António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

24H Portugal: A Prova.

Setembro 18th, 2016

Quando uma edição das “24H Portugal” chega ao fim, costuma sobrar-me apenas uma palavra: nostalgia.

Porque esta prova é muito mais que mais um evento desportivo, mais uma corrida, numa época em que as corridas, por tudo e por nada, proliferam como cogumelos.

As “24H Portugal” são uma enorme celebração que, no fim, nos deixam no coração aquela sensação que temos ao ver o fogo de artifício que encerra uma romaria de Verão: foi muito bom e para o ano há mais.

As “24H Portugal” têm o imenso mérito de juntar e concentrar no mesmo espaço corredores de estrada, “trailers”, famílias, amigos, num ambiente de convívio, alegria permanente, que começa com a montagem das tendas e termina com abraços, sorrisos, lágrimas e um “até já”, que tanto pode ser um “até à próxima prova” como um “até p’ró ano”.

Hoje, quando dei por concluída a minha prova, enquanto me punha a medalha de participação ao pescoço, o Vitor Dias perguntou-me: “Gostaste da festa?” Reparem, que ele perguntou se gostei da festa, não da prova ou corrida.

E este fenómeno torna-se ainda mais extraordinário pela prova coincidir com o fim de semana da Meia-Maratona do Porto.

Estava lá “toda” a gente. Estavam os meus colegas de equipa do ano passado: a Paula Lage e o Zé Ferreira que não foram correr, mas foram incansáveis a apoiar o pessoal; e o António Morais, que o ano passado disse que as 24H eram uma experiência a não repetir, mas que este ano não largou a sua amada Carmen por um minuto. A Carmen que surpreendeu tudo e todos com uma prova extraordinária, chegando a liderar a classificação feminina. Classificação feminina que foi vencida pela Flor e levou a fenomenal Analice Silva (72 anos) ao 3º lugar do pódio. Entre elas ficou a polaca Agata “qualquer coisa”, que com aquele ar eslavo de quem não parte um prato, fartou-se de “tricotar”.

Estava o Echtelion da Fonte que me dava um grande empurrão psicológico sempre que passava por mim. Correu 50km e depois ficou por ali a ver o pessoal. Correu muito tempo com o Paulo Gomes. O Paulo Gomes deu 3 voltas comigo, já a noite estava fria. Entretanto parei para abastecer e o Paulo foi à vida dele.

E por falar em Paulo, estava o Rodrigues, o Massagista. “Na primeira volta parece que vou a puxar um camião… anda Pinheiro!”

Esteve lá o Mário Meneses e o Marcos Soares.

Esteve a Retorta. Já se sabe que a sua capacidade de trabalho só tem paralelo no seu sentido de humor e boa disposição. Por isso, aguentaram estoicamente os queixumes dos atletas mais caprichosos “as bananas estão verdes, a água está quente, onde está o meu copo?” E iam metendo conversa. Assim até custa menos.

E mesmo quando já tens bolhas nos pés, que ardem como o inferno, o Morais surge de trás de uma tenda e diz “acordaste forte!” e tu até aceleras… tolo!

O Vitor Dias, como na primeira edição, fez questão de me por a medalha ao pescoço. Um gesto com muito significado para mim… muito mesmo. E esteve a sua família. A Ana fez um ar incrédulo quando eu lhe disse que, apesar das bolhas, ia fazer mais uma volta. O Gonçalo preocupado com a minha sanidade mental por, de vez em quando, passar o CD dos D.A.M.A. e o Franciso a achar que eu ia desfalecer ao ouvir a versão samba do “Otherside” dos Red Hot.

E o Meixedo, que leva sempre o seu sentido de humor, tranquilidade e pragmatismo, fazendo com que tudo pareça simples.

À distância estiveram amigos que iam mandando mensagens e comentando as publicações no Facebook. Esteve, claro, a D. Prazeres Pires. Aquele telefonema à hora do jantar fez-me imensamente bem.

E esteve o meu staff de apoio! Sim… eu tive staff!

A minha adorável e incansável esposa, Teresa Sala, teve a capacidade de reunir e liderar uma equipa que me preparou uma tenda, tratou dos meus equipamentos (sim, Marta Bento, quem corre cheira mal) e, acima de tudo, fez-me sentir bem e ignorar as dores e mazelas que iam surgindo. Susana Guerreiro, para o ano também corres.

Oh… haveria muito mais a dizer destas 24H, mas as palavras quedam-se por aqui. Sinto que me esqueci de alguém, mas para o ano lá estaremos. Foi uma festa bonita, sim senhor.

Jogos Olímpicos: o que Portugal precisa de aprender sobre Desporto

Agosto 21st, 2016

1988.

Pela primeira vez na minha curta vida (tinha 8 anos) assistia a uns Jogos Olímpicos.

Assistia religiosamente. Todas as manhãs, em frente à TV (ainda a preto e branco) esperava que aparecesse uma bandeira portuguesa. Não, não estou a falar nas cerimónias de entrega de medalhas. Para mim, seria mais que suficiente ver portugueses competir… competir! Eu queria lá saber se ganhavam ou não… Queria era ver Portugal no meio de tantos países. Mas nada..

Para quem não se lembra, naquela altura, íamos aos JO com “meia-dúzia” de atletas. Em 1988 tivemos apenas o José Garcia na canoagem. Tínhamos o Alexandre Yokochi na natação e alguns corredores de fundo e meio-fundo no atletismo, dos quais se destacou a Rosa Mota ao ganhar a medalha de ouro na Maratona (numa altura em que os países africanos, nomeadamente o Quénia, ainda não tinham “aprendido” a correr).

Lembro-me de termos ficado tristes pelos gémeos Castro e pelo José Regalo terem falhado as medalhas por um “bocadinho assim”. O mesmo “bocadinho assim” que, em 2016, travou a canoa do Fernando Pimenta, ou representou os 10 segundos entre os nossos atletas de triatlo e o pódio.

E milésimos. Milésimos de segundo que ficaram entre o K2 português e a medalha de bronze.

Mas voltemos a 1988. Horas e horas em frente à TV e a bandeirinha portuguesa teimava a não aparecer nas starting lists.

1992.

Barcelona aqui ao lado. Desta vez, a comitiva pareceu maior (também eu já era mais crescido). Mas medalhas: zero! Zero!

E agora?

2016.

Finalmente a bandeirinha portuguesa estava por todo o lado, em modalidades que em Portugal ainda são “amadoras”. De tal forma que a bandeirinha chegou a várias finais e a milésimos dos pódios. A bandeirinha portuguesa foi a melhor da Europa em disciplinas técnicas do atletismo, algo impensável nos anos 90, ou nos anos 80 que tantos saudosistas gostam de recordar.

A bandeirinha andou por lá, no ténis de mesa, na vela e até no hipismo! Na canoagem de slalom a disputar a final! Carago, isto não vos enche as medidas? Pela primeira vez tivemos um atleta nesta modalidade (tão difícil de treinar em Portugal) e ele apura-se logo para a final!

Estamos todos loucos com a conquista do Europeu pelo Futebol. Uau… sabem quantos títulos europeus já nos deram o atletismo, a canoagem, o judo e até o Ténis de Mesa?

E agora pensem: quantos anos foi preciso para, finalmente, termos um título europeu no futebol?

Sabem quantas medalhas internacionais tem o tão criticado Fernando Pimenta? 67. 67!

Aos críticos dos atletas olímpicos portugueses deixo uma pergunta:

  • Vocês são um dos 3 melhores do mundo na vossa profissão?

Não? Então, pelo vosso próprio critério aplicado aos desportistas, tenho uma coisa a dizer: vocês são uma vergonha e uma desilusão. Andam apenas a passear nos vossos empregos.

Durante 4 anos, ninguém quer saber dos atletas olímpicos. Mas, de 4 em 4 anos, estão todos de dedo em riste a criticar.

Em Portugal, não gostamos de Desporto. Gostamos de Futebol.

Quando somos crianças, ensinam-nos que “perder ou ganhar” é Desporto. Pois… mas quando perdemos: “vergonha”, “fiasco”, “desilusão…”

Pela lógica de muitos comentadores e comentaristas, em cada modalidade olímpica só deveriam concorrer 3 países, um para cada medalha, porque não faz sentido ficar em 4º, em 5º, ou em 100º. “Se não for para ganhar, fiquem em casa.”, li eu, hoje, algures no Facebook.

Em 2020, estarei novamente à procura da bandeirinha portuguesa.

 

Analfabetos que sabem ler e escrever

Julho 8th, 2016
Em Portugal há muitos analfabetos que sabem ler e escrever.
 
A prova disso é a quantidade absurda de pessoas que ainda não percebeu que a página Dr. Jovem Conservador de Direita é uma página de humor, pautada pela ironia e pelo sarcasmo, levando a sério tudo o que lá é escrito pela personagem (sim, personagem!) Dr. Jovem Conservador de Direita.
 
E isto acontece em muitas outras situações. As pessoas lêem mas não compreendem.
 
Isto é o reflexo do imediatismo da sociedade em que vivemos, em que simplesmente deixamos de pensar. Vemos, absorvemos, consumimos, expelimos.
 
Não se estimula a reflexão, o espírito crítico o debate, a discussão, a argumentação. Tudo tem que ser unânime, consensual, directo.
 
Até no futebol, se ousamos criticar (mesmo que fundamentadamente) o nosso clube ou a selecção nacional, levamos logo com um monte de indignados em cima.
 
Quantas vezes, nas nossas vidas, ao expressarmos uma opinião divergente do nosso interlocutor, obtemos de imediato uma reacção violenta e disparatada, quando o ideal seria a contra-argumentação?
 
As pessoas encaram o confronto de ideias como um confronto pessoal. “Se não concordas comigo, é porque não gostas de mim.”
Não. É possível discordarmos e sermos amigos, namorados, casados, família. É possível e é normal. Deveria ser normal.
E por isso as redes sociais estão cheias de disparate.
E isto acontece também porque não se valoriza a leitura, o conhecimento, o saber. “Lá estás tu armado em sabichão.” “Ópera? Mais vale ouvir kizomba!”
Mesmo na Internet, partilhamos as notícias mais infundadas sem sequer termos a certeza da sua proveniência. Quantas vezes morreu o Camilo de Oliveira, antes de efectivamente ter morrido?
E assim vamos definhando, cada vez mais analfabetos, mesmo sabendo ler e escrever, porque não entendemos aquilo que lemos, nem sabemos aquilo que escrevemos.

UTSF 2016: Um “Finisher” que não devia ter sido

Junho 27th, 2016

Haveria muitas maneiras de começar esta história. Dei muitas voltas à cabeça. Mas, há pouco, deparei-me com um comentário do Pedro Machado que me tirou as dúvidas e, aqui vai:

  • o meu prémio de “Finisher” do Ultra Trail Serra da Freita 2016 vai inteirinho para a minha esposa: Teresa Sala.

Para perceberem o que é a “Freita”, recomendo a leitura do texto do Rui Pinho Os Filhos da Freita. Vão lá espreitar e, só depois, venham ler isto.

Quando, em 2015, conclui esta prova, senti-me capaz de fazer qualquer coisa. Tinha superado aquela que é a prova Rainha e Mãe do Trail Nacional. Uma prova “extreme, para atletas de elite”, como define o seu grande mentor, José Moutinho.

Era certo que voltaria, porque a Freita é hipnótica e é impossível ficarmos longe. Tudo chama por nós, mesmo o sofrimento.

Talvez pela experiência do ano passado e pela “memória” que o meu corpo tinha daqueles trilhos, ultrapassei os primeiros 33km sem grandes dificuldades. O meu ego inchava. Recebi um abraço do Moutinho ainda antes dos 9km e palavras de incentivo do João Oliveira (sim! desse João Oliveira…) que me chamou “campeão” (lol!). Entrei na “Besta” à confiança, ultrapassando-a em menos de 1h (ou estou a ver mal o gráfico?), sem parar, sem as dores e as câimbras do ano passado. Cheguei ao topo e ainda tive tempo e boa disposição para pegar com o Luis Pereira, grande arquitecto dos Trilhos do Paleozóico.

As coisas corriam de feição e deslarguei-me pela descida que se seguiu, saltando alegremente de pedra em pedra.

No abastecimento de Manhouce lá estava a Carmen a cortar tomates. Passou a manhã a cortar tomates. Devia ter ficado aqui mais um pouco. Devia ter comido um pouco melhor. Mas eu queria correr dali para fora, porque a seguir viria a zona de SPA.

Viria. No trajecto de 2015, foi nesta zona que eu e o Ricardo Monteiro nos deliciamos com os riachos da Freita. Mas, para 2016, o Moutinho tinha reservado uma subida… uma longa subida, quase 3km, onde por pouco levei com a “marreta” (essa, viria mais tarde).

Na descida recuperei o fôlego e o ânimo. O Jerome (vencedor da prova de 100km… que animal!) passa por mim a voar, enquanto eu pensava em que calhau punha os pés.

Finalmente o SPA! Acreditei, na minha inocência, que as frescas águas seriam o bálsamo suficiente para chegar à Lomba, que era já mesmo ali, e desfrutar do abastecimento quente: canja, bifanas e as famosas minis.

Não. Haveria mais que descer. E tudo o que desce tem que subir. Vimos a Lomba passar ao lado e aquela interminável descida não augurava nada de bom.

Tudo o que desce tem que subir. Eram as Escadas do Martírio, que eu baptizei como a Besta 2.

Tive que parar várias vezes, derrotado, desanimado. “Vou desistir na Lomba.”

Estava farto daquilo. Não queria mais. Era “moutinhada” a mais para mim. O Carlos Sá diz que anda à procura dos limites dele. Eu encontrei os meus ali, naquela escadaria maldita.

Ia desistir na Freita. Não é vergonha nenhuma. Como também já li hoje, na Freita “não há desistentes, há aqueles que chegam mais longe.”

No abastecimento, enquanto comia e pensava na melhor forma de dizer à Teresa “vou desistir”, toda a gente tentava animar-me: voluntários, vassouras, malta que andava por ali… “Desistir? Agora? Está quase!”

Quase??? Faltavam 22km! Quase…

Peguei no telefone e liguei para a Teresa.

“Vou desistir, não aguento mais.”
Resposta: “Mas porque não tentas?”

E nisto o coro de apoiantes repete: “Não desistes nada!”

E eu feito burro, não desisti.

A partir dali, foi um martírio. Foram poucos os momentos em que consegui correr e, nos 5km finais, já nem caminhava. Acho que os zombies do Walking Dead têm mais destreza de movimentos que eu tive naquela altura.

Chegada a Arouca. Havia gente. Ouvi aplausos. A Teresa e a Mãe estavam lá a sorrir. Bolas… Ouço uma voz que diz “esta já ninguém te tira”. Começo a chorar e penso “esta é aquela que eu não queria ter”. Entrei no Pavilhão a correr, porque… sei lá. Mas senti-me derrotado no pórtico da meta. Assim não.

Valeu naquela altura e extrema simpatia dos voluntários que estavam na meta e a forma efusiva como me deram a medalha, o prémio de “finisher” e me tiraram fotografias. Valeram as palavras do Paulo Rodrigues (muito e muito obrigado!).

Mas valeu sobretudo pela presença única da pessoa que merece a medalha, merece o prémio e todas as honras. Depois da prova, já em casa, ainda teve a paciência para me tratar das várias feridas espalhadas pelo corpo, mas sobretudo na alma.

Que grande mulher eu tenho do meu lado…

“Isto era escusado…”

Voltarei à Freita? Sem dúvida, nem que seja para fazer o trail curto, a caminhada, ou como voluntário para estar num abastecimento a dar força ao pessoal. Talvez tente outra vez os 65… não há duas sem três…

É hipnótico. Não conseguimos abandoná-la.

Obrigado a todos os que de uma forma ou outra me apoiaram nesta aventura. Para além dos já mencionados, acrescento: Prazeres Pires, Sérgio Duarte, Barras Olimpo, Duas Faces Comunicação, José Ferreira, Mário Meneses, Rui Pinho, António Morais, Liliana Gomes, Raquel Campos, Pedro Machado, Sofia Ferreira e a todos os atletas que, ao longo dos 65km foram partilhando alguns kilometros comigo.

Até à próxima!

Trail da Raposa – 2016

Maio 31st, 2016

Não sei porque chamaram “da Raposa” a este trail. Na cultura popular, a raposa é o animal que ronda as quintas, com astúcia e matreirice para atacar animais de pequeno porte, como galinhas e coelhos.

À quantidade propriedades rurais e campos de cultivo que o Trail da Raposa 2016 contornou e, até, atravessou, o nome faz sentido.

Mas esta edição da prova que luta por se afirmar em Paredes fica marcada negativamente.

Aquando da primeira edição, fiquei com pena de não ter participado tantos foram os comentários positivos de colegas meus que fizeram a prova.

Daí, em 2015 ter arriscado na distância mais longa: ao início das inscrições 37km, a poucos dias da prova 43km e, no dia, quase 47 km.

(ver artigo completo sobre a edição do ano passado: https://www.antonio-pinheiro.net/a-ultra-da-raposa/)

No final da edição transacta esta determinado em não voltar à Raposa. No entanto, com a inclusão da Sky Marathon e com excelente comunicação que a prova tem, acreditei que os pontos negativos de 2015 se esbatessem e decidi inscrever-me na distância de 33km.

Por que é isso que todos nós esperamos na vida: evolução.

Mas não foi o que aconteceu. Com escassos 2-3 km de prova (não tinha a noção, dado que me esqueci de desligar o relógio no comboio… “why?”) os atletas da Ultra e do Trail Longo são enfiados num single track extremamente técnico, o que provocou um engarrafamento de fazer inveja à VCI num dia de acidente e chuva intensa. 1h. 1h parados sem conseguirmos dar um passo, enquanto víamos os atletas da frente subirem uma escarpa através de uma corda.

Ok… Trail é desafio e dificuldade mas seria aquilo necessário? Falei com pessoas que costumam fazer escalada nessa zona e que me confidenciaram que foi de uma total imprudência colocar esse obstáculo numa prova de Trail. Atenção! Foram especialistas em escalada que o disseram.

Não motivação que resista a 1h de paragem forçada.

Vários atletas começaram a voltar para trás, com o objectivo ou de desistir ou fazer a prova de 20km (que a poucos dias da prova passou a ser de 24km e que no dia revelou ter 26/27km).

Decidi fazer o mesmo, totalmente desanimado e revoltado. Felizmente, o trilho dos 33km encontrava-se ali perto. No entanto, já não era a mesma coisa. O primeiro abastecimento tinha ficado para trás. Não tinha noção nenhuma de quantos km tinha feito, ou faltavam. Isto porque raramente se encontrava alguém da organização e as poucas pessoas que víamos pareciam mais perdidas que nós.

Percebi que a coisa estava mesmo negra quando, a 10km da meta (supostamente), começo a ultrapassar atletas das provas mais curtas. Como era possível, com 5h de prova, tanta gente ainda ali estar?

Um caos.

Houve quem tivesse que beber água a saber a terra vinda de uma mangueira. Houve quem se perdesse ou até recebesse informações erradas de voluntários.

A entrega de dorsais foi das mais caóticas e desorganizadas a que já assisti.

Valeu pelo enorme desafio mental e pelas boas sensações físicas que o meu corpo transmitiu. Valeu pelo incentivo do Sérgio e do Merino logo no início.

Valeu por acabar por ser um bom treino para a Freita.

Valeu por ter a minha Teresa na meta à espera. Aliás, se conclui a prova foi por ela, porque ela merecia que eu cortasse a meta.

Agora, definitivamente, Raposa nunca mais!

Uma palavra final para os meus colegas de equipa Team Duas Faces. Parabéns a todos pelas suas prestações:

  • Nuno Sobral – 33km – 191º (108º escalão) – 6h00m52s
  • António Pinheiro – 33km – 201º (113º escalão) – 6h06m25s
  • Marco Ferreira – 24km – 15º (9º escalão) – 2h40m01s
  • Tiago Santos – 24km – 18º (12º escalão) – 2h41m15s
  • Sílvia Teixeira – 24km – 683º (89º escalão) – 5h02m14s
  • Prazeres Pires – 24km – 803º (57º escalão) – 5h24m23s

O Marco, o Tiago, a Sílvia e a Prazeres garantiram um 27º lugar por equipas ao Team Duas Faces.

Ultra Trilhos dos Abutres 2016

Janeiro 31st, 2016

Quando comecei a correr, ficava fascinado com os relatos que me chegavam das primeiras edições dos “Abutres”. Apesar da atracção que sentia pela prova, pelo que via em fotos ou vídeo e ouvia de viva voz dos participantes, nunca tive disponibilidade para participar na mesma.

Contudo, este ano, quase por milagre, consegui uma inscrição e arrisquei à distância mais longa. “Ah e tal… quem faz a Freita faz os Abutres!” e lá fui eu, achando que, mais coisa menos coisa, a prova chegava ao fim, sendo este o meu primeiro grande objectivo de 2016 (daqueles objectivos que não conto a ninguém, ou quase ninguém, e só revelo no fim do ano).

A irrepreensível organização colocou duas barreiras horárias: uma aos 29km (6 horas), outra aos 42km (9 horas).

Cedo, a primeira barreira horárias tornou-se, para mim, barreira psicológica. A partir do primeiro abastecimento, onde vi as primeiras desistências, sentia o relógio avançar mais do que as pernas. As subidas eram íngremes e as descidas muito técnicas, sendo poucos os troços onde se podia, verdadeiramente, correr.

Apercebi-me nessa fase que os Abutres não são para qualquer um e que esta prova não era para mim. A exigência do traçado requer treino e uma preparação cuidadosa, algo que não tem abundado por estes lados.

Comecei a sentir que iria ficar retido na primeira barreira e a desanimar bastante. Sabia de antemão que ia ser difícil chegar ao fim, mas fazer pouco mais que meia prova era pouco…

Apesar de triste e derrotado, decidi que, pelo menos, ia tentar, nem que fosse por um minuto, passar a malfadada barreira.

E às 5h52 de prova, 8 minutos antes do barramento, eu passei! Senti-me como se tivesse ganho a corrida. Comi duas sopas, aproveitei para descansar e arranquei do posto de abastecimento com os vassouras atrás de mim.

A partir daqui foi gerir o tempo e o esforço até à barreira seguinte, mais acessível e à qual cheguei confortavelmente (com meia hora de antecipação).

Anoiteceu e, quando eu pensava que já não havia mais nada que me fizesse soltar palavrões e mal dizer a minha vida, aparece um kilometro de lama, lama e mais lama. A sério? Eu já tinha ouvido falar da lama dos Abutres e até já apanhei muita lama nos trails, mas aquilo era de mais. Cheguei a estar enterrado na lama até aos joelhos sem me conseguir mexer.

Passa esta última tormenta e sentindo novamente os pés em solo firme, foi correr até à meta na qual entrei com 11h49, a festejar como se tivesse marcado um golo na final da Champions League!

E, neste ponto, tenho que realçar o papel da Organização. Para além de todo  o apoio durante a prova, esperam pelo fim da mesma, até ao último atleta. E celebram a chegada dos últimos como se fôssemos os primeiros, com aplausos, sorrisos e muito apoio! Obrigado, malta! Tive direito a entrevista e tudo (apesar de não conseguir dizer nada de jeito). Isto, em contraponto com provas em que começam a desmontar a meta antes dos últimos atletas chegarem, é de realçar.

E estava lá a minha Teresa, pacientemente, mais uma vez, com o melhor sorriso do Mundo.

Resumindo:
– se puder, voltarei aos Abutres, mas na prova mais curta. Ou então terei que treinar mais e melhor. Definitivamente, os Abutres não são para todos.
– é uma prova que se recomenda vivamente e cujo sucesso é plenamente justificado. A Organização é irrepreensível, a Serra da Lousã é lindíssima, os trilhos são únicos e há muito para ver nas redondezas. O Parque Biológico de Miranda do Corvo é uma preciosidade.
– numa altura em que proliferam provas de Trail, muitas com graves falhas organizativas, é bom constatar o esforço que a Organização dos Abutres fez para que nada falhasse e no profissionalismo que entregou ao evento, incluindo a parceria com a empresa de comunicação “Duas Faces”, para o desenvolvimento do Marketing da prova.

A Ultra Rainha

Junho 28th, 2015

É difícil adjectivar de forma sucinta o Ultra Trail Serra da Freita. Freita, apenas, para os trailers.

Escolhi “Rainha” pois é assim que a Serra se apresenta: Majestosa, Indomável, Impenetrável, Bela, Sedutora, Misteriosa…

Para quem vai pela primeira vez, não faltam relatos, histórias, fotografias, vídeos que avisam: “Não faças isso!”

Na verdade, tudo o que se sabe da Freita leva a que qualquer pessoa racional não se inscreva na prova. No entanto, os trailers não são pessoas normais, muito menos, racionais.

No meu caso, já tinha feito por duas vezes a prova curta e tinha uma vaga noção do que me esperava ao longo de 65km, pelas histórias de amigos e companheiros de corrida. E o cenário não era agradável.

Mesmo assim, após terminar o Ultra Trail do Paleozóico, decidi inscrever-me. O objectivo? O de sempre: chegar ao fim, feliz e realizado por mais um momento de superação.

E às 7h da manhã lá fomos. As duas distâncias mais longas (65km e 100km) partiram em conjunto.

Logo no início as sensações foram boas. Nos primeiros 10km, sempre a subir, o meu corpo reagiu bem, o que me fez sentir mais seguro e confiante. Confiança que aumenta quando encontro o Mestre Carlos Natividade e puxar por nós junto ao primeiro abastecimento.

Neste ponto, vejo um colega de corrida a “roubar” o telemóvel à mulher que o esperava e quase gritar: “Um beijo, mamã! Amo-te muito!” e devolveu o aparelho à mulher que continuou a chamada: “Minha sogra, ele está bem, 10km já estão feitos!”

Esta cena teve tanto de cómica como de emocionante. E eu desatei a correr.

No segundo abastecimento, lá estava novamente o Natividade: “Força, António! Hidratar bem e comer bem!” (como se fosse preciso mandar-me comer…)

Lá estava também o Grão-Mestre José Moutinho, pai do Trail em Portugal, grande Arquitecto da Freita. Alertava os atletas para a Besta que se aproximava, recomendava calma a todos e ainda disparava uns “piropos” para o pessoal dos 100km: “Se querem entrar na Elite, têm que enfrentar uma prova de Elite.”

Então, o que é a Besta?

Não adianta tentar descrever. Eu já tinha visto fotos, filmes e ouvido descrições em viva voz. Mas só lá estando é que sabemos o que é a Besta. Ora, imaginem uma infinidade de pedras sobrepostas, ao longo de uma subida com 1km de extensão, a qual temos que fazer praticamente de gatas e que eu demorei 1h12m a vencer. Pronto… é isso.

Ultrapassada a Besta, estavam feitos 30km. Quase meia prova. Era descer até Manhouce onde me esperava mais uma simpática equipa, onde pontificavam o Luís Pereira (Arquitecto do Paleozóico) e a Carmen Santos Lima.

Ao longo da descida, conheci 3 companheiros de prova: o “Colega de Lisboa”, o “Colega do Porto que trabalha em Beja” e o “Colega Enfermeiro”. Infelizmente, não lhes fixei os nomes, mas formamos uma boa equipa. Decidimos não forçar a barra, dado o calor que já era imenso e lá fomos partilhando histórias.

No abastecimento, os voluntários foram inexcedíveis. Para além de se oferecerem para nos encherem os reservatórios de água e darem todo o apoio que precisávamos, ainda nos deram dicas sobre o trajecto que se seguia e preciosas palavras de motivação. “Vai com calma, António. Está muito calor.”, disse-me a Carmen. E eu arranquei, deixando ainda os 3 colegas para trás. Logo no fundo da rua havia um rio. Não hesitei e enfiei-me lá dentro, com água quase até à cintura. Entretanto, sou apanhado pelo “Colega de Lisboa” e fomos juntos até outra zona do rio, onde se formava um pequeno lago. Sentados com os músculos de molho, vimos juntar-se a nós o “Colega do Porto que trabalha em Beja”. Ali ficamos uns bons minutos. E esta história foi-se repetindo a cada novo curso de água, tão reconfortante para as elevadas temperaturas que os nossos músculos e articulações atingiam. Aos poucos, foi-se juntando a nós uma personagem mítica da corrida em Portugal: Joaquim Adelino, com os seus 67 anos, lutava para, pela primeira vez na vida, concluir a Freita.

Chegamos ao tão ansiado abastecimento das bifanas, das minis e da canja. Aqui ficamos a saber que o “Colega Enfermeiro” tinha desistido. Voltamos a encontrar o Luís Pereira e fomos informados que íamos enfrentar 9km totalmente desprovidos de sombra e de subida permanente.

À medida que os kilómetros se iam sucedendo o “Lisboa” e o “Beja” iam ganhando terreno, enquanto eu ia fazendo parelha com o Adelino. A dureza e extensão da subida eram proporcionais à beleza da paisagem. Éramos pequenos pontos coloridos no verde da Serra que parecia absorver-nos com toda a sua Majestade.

É então que surgem duas novas personagens nesta História. Com o “Lisboa” e o “Beja” já lançados, encontramos o Pedro e o Joel. Seguimos juntos até ao final da subida, mas na descida para a Castanheira o Joel ganhou vantagem. Segui com o Pedro e o Adelino até à Mizarela onde eles ficaram a repousar mais um pouco e eu continuei até ao Parque de Campismo do Merujal, onde estava o último abastecimento: 53km. Nesta altura já tínhamos sido ultrapassados pelos dois primeiros da Elite.

Entretanto, o meu relógio ficou sem bateria e comecei a navegar “à vista”.

No PAC, o Joel esperava por nós. Era altura de tirar o chapéu e colocar a luz frontal. Anoitecia e começava a ficar frio. Por isso, arranquei na frente. Perto da interminável descida para a meta, o Joel alcançou-me e nunca mais o vi, a não ser no final.

Sentia o desafio ganho. Estava ansioso por falar com a Teresa e dizer-lhe como estava bem, mas rede de telemóvel… népia.

Nalguns momentos da descida corri como um louco, mesmo sentindo os dedos dos pés em ferida, mesmo estando perto do limite das minhas forças. Só não corria quando o piso não o permitia.

Entrei no Pavilhão tão desnorteado que até tive que perguntar onde era a meta!

O meu coração saltava, mas desta vez não era do esforço. Aquela “volta de honra” debaixo de palmas, soube-me como ganhar a Maratona Olímpica.

No palco da meta lá estava novamente o Luís Pereira, a Flor Madureira e mais gente a aplaudir e a tirar fotografias. Ao fundo, a Teresa sorria, com aquele sorriso que só ela tem e dizia ao meu pai pelo telefone: ele chegou agora!

Bolas, naquele momento eu queria saltar, rir, chorar, rebolar… sei lá! Mas só consegui fitar o olhar na sapatilha cheia de sangue… e no sorriso da Teresa.

 

A Ultra da Raposa

Junho 1st, 2015

Quando me inscrevi no Trail da Raposa, estava longe de imaginar o que iria passar nas serras de Paredes. Os 37km anunciados inicialmente, passaram para 42km por alturas da abertura das inscrições. A duas semanas da prova passaram para 43km. Sem stress. Gosto destes desafios e a distância mais longa do evento estava transformada em “ultra”, algo que fica sempre bem no CV de um atleta de pelotão.

Mas, ao fim de 10h de prova, de acordo com o meu relógio, eu completei 46,6km. Um bocadinho mais…

E o que se passou durante esses 46600 metros?

A ultra da Raposa teve um início estranho, com uma partida simbólica até à estação de comboios, onde apanhamos o peculiar transporte até ao local da partida real.

Sinceramente, não achei piada à ideia, principalmente pela confusão que se gerou dentro e fora do comboio e por ter atrasado ainda mais uma partida que, por si só, já era tardia, face às condições atmosféricas normais para esta altura do ano (começar uma prova de quase 47km depois das 8h da manhã? naaaah…).

Mas pronto… a corrida lá arrancou, já com o sol alto, a mente cansada da espera pela primeira partida, espera pelo comboio, espera pela segunda partida… enfim… o Trail não havia de ser uma coisa stressante. Mas o da Raposa estava a ser, ainda antes de começar.

Pouco tempo depois da partida “a sério”, começo a ser ultrapassado pelos atletas mais rápidos da distância intermédia, o que significava que havia pouco tempo de separação entre as duas provas, ou seja, mais cedo ou mais tarde, ia haver engarrafamento no monte.

E houve. Numa zona extremamente técnica, onde só se podia descer agarrado a duas cordas, estavam 1200 atletas. Fui empurrado, levei encontrões e o tempo a passar. A zona é belíssima, sem dúvida, mas como pode ser verdadeiramente apreciada nestas condições?

Cheguei ao primeiro abastecimento com 1h15 de prova. O tempo limite apontado no regulamento era de 1h30 e eu comecei a fazer contas de cabeça. A conclusão era óbvia: nunca iria chegar ao fim dentro do tempo limite, face ao que ainda tinha pela frente.

Iniciei uma luta contra o tempo, dificultada pelo calor e pelo percurso. Eram parcos os troços onde me sentia à vontade para correr. Arrisquei em descidas, mas as subidas e os longos trajectos técnicos atiravam-me para trás.

Chegado ao abastecimento dos 19km, tentei dar mais algum “gás”, dado que aos 24km viria outro abastecimento. Eram 5km de força. Mas… 24, 24,5, 25, 26… o abastecimento? Tinha desaparecido e eu quase sem água.

Já sem noção de tempo e espaço (o mapa constante do dorsal começava a não corresponder aos dados registados no meu relógio), entrei numa luta interior para levar a prova até ao fim, mas sem fazer nenhum disparate que pusesse em perigo a minha saúde. As pernas estavam bem, mas a cabeça não.

Estava eu nos meus dilemas internos, acabar ou desistir, vou ser barrado ou não, onde raio anda o abastecimento que desapareceu, quando aparecem dois senhores simpáticos a oferecerem água. “Agora é sempre a descer até Recarei e depois 13km até à meta.”

Nesta altura eu estava convencido que era o último, pois tinha perdido o rasto aos colegas que seguiam atrás e à frente.

Finalmente surgiu um abastecimento, já a corrida tinha passado os 30km (calculo…) e aí estava uma carrinha cheia de desistentes. “Nem pensar… Corre!” esta voz interior tornou-se mais forte quando ouço “O Eduardo vem aí…”. O Eduardo Merino, atleta vassoura da prova.

Comecei a correr feito louco, com uma força que não tinha. O facto do vassoura estar a aproximar-se dizia-me que eu era o último.

Não me recordo muito bem do que se passou a seguir. Lembro-me de um carrossel de subidas e descidas, uma dor lancinante na coxa direita (abençoado Ice Power), uma subida tipo “Elevador do Paleozóico”, um telefonema da Teresa que terminou comigo a chorar, longos quilómetros a correr ao lado da autoestrada e aquele barulho terrível dos carros permanentemente a passarem, uma zona de escalada em que fui literalmente de gatas, campos de milho, água, voltinhas dentro da cidade de Paredes, a Teresa a acenar ao longe, eu a correr em direcção a ela como se a minha vida dependesse disso, 3 pessoas com ar aflito a perguntarem por familiares que supostamente ainda estariam em prova, a meta, correr mais um bocadinho, a meta e finalmente o chão… finalmente a Teresa.

10 horas e uns trocos e a sensação de ter completado a prova mais dura que fiz até hoje.

E nunca o patrocínio da minha camisola fez tanto sentido: “Olimpo”.

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.