Mas, como cantou Zeca Afonso e toda uma geração “o povo é quem mais ordena” e, mais cedo ou mais tarde, os “cavalos de Tróia” desmontam-se e os traidores são desmascarados, porque, como diz o povo na sua imensa sabedoria, “a verdade vem sempre ao de cima”.
Há também os especialistas na implementação de micro-ditaduras em colectividades e associações, usando a nobre causa do associativismo, para outro tipo de fins, não tão nobres, delapidando ferozmente a herança histórica dos seus antecessores e, levando, muitas vezes, instituições seculares ao desaparecimento.
Por fim, há aqueles que abusam da liberdade de expressão para lançar a calúnia, escondidos sob a covarde capa do anonimato. Criticam tudo e todos, sem apresentarem uma ideia, um projecto, uma alternativa e, mais grave de tudo, sem apresentarem o próprio rosto!
Todos estes exemplos, bem concretos e reais da nossa sociedade actual, alguns deles bem próximos da nossa pequena Vila de Crestuma, são o exemplo de que a revolução ainda não terminou. Parece estranha esta afirmação vinda de uma coligação de direita mas, a liberdade, não tem esquerda nem direita; a ética, não tem esquerda nem direita; os princípios políticos e humanos não têm esquerda nem direita.
É contra tudo isto, senhoras e senhores, que a Coligação Gaia Na Frente se propõe continuar a lutar, como tem feito até aqui, nos últimos quatro anos.
Com uma postura séria perante a política e perante a democracia, sem embarcar no populismo fácil que outros adoptam. Estamos orgulhosos e de consciência tranquila com o trabalho realizado e que está à vista de todos, mas sempre com a consciência de que podemos, e devemos, fazer mais e melhor.
Trabalhamos por uma sociedade mais justa e igual em que os políticos sirvam as populações e não o contrário.
Trabalhamos por uma sociedade guiada pela coerência ética e pela honestidade intelectual.
Trabalhamos, porque o projecto daquela madrugada de há 35 anos atrás está longe de estar terminado, mas compete a cada um de nós, nas nossas vidas, nas nossas opções, na nossa interacção com o Mundo, fazer o verdadeiro 25 de Abril.
VIVA O 25 DE ABRIL!
VIVA CRESTUMA!
VIVA PORTUGAL!”