Sentou-se no banco do jardim. O mesmo banco de jardim onde, nos últimos tempos, recebia as missões.
O Chefe chegava, ou melhor, aparecia e começava a falar. Falavam muito, como irmãos. Nem pareciam chefe e subordinado.
Mas ele não era um subordinado qualquer. Era único. O último.
Vinte e três anos depois de ter sido recrutado para uma estranha e secreta entidade, mais estranha que secreta, ele era o último. E o Chefe. Personagem etérea que se materializava ao seu lado nas mais estranhas ocasiões, sendo aquele jardim o seu local de eleição.
Outras vezes era quando conduzia.
Naquela tarde, como em tantas outras tardes, sabia que tinha que estar ali. Sabia também o que iria acontecer de seguida, mesmo antes de o Chefe lhe pedir a mais dura das missões, aquela que, como ele, seria a última.
A sua mente vagueava entre o passado e o futuro. Entre tudo o que aconteceu nos últimos vinte e três anos e o que aconteceria nos três meses seguintes.
Finalmente a sua aprendizagem estava concluída e, em breve, o Chefe deixaria de ser Chefe, porque a sua existência, simplesmente, deixaria de ter sentido.
“Boa tarde”.
“Boa tarde, Chefe.”
“Nunca me chamaste «Chefe»…”
“Foi a primeira e a última vez. Acredita, foi mesmo a primeira e a última vez, Saúl.”
“O que queres dizer com isso?”
“Diz-me tu, ao que vens.”
“Tenho uma missão muito importante para nós…”
“Nós? Quem? Eu? Tu? Ou o que resta daquilo a que em tempos pertencemos?”
“Ainda pertencemos, David. Nunca poderás sair do Convénio.”
“Que Convénio? O Convénio morreu, há vinte e três anos, naquela tarde. O que restou depois daí foram quatro putos deslumbrados e assustados. E agora resto eu. E tu.”
“Sabes muito bem que não… tens Agentes…”
“Pára! Que Agentes? As que, neste mesmo jardim, me juraram fidelidade eterna, mas que depois fugiram ou me traíram. Até Cristo teve mais companhia no cimo do Calvário.”
O silêncio instalou-se. Saúl, o Chefe, tinha sido um verdadeiro Mentor de David. Mas este não era mais um adolescente destemido. Tornara-se cerebral e conseguia agora racionalizar tudo o que lhe tinha acontecido, desde que tinha sido recrutado pela Convénio.
“Diz lá… que queres que faça?”
“Precisamos que te entregues. Daqui a pouco, chegará a este jardim uma equipa deles para te levarem. Precisamos que te deixes prender, para te monitorizarmos lá dentro. Pode ser a grande oportunidade para a Convénio voltar a ser o que era…”
“E como é que eles sabem que aqui estou? Eu não sou rastreável. Nunca fui. Por isso é que ainda aqui ando a deambular…”
“Foste traído…”
“…mais uma vez e desta vez pela Miriam.”
“Como sabes?”
“Do mesmo modo que sei que a Ester vem com ela e cinquenta marmanjos, soldados rasos. Os burros ainda não aprenderam que não me apanham assim, mas eu entro no teu teatrinho.”
“David… o que se passa que eu não sei?”
“Vinte e três anos comigo e não me conheces, não me viste crescer, lutar contra esta gente e, acima de tudo, evoluir. Os cinquenta que aí vêm, não vão sobreviver para contar a história e juro-te que a própria Míriam vai desejar ter morrido.”