António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

40 dias: ideias soltas de uma quarentena

Abril 22nd, 2020

A palavra “quarentena” remonta aos tempos da Peste Negra, durante a qual, os barcos teriam que permanecer isolados 40 dias, antes de alguém poder desembarcar.

Pela definição histórica da palavra, a minha terminaria hoje.

Sem sabermos quando terminará, sabemos apenas que já falta menos.

Voltando ao início… Do medo inicial, passamos ao entusiasmo. Eram os directos, as videochamadas em barda, os bolos, as actividades com os miúdos…

Do entusiasmo, ao conformismo. Quebrou-se uma rotina para criar outra nova rotina. Afinal, o país não parou e é preciso trabalhar. Aqueles que ainda o podem fazer…

Do conformismo, teremos que passar à aprendizagem de viver de forma diferente, quando pudermos voltar a sair à rua. E não falo no sentido romântico do termo. Falo no escrupuloso cumprimento de regras, do distanciamento, da higiene, de encararmos uma máscara como uma peça de vestuário essencial.

Se, numa primeira fase da Quarentena, muita coisa bonita foi sendo revelada (a solidariedade, as manifestações artísticas e de afecto…), os últimos dias têm apresentado vestígios da anterior (a)normalidade.

Na Páscoa reinou a “chico-espertice” dos que engendraram mil e um estratagemas para fintar os limites de circulação; com o Estado de Emergência, subitamente, as ruas foram inundadas de novos atletas, enquanto que aqueles que, de facto, estão habituados ao exercício físico, ficam a subir e a descer escadas nos seus prédios; no mesmo período, houve quem se divertisse a partilhar ósculos em crucifixos; às portas das superfícies comerciais abundam luvas e máscaras espalhadas pelo chão; a terminar, a Assembleia da República, faz tábua rasa de tudo isto que se passou nos últimos 40 dias e abrigando-se no “cumprimento das recomendações da DGS”, coloca a ideologia acima da Ética, da Moral e do Respeito por aqueles que a elegeram.

Um amigo médico, que está “na linha da frente” dizia-me há dias que o cenário no hospital onde trabalha está a melhorar, mas acrescentou “estou com medo do que se passou na Páscoa”.

Esta semana, numa reunião via skype com dois colegas de trabalho, comentava que, para mim, que sempre fugi a cumprimentos, beijinhos, abraços e apertos de mão, o distanciamento social até tinha a sua graça.

Lembro-me de um senhor amigo, já falecido, que sempre que falava comigo insistia em apertar-me o braço. Sempre me recusei a responder-lhe enquanto ele não me largasse e cheguei a ouvir “és um malcriado”.

“Sou, sim senhor.”

A verdade é que 40 dias é muito tempo. Foi quanto Cristo aguentou no deserto e a seguir mandou Satanás à fava.

O cansaço já se apodera de todos (vejam se os vossos grupos de WhatsApp e Messenger continuam tão activos como há um mês…).

Já não ficamos espantados com mais 30 mortos hoje, outros 30 amanhã…

As saudades daqueles que estão longe de nós dão lugar apenas a um vazio…

Daqui a 40 dias, voltamos a falar.

 

“Olha, Pai! Lembrei-me de ti…”

Abril 21st, 2020

Ontem à tarde, enquanto o Eduardo brincava, eu fazia scroll no Instagram e apareceu-me uma interessante publicação da página do Museu do FC: completavam-se 34 anos de um jogo histórico no Estádio das Antas, entre o FCP e o Sporting da Covilhã. Depois de estar a perder 1-2, o FCP ganhou 4-2 e sagrou-se, nesse jogo, Campeão Nacional.

Automaticamente, a minha mente viajou para essa tarde de Domingo, tinha eu 6 anos. Os carros a buzinar, as pessoas em festa e o meu pai a entrar eufórico em casa, de lágrimas nos olhos e a sorrir por todos os poros. Ele tinha ido ver o jogo. “Quando eles marcaram o segundo golo, o coração caiu-me aos pés!” Até hoje recordo essa frase. “Mas depois o Gomes… o Futre…” E ele não se calava, quase a descrever ao pormenor cada golo.

Eu era demasiado puto e ainda não percebia muito bem isto do futebol… Ficava contente quando o Porto ganhava e lixado quando perdia. E era isso. Mas a emoção do meu pai naquele momento, transbordou a minúscula casa onde vivíamos e fez-me perceber que havia ali algo mais (um ano depois, a 27 de Maio, então a casa quase que vinha mesmo abaixo..). A minha mãe acompanhava com o seu sorriso, feliz por ver o marido assim… a explodir.

A nossa vida, à época, não era fácil e o futebol trazia-nos estas pequenas, grandes, alegrias.

Então, fechei o Instagram e liguei para o meu pai. “Olha Pai, estava a ver uma coisa na Internet e lembrei-me de ti!”

Quase que o senti, de novo, a sorrir do outro lado. “Estava aqui no sofá quase a dormir… mas obrigado por teres ligado!” E aí sei que sorriu mesmo.

 

Cheiro de Primavera

Março 19th, 2020

Subi ao terraço pela manhã. Senti o cheiro de Primavera.

O cheiro das serras de Valongo, onde tanto gosto de correr, me perder e encontrar.

O cheiro das manhãs dos Domingos de Ramos e Páscoa.

O cheiro de ir para a escola com roupas mais leves e a cabeça nas férias.

O cheiro dos passeios no Parque, com o Eduardo e o Lucas.

Um cheiro único e irrepetível que volta todos os anos, mais cedo ou mais tarde. Mas volta.

É a Natureza a dizer que continua aqui, para nós, à nossa espera.

“Se um dia vier a peste…”

Março 15th, 2020

Toda a esta situação de crise que estamos a viver, fez-me recordar as palavras da minha avó Maria, sempre que eu fazia uma birra para comer:

“Se algum dia vier a guerra ou a peste, tu estás lixado!”

Não sei se era “lixado” que ela dizia, mas era o que queria dizer.

A minha avó viveu duas guerras, viu o meu avô definhar com Parkinson e, desde muito cedo, teve que criar as minhas tias (3) e o meu pai, sozinha.

Passou fome e, para ela, a pobreza, a dificuldade, a escassez, eram a banalidade.

Calculo que, se estivesse ainda connosco, não ia estranhar, não ia “panicar”, não ia ter medo. Iria rezar muito e fazer a vida dela determinada e sem medo, como sempre fez.

Desafiava os médicos, ficava escandalizada quando lhe punham restrições alimentares, queria sair, ir à missa, ou ao monte procurar lenha. Não parava quieta, contra todas as recomendações.

Seria, hoje, a sua maior dificuldade: perceber que tinha que ficar em casa, sem poder falar com as pessoas que encontrava na rua e que a saudavam respeitosamente.

A “peste” está aí e eu estou lixado de imensas formas.

Eu, que até sou caseirinho e a quem não custa nada ficar em clausura.

São os dilemas laborais, é a preocupação constante com a família, é ter o meu pai sozinho, é o facto de não saber quando vou voltar a ver o Lucas sem ser por vídeochamada, é a constante necessidade de manter o Eduardo confortável e responder à pergunta “porque não vamos à rua?”… é tanta, tanta coisa…

É o medo. Vamos admiti-lo para ser mais fácil lidar com ele: o medo.

Não é vergonha ter medo. É natural ter medo neste cenário.

Mas, talvez com algum gene perdido da Maria “Bendeira” (gostava de um dia perceber esta alcunha), continuo determinado e destemido. Fogo, não é o fim do Mundo, mas o Mundo vai ficar diferente.

Até podemos perder alguém de quem gostamos muito, mas não é assim sempre, com ou sem COVID?

Vá… vamos lá que isto vai passar. Depois, logo se vê como ficamos.

A zona de conforto

Março 4th, 2020

Há expressões que estão na moda e que, de tanto estarem na moda, agastam-me profundamente.

Uma delas é a “zona de conforto”. E então quando me dizem “tens que sair da tua zona de conforto”…. grrrrr….

Ó amigos… eu tenho 40 anos e ainda não encontrei “a” minha zona de conforto e, acreditem, quando a encontrar, não saio de lá! 

Mentira.

Felizmente, tenho diversas zonas de conforto. E verdade, verdadinha, quando lá estou, a última coisa que quero é sair.

Um passeio no parque com os meus filhos; os pequenos-almoços de domingo, com direito a “bolinho”; os palcos e coretos; correr montanha abaixo, sem travões, depois daquelas subidas que nos matam; uma boa “tainada” com os amigos.

Um conselho: se estiverem na vossa zona de conforto, não saiam de lá.

 

Não é bullying, dizem eles, é normal, dizem eles…

Março 2nd, 2020

Não é bullying… É normal…   

 

Nasci com vários “defeitos de fabrico”. Um deles faz com que os meus olhos pisquem repetida e aceleradamente quando algo se aproxima dos mesmos.

 

Estava dado o mote, quando o pessoal descobriu a minha “pirotecnia” ocular, vinham de propósito ter comigo, apontando as mãos em direcção dos meus olhos, à espera de os verem piscar. E chamavam outros… “anda aqui ver!”

 

Lindo. Não era esta a minha noção de ser estrela, ou popular.

 

Lembro-me deles todos. Podia aqui escrever os nomes.

 

Um, o que começou com a “brincadeira”, se me apanhava sozinho na rua, até atravessava de propósito para vir ter comigo. Não perdia uma oportunidade. Anda emigrado em França.

 

Alguns moravam na mesma rua, cresceram juntos e estavam habituados a atacar em bando. Sim, porque sozinhos eram tão covardes como eu.

 

Recordo-me de cada rosto, cada risada de gozo, cada insulto, cada humilhação. Não, não esqueci, nem perdoei. Nem, sequer, quero cruzar-me com eles de novo, apesar de a Vida já nos ter colocado no mesmo caminho.

 

Um deles passou por mim na Primark e ousou dizer-me “olá”, como se nunca tivesse infernizado as minhas viagens de autocarro de e para a escola, como se nunca tivesse tentado acertar-me com escarros daqueles verdes e bem gosmentos. Ontem vi-o de novo e a idade não lhe tirou o ar brutamontes e fanfarrão. 

 

Outro, teve a lata de vir ao meu Facebook dar-me os parabéns por ter completado uma ultra-maratona, como se não tivesse sido o distinto autor de uma alcunha que me acompanhou durante anos e que, ainda hoje, não compreendo. Uma alcunha, que se espalhou e chegou aos ouvidos dos meus pais.

 

Por causa desta gente, muitas vezes preferi ir embora da escola a caminhar até casa, em vez de apanhar o autocarro. Ou então, ir de pé, em vez de me sentar perto deles: eram os “cachaços”, os insultos, o gozo constante e a tentativa permanente de fazer os meus olhos piscarem. No fim, à saída, abriam os vidros do autocarro e começavam a mandar «visgas» na minha direcção.

 

Por causa destas “brincadeiras”, tinha medo de passar sozinho em certos locais.

 

Não é nada? É muito!

 

Felizmente, nunca fui alvo de violência física, propriamente dita. 

 

Muitas vezes faziam rodas à minha volta, todos com as mãos e dedos em riste, para fazerem os meus olhos piscar mas, fora um ou outro “cachaço”, nunca me tocaram.

 

Mas doía e ainda dói. Vê-los hoje em dia com família e filhos e pensar o que fariam se isto fosse com eles.

 

Há dias, cruzei-me nas redes sociais com um asqueroso texto que, resumidamente, normalizava o bullying. O(a) autor(a) dizia que aquilo a que hoje em dia se chama bullying sempre existiu e é normal mas que, antigamente, as crianças eram mais “rijas”, aguentavam na boa e, no fim, ficavam todos amigos. Segundo ele(a), as crianças de hoje em dia são umas “coninhas” que ao serem humilhadas, gozadas e agredidas, vão logo queixar-se… veja-se só o desplante… uma pessoa ficar chateada por alguém mais forte, mais velho, o que seja, dar-nos cabo da paciência. As alcunhas eram normais e inofensivas e, pasme-se, o pessoal até tinha orgulho nas alcunhas!

 

Não, não ficamos amigos. Não, não tinha orgulho na alcunha que nada tinha a ver comigo.

 

Não, eu não era rijo. Rijos são aqueles que hoje têm a coragem de falar com os pais e professores e contarem o que se passa. Os que não têm medo de serem “queixinhas”.Os que não têm medo do medo. Os que se respeitam.

 

O meu respeito a todos aqueles que não são como eu fui.

Até comi um gelado!

Março 1st, 2020

Sempre que passo junto à Estação de S. Bento, no Porto, sou assaltado por uma daquela memórias boas da infância, aquelas recordações doces, que nos fazem ter saudades da meninice e, o meu caso, muitas saudades da minha Mãe.

 

Há mais de 30 anos, Crestuma ficava muito longe do Porto. Os escassos 20km, que hoje em dia completamos em menos de meia-hora de carro, demoravam uma eternidade a percorrer de transportes públicos, principalmente quando a “carreira” ia pela “estrada velha”.

 

Por isso, “ir ao Porto” era uma aventura, um acontecimento até com direito a vestir a roupa domingueira.

 

Devia ter uns 4 ou 5 anos. Não me recordo de tudo, apenas da pequena sala de espera. Eu ia ao “doutor”, algo demasiado frequente nos meus primeiros anos.

 

Lembro-me de aquele desconhecido doutor me pedir para olhar para uma máquina, para ver se os meus olhos estavam bons. E estavam.

 

“Não temos carreira agora para ir embora, temos que esperar. Vamos comer, ‘que tu deves estar com fome.”

 

O Porto para mim, à época, era uma amálgama confusa de pessoas, carros e os trolleys que eu adorava.

 

No meio do turbilhão de sons, cores e imagens, lembro-me do rebuliço da Estação, gente de um lado para o outro e da máquina de assar frangos. A minha Mãe comprou um frango e sentou-me naquelas escadas voltadas para a Mouzinho da Silveira.

 

“Sentadinho. Quietinho!”

 

De seguida, pegou no meu lenço da mão, abriu-o sobre as minhas pernas e, aos poucos, ia lá pousando pedacinhos de frango para eu comer. Sentou-se ao meu lado e comeu também. No fim, deu-me um gelado, um “Flash Cola” (disso lembro-me perfeitamente!).

 

Não tenho ideia quanto demorou aquele momento sentado nas escadas a comer frango assado mas, para mim, é eterno. Mais de 35 anos depois, sempre que passo naquele local, recordo todos estes gestos e todo o carinho da D. Irene. Até tive direito a um gelado!

 

40km com a cabeça

Novembro 6th, 2019

Há um dizer popular, entre os corredores, que caracteriza de forma, mais ou menos, fiel o que se passa numa Maratona: 30km com as pernas, 10km com a cabeça, 2km com o coração e 195m com lágrimas nos olhos.

 

Para quem treinou mal, resume-se a 40km com a cabeça. Tudo o resto permanece, principalmente, os 195m de lágrimas nos olhos.

 

Por outro lado, o trajecto da Maratona do Porto obriga mesmo a um grande trabalho mental. Para além dos desgastantes retornos e da penosa ida ao Freixo, quem conhece a Cidade tem dificuldade em desligar da noção permanente do quanto falta para acabar.

 

Estar na marginal do Porto, a ver a marginal de Gaia, e pensar “tenho que ir ali e voltar…” coloca muito peso nas pernas.

 

Falo por mim, isto cansa. Acredito que a muitos colegas corredores tudo isto passe ao lado. Acredito também que este seja, eventualmente, o melhor trajecto possível. Mas, quem já fez maratonas “em círculo” sabe que há diferença.

 

Treinei pouco e treinei mal. Sabia que dificilmente andaria perto dos meus melhores tempos na distância (na casa das 4h30) e mesmo dos meus melhores tempos no Porto (na casa das 4h50). Sabia que a probabilidade de “encostar” era grande. Teria que pôr a cabeça a comandar muito bem as pernas. 

 

Nos primeiros metros, sem qualquer tipo de intenção, estava colado às “lebres” das 4h45. Estava-se bem ali, grupo animado, muitos estreantes na distância, um batoteiro (entretanto desclassificado) que cortou caminho e a meta, pouco acima das 3h de prova e os dois “pacers” com um ritmo incrivelmente certinho. Parabéns a ambos!

 

Estava-se bem ali. O rtimo era bom para mim e eu desfrutava da corrida. Ria e sorria. Até à zona do Porto de Leixões, onde me custou fazer a subida de forma tão lenta. Decidi ir para a frente e aguardar que o grupo me alcançasse de novo, para poder retomar o ritmo. Mas eu olhava para trás, não via as bandeirinhas e comecei a ficar cheio de pica. Erro crasso que me trouxe as primeiras dificuldades na zona da Alfândega. “Já?” 

 

A fanfarronice na corrida costuma dar maus resultados. Pelo caminho já tinha recebido o incentivo do Gonçalo, do Vitor e do Mário. Palavras, sorrisos, olhares que nos fazem correr mais.

 

É na Alfândega que recebo o incentivo do Bruno com a t-shirt da SiM Summit. Vinha à frente do grupo do Conde que literalmente voava por cima do alcatrão. Ia jurar que o Sérgio vinha ao lado dele, mais morto que vivo… não sei. O Conde fez 16º na geral, na sua primeira maratona.

 

O pessoal das 4h45 lá me apanhou na zona da Afurada e foram à vida deles. Não consegui vislumbrar ninguém do grupo inicial. Comecei a entrar na zona de maior sofrimento, que durou até ao retorno do Freixo. Pelo meio ainda deu para conversar com um estreante na Maratona do Porto (tinha feito 5h10 em Aveiro, mas já estava com câimbras), atender um telefonema da Teresa preocupada, dado que o live tracking estava a dar dados de 2018, e começar a planear como seria feito o resto da prova. Até ali tinha tudo controlado, em termos de tempo e esforço… mas a coisa começava a descambar rapidamente e eu até estudava o melhor sítio para desistir, para que a Teresa não tivesse muita maçada a ir buscar-me de carro.

 

Ainda em Gaia, uma gentil transeunte foi atropelada por um pequeno grupo de atletas. “A estrada é larga! Podiam ter-se arrumado!”. O passeio também era largo, mas é sempre mais radical passear num espaço onde está a decorrer uma prova desportiva.

 

“António, depois da ponte é para dar gás!”. Gritou-me um perfeito desconhecido que incentivava os corredores, tendo o cuidado de ler o nome dos dorsais. Uma das coisas que tem melhorado no público português desde que comecei a correr maratonas: as pessoas começam a perceber que é mais importante incentivar, do que reclamar pela estrada estar cortada ou o tradicional “se fossem masé trabalhar!”

 

Nos retornos da Afurada e do Freixo, ao olhar para quem vinha atrás de mim, apercebi-me que, afinal, eu nem estava assim tão mal. O Pedro gritou-me “Acredita!” e a Sandra dirigiu-me também palavras simpáticas que agora não recordo. 

 

Agora é sempre em frente. Corri sempre até doer. Quando doía caminhava. E caminhava até o corpo me impelir a correr de novo. 

 

A viagem entre o túnel da Ribeira e a Foz parecia a caminhada zombie da noite de S. João. A partir daí já se vê a meta e é um tirinho. O Luis Pires já vinha de bicicleta e gritou “Boa!”. A subida da Cicunvalação parece a Serra da Estrela e na última curva não contive as lágrimas que me acompanharam até ao fim. Tive que mandar arrumar o senhor da Rádio Festival que se meteu à minha frente. E a Inês, que estava nos pom-pons, ainda me deu um “high five”.

 

Depois da meta, percebi que o live tracking já funcionava, dado que a Teresa ligou de imediato. Eu não conseguia falar (eram lágrimas, mas vamos fingir que era apenas cansaço), mas conseguia ouvir o Eduardo “Papá! Tum tum tum! Papá! Tum tum tum!”

 

Fui dar um gole numa cerveja e duas de letra com o Morais e a Carmen. Estava feita a minha 10ª Maratona de estrada, com muita cabeça e muito coração. Quanto às pernas… quais pernas?

 

Já em casa, disse à Teresa que não voltaria a fazer a Maratona do Porto. Ela não aceitou a ideia e atirou “porque não?”

 

Porque não?…

 

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.