Não me ocorria dizer mais nada, no passado Domingo, por volta das 17h45, quase 10h depois de ter partido do centro de Valongo para as serras envolventes.
Os Trilhos do Paleozóico, na sua versão ultra com 48km e 2500 D+, eram o meu primeiro grande objectivo de corrida para 2015. As dificuldades começaram na fase de preparação. Com pouco tempo para treinar, restou-me inscrever em todas as provas possíveis, para me ir habituando à “coça”.
Cheguei a Valongo com o Trail de Santa Iria (pior que algumas Ultras, dizem…) e a Ultra de Santa Luzia nas pernas.
Confesso que, à excepção de Santa Luzia, nunca senti medo de uma prova. Por isso, antes da partida estava tranquilo e confiante, apesar de tudo o que se diz sobre o “Paleozóico”.
O Luís Rodrigues tinha pedido “reboque” e eu queria ajudar, mas cedo percebi que ele ia sentir muitas dificuldades e eu queria chegar ao fim:
“Luís, isto é para chegar ao fim…”
“Então vai para a frente…”
Nos primeiros kilómetros fui olhando para trás, para tentar perceber o ritmo dele, mas no topo da serra de Santa Justa compreendi que teria que abdicar da companhia do Luís (desculpa, amigo…) para levar o meu barco a bom porto.
A primeira fase da prova foi bastante positiva. Estava a sentir-me bem e a desfrutar da prova como ela merece.
A dada altura ouço “Eeeeeehhhhh Duas Faces Alleeeeez! Duas Faces Allez! Duas Faces Allez! Duas Faces Alleeeeeez!” Lá vinha como uma bala o meu “Team Manager”, que optou pela prova de 23km, a “derreter” o João Colaço e com um avanço considerável sobre o Armando Teixeira! Ah, pois é! É só para verem a fibra do pessoal deste Team! (16º na classificação geral…)
“Vou usar-te como lebre!”
“Não faças isso que ainda tens muito que correr!”
As ultrapassagens dos atletas mais rápidos dos 23km fizeram-me abrandar o ritmo. Por mim passou o resto da comitiva Duas Faces, o Ricardo Dantas e o Rui Andrade, com quem troquei palavras de incentivo e até um comentário ao Benfica vs Braga da noite anterior.
Foi por esta altura que comecei a cruzar-me com o Ângelo Senra. Já o tinha visto noutras provas e sabia que ele tem um ritmo parecido com o meu. Era uma boa referência de andamento.
4h de prova, 24km percorridos. A Teresa liga-me e as suas palavras foram melhor que qualquer isotónico. Ela não se apercebeu, mas eu chorei do outro lado…
No abastecimento dos 28,5km a “fila para o autocarro”: uns 15 – 20 atletas à espera da carrinha da organização para desistirem (vim a saber mais tarde que nesse ponto desistiram 50 atletas). O Ângelo estava lá também, mas pronto para a luta. Chega o Paulo Serra e arrancamos os 3.
“O gajo vai a falar ao telemóvel, ou já está completamente maluco?”
A montanha dá para isto… mas o Ângelo ia mesmo a falar ao telemóvel.
O carrossel continuava e íamos trocando posições, até ao abastecimento da “crioterapia”. Lá estava a Celina Ferreira, irmã dessa grande máquina de montanha chamada Vitor Ferreira, cheia de boa disposição e palavras de ânimo. “Houve uns que se atiraram de cabeça!” (e o que se passou a seguir vocês já viram nas fotos…)
Estava na hora de enfrentar o pior…
Começava a luta pelo “pódio”. Íamo-nos revezando no “comando” da prova, até nos encontrarmos novamente no abastecimento da Doce Papoila. Aí, mais uma vez: “Eeeeeehhhhh Duas Faces Alleeeeez! Duas Faces Allez! Duas Faces Allez! Duas Faces Alleeeeeez!” O Team Manager da Duas Faces e CEO da Doce Papoila estava doido com a minha prova.
“Como estão as cãibras?”
“Zero?!?!”
“Sim. Nem uma. Estou é cheio de fome!”
“Os outros chegam aqui todos rotos e atiram-se para o chão… tu só queres comer!”
E desatei a comer como um alarve. Estava mesmo cheio de fome e de vontade de chegar ao fim.
Últimas palavras de apoio do Sérgio e da Ana Duarte e bora para o Elevador (ou Eleva a Dor).
Decidi que iria olhar o menos para cima e sempre para os pés, um atrás do outro. A tarefa de me concentrar no chão tornou-se complicada quando aparece o Carlos Natividade com a sua famosa sineta a incentivar o pessoal. Que momento épico de Trail! Nós ali… humildes maçaricos, a termos o grande Mestre a puxar por nós! Enorme!
Chegados ao topo, o Ângelo decidiu que a vitória era dele e arrancou (talvez auto-motivado pelo enxorrilho de palavrões que debitou durante a subida…). Eu e o Paulo decidimos “recuperar da subida”, leia-se “ir nas calmas”.
Quando a parte mais técnica da descida terminou, comecei a correr e levei o Paulo atrás de mim. O raio da meta nunca mais chegava.
“Só faltam 200m!”
Irra, que 200m intermináveis!
Mas então vi a Teresa, a minha sogra, gente que não conheço de lado nenhum (ou até conheço…) a aplaudir. Carago! A meta!
O Luís Pereira, grande arquitecto deste empeno de proporções épicas vem cumprimentar-me e eu nem lhe consegui dizer nada de jeito. Estava mais preocupado em parar o relógio, como se mais 20 segundos fossem fazer a diferença em quase 10h de aventura.
“Olha o Pinheiro! Tu não tens juízo?” Era o Rui Pinho, com um sorriso genuíno, feliz por me ver terminar… e que bem que me soube!
Depois, finalmente, a minha verdadeira meta: a minha Teresa!
O meu dia estava ganho. Só me apetecia dançar, rir, chorar, comer… Sentia que me ia dar qualquer coisa. Mas voltei a olhar para a Serra e senti-me simplesmente tranquilo e orgulhoso.
Consegui! Carago!