António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

O almoço de Domingo

Abril 10th, 2019

Quem teve uma infância humilde guarda religiosamente pequenas memórias, as lembranças mais felizes dos tempos mais difíceis.

Recordo o almoço de Domingo, memória que me deixa com um sorriso nos lábios e uma lágrima no olho.

Tudo partia da minha Mãe que, para ajudar na complexa gestão da sua vida profissional e familiar, repetia as ementas semanalmente, de segunda a sábado. Assim, como a própria dizia, ficava tudo “guiadinho”. Mas, ao Domingo, era diferente…

No almoço de Domingo, almoço solene, a D. Irene esmerava-se para apresentar algo diferente do habitual. A mesa ganhava cor, pela toalha nova, pelos talheres de cerimónia, pelas iguarias servidas.

Como dormia no mesmo espaço da cozinha, separado apenas por um “biombo”, sentia desde cedo os aromas e os sons culinários.

Ao sair de casa para a Missa, eu ia já com os sentidos despertos e a curiosidade aguçada pelo que viria depois. E, por falar em missa, à porta da Igreja era vendida a regueifa, disponível em dois tamanhos: grande e pequena… tão simples fazer negócio.

Ao Domingo, a tradicional sopa de feijão (a única coisa mais parecida com mousse  que comi em criança) dava lugar à canja, ficando sempre um ovinho guardado para mim.

Quando a canja era de letras, divertia-me a tentar juntar o meu nome. Em dias mesmo especiais, os adultos bebiam um vinho diferente e o pequeno António Carlos até tinha direito a sumo, ou a uma sobremesa.

Mas o mais importante: o almoço de Domingo e o jantar de Sábado, eram as únicas refeições da semana que conseguíamos fazer todos juntos e sem pressas, vestidos com roupa “domingueira”, cheirosos e perfumados.

Era uma comunhão perfeita, naquele espaço tão apertado, onde nos acotovelávamos, sentados a uma mesa onde só cabiam os pratos e os copos. Durante aquela hora, a nossa exígua cozinha era uma sala de banquetes, a nossa “casa” um palácio. Uma família real.

E todo o Domingo era um ritual. A seguir ao almoço, o telejornal da tarde e as corridas de Fórmula 1, eventualmente, uma ida às Antas ou ao Campo da Bela Vista. O lanche relaxado, o Justiceiro ou o Macgyver, o Top Disco e o preparar de mais uma semana de luta.

“Anda dormir que amanhã já tens Escola…”

Mas, se nunca precisei que me acordassem, também nunca precisei que me enviassem para a cama.

Mas afinal, que instrumento você toca?

Março 26th, 2019

Fizeram-me esta pergunta no passado sábado à noite, quando apareci nos “Passos” de Estarreja, com um saxofone- tenor.

E, como me fazem essa pergunta recorrentemente, sinto que devo dar um esclarecimento.

Ora, eu gosto de Música. O instrumento é isso mesmo: instrumento. Ferramenta.

O meu professor de clarinete dizia-me que mais importante do que fazer de mim clarinetista, era fazer de mim Músico, para poder tocar qualquer instrumento.

Mas então…

Quando comecei a aprender Solfejo e Teoria na Sociedade Filarmónica de Crestuma, já sabia tocar órgão via auto-aprendizagem com a ajuda do livro “Órgão Mágico”.

A minha vontade era aprender clarinete, mas não havia clarinetes disponíveis na banda. Então disseram-me “se queres entrar já, já para a banda, pode ser em percussão.”

E eu: “’tá bem.”

2 anos mais tarde, aproveitei as bolsas de estudo da Câmara de Gaia no Conservatório mas, à época, não havia lá Classe de Percussão. Então, inscrevi-me em clarinete.

Mais tarde, quando a Teresa era maestrina dos “Bandamecos” (orquestra da escola de música da Banda da Foz) constatei que ela não tinha tenores e ofereci-me para aprender o instrumento e tocar.

E ela: “’tá bem.”

Então agarrei-me ao sax durante uma semana e fiquei apaixonado.

No meio de tudo isto, o meu instrumento favorito é trompa e o meu sonho é ainda vir a tocar fagote.

Mais esclarecidos?

CODEVI

Março 4th, 2019

Antes de vos explicar o título (para aqueles que não sabem o que esta sigla representa)…

O meu primeiro professor de Música, em boa verdade, terá sido o meu pai que me fez ouvir de tudo, mas de tudo mesmo, desde Pink Floyd a Marco Paulo. Aprendi a gostar de Música no berço e, no meu íntimo, sempre soube que ser músico seria uma questão de tempo, algo que só concretizei aos 14 anos.

Entre a infinidade de coisas que o meu pai ouvia, estavam as edições discográficas da CODEVI (Comunidade De Vida). Aliás, o meu pai participou no coro de dois desses discos.

Naquelas K7s que giraram uma infinidade de vezes no velho aparelho da nossa casa, eu ouvia as mesmas palavras que ouvia na Missa, mas com um ritmo e uma harmonia diferente, com guitarras, baterias, sintetizadores arrojados… Que fixe!

A “música de igreja” com uma roupagem avassaladora, moderna e que me fascinou desde sempre.

Ouvi as K7s vezes sem conta até romper as fitas. Decorei as letras, os solos instrumentais, as malhas, os “patterns” e os breaks da bateria.

Quando, anos mais tarde, me confiaram a direcção de um coro litúrgico, a primeira coisa que decidi foi: “finalmente vou tocar isto!”

Algumas partituras o meu pai tinha guardadas desde as gravações (finais dos anos 70, inícios de 80). Outras foram-me gentilmente cedidas pelo meu amigo José Fernando Ferreira, membro activo da CODEVI, produtor de alguns dos discos.

Ao longo de todo este tempo, tornei-me admirador do grande homem por trás daquele som: o Pe. Rocha Monteiro.

Nunca houve, nem haverá, alguém como ele.

Conheci-o há poucos anos. O Fernando tinha-me convidado para tocar nas Bodas de Prata dele. “O Padre Rocha vai lá estar”. Bolas… eu não cabia em mim. Ao mesmo tempo, morria de medo de meter algum “prego”… que vergonha… toquei o melhor que pude e sabia.

No fim, veio ter comigo. Eu queria dizer tanta coisa, mas só consegui dizer obrigado. Elogiou o meu trabalho e fez-me prometer que, se a Invicta Big Band voltasse a tocar em Lisboa, eu o convidaria para assistir.

Infelizmente, a IBB ainda não voltou a Lisboa e, recentemente, o Pe. Rocha deixou-nos.

Depois disso, ainda voltei a tocar “para ele” novamente. Agora mais confiante e descontraído, mas sempre emocionado.

Estou a falar no Pe. Rocha, mas podia falar no Rui Vilhena, no Carlos Rocha (com quem também já toquei), no António Ferreira (que grande compositor!!!), no António Campeã e em muitos outros nomes que, sem saberem, me ajudaram a crescer como músico, principalmente na complexa tarefa de louvar a Deus pela Música.

Na passada sexta-feira, enquanto rumava a Estarreja para mais um ensaio, pus no meu carro um CD da CODEVI. Viajei no tempo e no espaço, voltei a ser a criança fascinada e sonhadora, a brincar entre as saias da minha Mãe. Emocionei-me. Juro que chorei. Senti muitas saudades da minha Mãe que também punha as K7s muitas vezes; senti uma enorme gratidão ao meu Pai por ter feito de mim o que sou; senti saudades do Pe. Rocha; senti-me triste por não me ter despedido dele como devia ser.

Obrigado Pe. Rocha.
Obrigado a toda a CODEVI.

Continuarei a ouvir-vos.

 

 

 

“A Arte é o que nos eleva…

Fevereiro 26th, 2019

…e distingue dos animais.”

Esta frase, muitas vezes proferida pelo Maestro António Saiote, devia servir de reflexão para os tempos que vivemos, onde diversas formas de expressão, legítimas na liberdade de quem as produz, são classificadas como “Arte”.

Principalmente no que à Música diz respeito, chegamos a um ponto em que a busca pela irreverência, pela novidade, pela inovação sem objectivo e sem critério, ou com o objectivo único de chocar, tem dado à luz fenómenos que pouco, ou nada, têm de musicais ou artísticos.

Já não há canções, há “performances”; não há actuações, há “staging”. E a Música é atirada para um segundo plano.

Com o copo de gin na mão e o telemóvel na outra, uma pseudo-autodenominada-elite cultural tenta justificar o injustificável e atribuir um estatuto a algo que não o tem, nem nunca terá, porque lhe falta o fundamental: a qualidade.

Diz-se que algo é muito bom só porque é diferente, como se a diferença fosse sinónimo automático de qualidade. Não é.

Defendo veementemente que quando um músico, a solo ou em conjunto, sobe ao palco deve dar grande importância ao cenário que oferece ao público: a forma de vestir, a forma como entra e sai, a sua postura, a interacção, tudo deve ser pensado para orientar o ouvinte para… a Música. Por outras palavras, o jogo cénico criado deve ser o complemento para a Música, para a Palavra transmitida, para a História contada e nunca o contrário.

Fala-se muito, agora, de António Variações. António Variações fazia isso muito bem: genuinamente criativo e original, a sua irreverência, o “boneco” que criou, eram o veículo e a estrada para que as pessoas chegassem ao que realmente interessava: à sua Música e à mensagem que transmitia.

Por oposição, os fenómenos que ocorrem hoje em dia, socorrem-se das “personagens”, das roupas, dos cenários e demais “fogos de artifício”, não como complemento, mas para ocultarem a falta de talento e qualidade. Colocam o cenário no centro do cenário e a Música é atirada “lá para trás”.

A tal “elite”, nascida em plena era das redes sociais, sedenta do imediatismo e de “likes”, consome avidamente estes sub produtos sem questionar, sem reflectir, por moda, refém das “trends” e “hashtags”, sem ver que “o Rei vai nu”. E, se não gostas, és de imediato rotulado de ultrapassado, como se aquilo que é realmente bom tivesse prazo de validade. Antes pelo contrário: a Arte boa é Eterna! Ou a Capela Sistina, de repente, passou a ser feia?

Infelizmente, há cada vez mais “Reis que vão nus”, mas que nos são vendidos com luxuriosas vestes de criatividade, de “formas de expressão que não estão ao alcance de qualquer um”.

Dizem eles que temos que “abrir a nossa mente”. Por sua vez, eles têm que abrir os olhos… e os ouvidos… principalmente, os ouvidos.

 

O teu filho que me envie o C.V.

Fevereiro 20th, 2019

Foi com esta frase que se iniciou um dos mais curiosos processos de recrutamento em que estive envolvido. Tenho outros que poderei partilhar noutra altura, mas este vem a propósito da recente polémica com a remodelação governamental, que transformou o Executivo numa pequena coutada familiar.

Confesso que não percebo o espanto da populaça. “Então ela é filha do Ministro?”

E então? Não é esta a praxis em Juntas de Freguesia, Câmaras Municipais, Empresas Municipais e outras entidades públicas no nosso país? De onde vem o espanto?

Mas vamos à minha história.

Andava eu ainda a estudar (talvez no último ano do bacharelato) quando o meu pai chega a casa eufórico:

“Imprime o teu curriculum e dá-me, porque vou entregar ao Fulano A, que vai entregar ao Fulano B e vão-te arranjar um lugar na Câmara!”

Como sempre fui um idealista, a minha primeira resposta foi: “Mas eu não quero um tacho…”

Responde o meu pai, sempre pragmático: “Os outros não são mais que tu! Aproveita e está calado!”

Lá preparei o C.V. possível, atendendo a que a minha experiência era zero, imprimi para o meu pai entregar ao Fulano A.

Dias depois, o Fulano B liga-me para agendar uma entrevista, onde teria que convencer o Fulano B, o Fulano C e o Fulano D, do meu potencial para o cargo que procuravam, “mas tu tens mesmo o perfil ideal! é alguém como tu que procuramos!”

Entrevista agendada, dou por mim sozinho e nervoso na sala de espera. Nisto entra a Fulana E, que eu já conhecia de vista e, poucos minutos depois, Fulano F, que também conhecia de vista. No entanto, ambos se conheciam muito bem!

Beijinho, beijinho:

– Então, também por cá? – pergunta ela.

– É verdade! Mas isto é só uma formalidade, porque Fulano G já me disse que o cargo é meu, mas pronto… temos que vir a estas cenas.

E a Fulana E responde:

– Sim, é verdade. Eu também só cá vim porque tem que ser.

Na minha inocência pensei: “se assim é, isto também é uma mera formalidade para mim.”

Não era.

De facto, o cargo (ou cargos) disponíveis foram para a E e o F… eventualmente para mais alguém (dado que foi a época das vacas obesas), não para mim. Graças a Deus, porque hoje não devo favores a ninguém.

É verdade que, durante meses, o Fulano B até fugia quando me via mas, o que mais me chocou foi a falta de pudor daquelas duas personagens, E e F, altamente envolvidas na máquina partidária e que não tiveram o mínimo pejo em assumir a sua cunha e a fantochada daquele suposto processo de recrutamento.

Portanto, já não me chocam os “jobs for the boys, and the girls”.

Hoje em dia tenho um C.V. bem mais rico e, felizmente, sem marca de cunhas.

 

 

 

Onde está a pauta?

Fevereiro 8th, 2019

Aprendi a ler pautas musicais sozinho.

Fui lá pela lógica e com a ajuda dos livros “Órgão Mágico” e “Álbum Mágico”.

Quando ingressei na Escola de Música da Sociedade Filarmónica de Crestuma, com 13 anos, o solfejo (marcação de compasso, etc.) foi novidade, mas a leitura musical não. Por isso, logo na primeira aula galguei várias lições do 1º Livro de José Firmino e só parei, porque já me sentia embaraçado de ter toda a gente a olhar para mim.

 

Grande parte da minha formação musical foi assim, no meio das pautas, da teoria e dos cânones tradicionais, primeiro na banda, mais tarde no Conservatório.

Mas um belo dia…

“Ó António, vamos fazer um tributo ao Rui Veloso. Queres vir tocar piano e clarinete connosco?”

“Fogo… claro que quero! Eu adoro o Rui Veloso, pá!2

À época, já me safava muito bem a tocar piano por cifras, ou seja, sem pauta, apenas com a indicação da sucessão dos diversos acordes. Mas, o primeiro ensaio para esse concerto foi um choque. É que nem cifras havia.

“Vamos lá! Esta é em Fá sustenido! 1, 2, 3… vai!”

E o Pinheirinho a nadar.

Então… mas? Toda a gente a curtir e eu perdido com o teclado à frente, sem saber o que fazer.

“Então este gajo andou no Conservatório e o carago e não consegue tocar?”

Essa noite foi uma das mais importantes aulas de Música que tive na vida e o resto é história.

Como eu não podia forçar aquela gente a aprender solfejo, decidi eu aprender a tocar de ouvido.

O concerto seguinte era de tributo aos Beatles.

Levei uma estante e os papéis com as letras e pequenas indicações para saber em que nota começar determinada malha, ou solo.

Fizemos vários concertos com o projecto dos Beatles e nos últimos já não precisava de nada.

Continuo com muitas dificuldades em tocar de cor. Mas perdi o pedantismo de achar que sou melhor músico porque estudei. É melhor músico quem sente melhor.

Onde está a pauta?

Que se lixe!

 

 

Pffffff….

Fevereiro 6th, 2019

Pffff… é a interjeição que utilizo ao deparar-me com determinadas polémicas das redes sociais. A mais recente tem a ver com uma campanha publicitária de uma marca de cerveja, que eu desconhecia, mas que agora fiquei a conhecer.

Obrigado.

Não vou aqui reproduzir o que se tem passado com a Quinas. Vou contar uma história que aconteceu comigo, nos idos de 2007.

Ao departamento de marketing onde trabalhava foi lançado o seguinte desafio: criar uma campanha original que mostrasse de forma imediata que os nossos preços tinham baixado e que estavam mesmo baixos.

Começamos a trocar ideias em torno da palavra “baixo”. De baixo, passamos para abaixar e chegamos ao chão. Os preços estavam no chão. “Preços tão baixos que temos que nos abaixar para os apanhar!”

À volta disso, o Sérgio Duarte desenvolveu a imagem gráfica da campanha: um saco de compras no chão, entre as pernas de uma mulher, de saltos. Usamos um grafismo, nem sequer era uma foto.

Como fazíamos sempre, antes de colocarmos a campanha “no ar”, mostramos internamente a diversos departamentos da empresa. Toda a gente achou engraçado.

Então… siga! Ao fim do dia, lá ficou o nosso servidor a enviar a newsletter para mais de 200.000 endereços de email.

Na manhã seguinte, tinha uma resposta na minha caixa de email. Uma cliente de Coimbra escreveu uma longa dissertação sobre a campanha. Entre outras coisas, Aacusou-nos de sermos machistas, estarmos a incentivar a prostituição e por aí fora. Surreal.

A nossa reacção foi um misto de espanto e de riso. Como era possível, alguém olhar para um desenho de um saco de papel entre as pernas de uma mulher e dar-se ao trabalho de escrever tão longo texto, associando a imagem à misogenia, ao sexismo, à prostituição e a tantas outras coisas que em nada tinham a ver com o nosso objectivo?

Educadamente respondi, tentando esclarecer a senhora de todo o processo criativo e, é claro, mencionei que as mulheres da empresa tinham visto a campanha e que não tinham encontrado qualquer mal na mesma.

Para nosso novo espanto, nova resposta. Segundo a cliente, as mulheres não se opuseram por estarem oprimidas e coagidas pela entidade patronal. Mais acrescentou que a nossa postura era um incentivo à violência doméstica.

A minha segunda réplica foi mais curta e incisiva dizendo apenas que as conclusões que a cliente estava a retirar eram da sua exclusiva responsabilidade e que em nada tinham a ver com a nossa marca e com a nossa equipa.

Não valia a pena dar aso a mais debate.

12 anos depois, situações como esta são diárias. Na altura, achei apenas que a mulher era louca, mas na actualidade este género de indignações surgem por tudo e, principalmente, por nada.

Relaxem, divirtam-se e não levem a vida tão a sério. Nem tudo tem que ser uma questão, uma causa, uma luta. Nem tudo tem um “génio do mal” por trás. Apenas uma mente mais inocente do que a vossa…

Correu tão mal, que nem uma foto tenho

Maio 2nd, 2018

Há aquelas provas que, antes de as fazermos, achamos que não vão ter grande história. 21km é um treino normal de fim-de-semana, inscrevemo-nos naquela de treinar, porque se não houver nada que nos obrigue a sair da cama, por lá ficamos, tal é o cansaço e o desgaste da vida profissional e familiar.

Portanto, manhã de Abril, ‘bora lá fazer meia-maratona para esticar as pernas, ali em Matosinhos, entre a Ponte Móvel e o Cabo do Mundo. Para trás e para a frente.

O percurso convidava a ritmos elevados: à beira-mar, plano, maioritariamente em alcatrão… Mas, há sempre um “mas”… Retornos e mais retornos e retorninhos. Para trás e para a frente.

“Ó Pinheiro, mas tu até fazes provas em circuito!”. Pois… circuito é uma coisa, é andar às voltas. Na “meia” de Matosinhos a sensação é de não sair do sítio. Parece a mesma coisa, mas não é.

De qualquer modo, na minha arrogância, decidi arriscar o PB nesta prova. “Fogo… é sempre a direito…”, pensei.

E foi até aos 7km, onde começo a sentir o peso do calor e da falta de treino. Sim, o calor pesa e eu, que nem sou de exibir o cabedal, dei por mim a tirar a t-shirt e a correr em tronco nu. Ao calor juntaram-se cólicas e um mal estar generalizado. O corpo parou e a cabeça deixou de funcionar. Comecei a ser ultrapassado em barda. Iniciavam-se 3 penosos kilómetros. “Ok… hoje não é o meu dia, vou desistir…”

Ia eu perdido nestes nefastos pensamentos quando ouço “Ó António! Deixa-te de m*rd*as e corre!” Era o Ecthelion Da Fonte (alcunha facebookiana do Pedro) que vinha atrás de mim, segundo o próprio “prestes a falecer”. “Anda lá!” E eu lá fui.

Depois do abastecimento dos 10km e da Ponte Móvel, o meu corpo deu sinais de vida. Mas a cabeça perdia-se: “olha ali a meta… afinal não, tenho que ir mais à frente…” E, depois do Cabo do Mundo, quando eu achava que era sempre a direito, surge um dos retornos mais ridículos que já vi. Mas pronto… tem que ser, tem que ser.

O calor parecia ser cada vez mais insuportável e a meta cada vez mais longe. “Olha que lindo peitoral vem ali!”, ouvi umas senhoras gritarem à minha passagem. Afinal, o meu “cabedal” ainda fez algum sucesso. Na recta da meta, desfraldei a minha camisola e erguia-a bem alto. Afinal, “os símbolos que trazes no peito são mais importantes que o nome que trazes no dorsal…”

Por fim, nem uma foto de jeito. Um gajo já nem se pode gabar aos amigos.

E 2h11 para fazer uma meia-maratona… correu mesmo mal, António!

Siga para a próxima!

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.