António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

Condolências

Fevereiro 19th, 2025

Nota prévia: este texto não é sobre futebol.

A recente polémica sobre o silêncio de duas instituições perante o falecimento do Presidente Honorário de uma instituição rival, mas par das mesmas, expôs a falta de cultura institucional transversal à nossa sociedade.

Nas coletividades, nas empresas, na política, os portugueses tendem a confundir as pessoas com os cargos, as pessoas com as instituições. 

Há um lugar comum que, apesar de constantemente repetido, passa ao lado no dia-a-dia das relações institucionais: “as pessoas passam, as instituições ficam.”

Como tantos outros lugares comuns, repetimos sem entender.

Somos rancorosos, revanchistas e usamos essa bílis nas mais inadequadas situações para o fazer: funerais, aniversários, eventos sociais diversos. As condolências esquecidas, a bandeira que fica na gaveta, o convite que fica por fazer, a devida menção, ou citação, ocultada do discurso. Nomes que se apagam, histórias que se reescrevem, notas biográficas modificadas, designações adaptadas. E, os mais habilidosos, até recorrem ao Photoshop para apagar uma, ou outra, cara das fotos de grupo. 

Fazêmo-lo como para castigar outrém. “És mau! Vou apagar-te de todo o lado!”

Mas, na verdade, ao querer expôr os podres do outro, acabamos por mostrar o pior de nós próprios, porque, e citando mais um lugar comum “as atitudes ficam com quem as toma”, ou não toma.

Desígnios de um Deus malvado

Dezembro 26th, 2024

O meu filho mais novo, Eduardo, perguntou-me se acredito em Deus. Respondi que cada vez acredito menos.

Citando Neil Tysson de Grasse, “se Deus existe, não é infinitamente bom ou, não é infinitamente poderoso. Basta olhar à nossa volta.” É evidente. As duas qualidades nunca acontecem em simultâneo.

 

Se existe, Deus é travesso e perverso. Podemos mesmo dizer que é mau! Basta olhar à nossa volta. É evidente.

 

A este meu desencanto com o Divino, junta-se o meu desencanto com a Igreja Católica e as suas estruturas.

 

Batizei o Eduardo, mas nem pensei em mandá-lo para a Catequese. Prefiro vê-lo a praticar Desporto ou, tão simplesmente, a brincar com o irmão.

 

Quando o Lucas, o meu filho mais velho, tomou a decisão de abandonar a catequese, apoiei-o a 200%.

 

Para serem boas pessoas, solidários, fraternos, não precisa da Igreja. Aliás, na Igreja, na Igreja que conheço, correm o risco de aprender o contrário: a vaidade, a mesquinhez, a hipocrisia.

 

Continuo a gostar da Bíblia.

 

Para lá das guerras, do incesto, das leis absurdas aos olhos do nosso Tempo, há também mensagens bonitas, que muita gente (nomeadamente, na própria Igreja) ignora. “Reza no silêncio do teu quarto e não em público, como fazem os hipócritas.”

 

Continuo a gostar de, de vez em quando, ir tocar numa Missa. Porque gosto de Música, não porque goste de Missas, principalmente as Missas de hoje em dia, rituais banais, pobres, com muito folclore e pouco espaço para a meditação, a contemplação e, acima de tudo, a elevação da Alma ao Divino.

 

As Missas, principalmente as com crianças ou jovens, tornaram-se “festinhas”, organizadas como se fossem um “Chá de Bebé”, ou uma “tainada” entre amigos.

 

O Eduardo diz que acredita em Deus. E está tudo bem. Ele fará o seu caminho.

 

Eu prefiro acreditar que o Bem e o Mal só dependem da consciência de cada um e não de uma entidade omnipotente, omnipresente e omnisciente que, a existir, nunca mostrou ser as três coisas em simultâneo.

 

Como diria Ricardo Araújo Pereira, “se Deus existe, como se explica a Ala Pediátrica do IPO?”

 

Que Deus omnipotente e bondoso, deixa que crianças inocentes morram de cancro, bombardeadas na Palestina, à fome em África, ou num tsunami na Ásia?

 

“São os seus desígnios!” gritarão os mais fervorosos. Desígnios de um Deus malvado, digo eu.

Tudo o que eu te dou

Novembro 8th, 2024

(foto Facebook de Pedro Abrunhosa)

 

Há 30 anos, tinha eu 14, a caminho dos 15. Surgia então nas rádios e TVs, um novo personagem: boina magrebina na cabeça rapada, pelos faciais cortados em estranha forma, roupas estravagantes e permanentes óculos escuros. E, melhor que tudo isso: uma música diferente de tudo aquilo que por cá se fazia, funk em português, dançável, com uma lírica arrojada, atrevida e explosiva. Pedro Abrunhosa e os Bandemónio foram (são) um momento de singularidade na música portuguesa.

 

Com P.A. quebrou-se o mito de que um cantor tem que ter a voz perfeitinha, arrumadinha e limpinha. Um cantor, Lead Singer, frontman, tem que tocar-nos na Alma. Ouçam Tom Waits, Leonard Cohen.

 

Com P.A. percebemos que um concerto pop, rock, ligeiro é mais do que Música. Tem um argumento, um cenário, figurinos. É performance. “Ensinei os meus alunos a entrarem e a sair do palco, que roupas vestirem. A roupa de palco, não pode ser a roupa da rua.”

 

Com P.A. percebemos que todos os pormenores contam, desde a música trabalhada como ourivesaria, às letras que vão da profundidade poética de um “Será”, à lascívia do “Não posso +”, passando pela afronta do “Talvez F”.

 

P.A. mostrou-nos que “perante a violência, a guerra e destruição, as palavras são a menor das obscenidades”.

 

Rodeou-se dos melhores músicos que encontrou, porque procurou sempre os melhores. Exigente, dentro e fora do palco, nunca pede menos que a excelência, até na forma de lhe servirem um sumo de laranja.

 

Há 30 anos, eu era um adolescente à procura da minha identidade, pessoal, artística e musical. P. A. ajudou-me a construir essa identidade.

 

Esta semana, ao celebrarmos os 30 anos do “Viagens”, das Viagens pelas quais P.A., os Bandemónio, os Comité Caviar nos guiaram, olhava em volta e media a média de idades do público.

 

Imaginei aquelas pessoas, há 30 anos, adolescentes como eu, outros mais velhos, mas todos eles a deixarem-se tocar pela tal “voz que não vale nada”, do “cantor que não canta”.

 

P.A. reinventa-se a cada novo disco. Passou o funk, o dance, o pop e o rock. É tudo isto, como amanhã pode ser nada.

 

Mas o Viagens…

 

30 anos depois, ele continua a fazer-nos saltar, acima e abaixo, mas continua também a mexer com os nossos sentidos, a viajar às profundezas da nossa Alma, deixando-nos o corpo trémulo, frágil, com lágrimas fugidias a espreitarem-nos nos olhos.

 

Olhava à volta e sentia uma conexão única. Sentia que vivi com aqueles milhares de desconhecidos uma vida em comum. Uma vida em comum dentro de cada disco, cada concerto, cada acorde e cada verso do P.A., porque tudo o que ele nos dá é nosso.

 

 

 

Vertiginosamente

Setembro 9th, 2024

As manhãs frias de Abril dão lugar às tardes frias de Setembro. É o cheiro a Outono que se aproxima, os dias que ficam mais curtos.

Parece que ainda ontem acordávamos estremunhados para mais uma época filarmónica e nisto ela chega ao fim.

Vinte despiques, com treze bandas diferentes.

Muitos kilómetros de Águeda a Monção, entre Douro e Minho, entre o Porto e Vila Real.

Foi mais uma época de poeira nos sapatos, suor no rosto e felicidade na Alma.

Semana após semana, parecia que o corropio não teria fim.

“Vertiginosamente” estávamos no “querido mês de Agosto”, no qual adormecíamos e acordávamos com a farda.

Foi a época dos reencontros: em Saudel, os Carlos (Mendes e Pereira) vieram dar-nos um caloroso abraço e o tempo recuou vinte, trinta anos.

Reencontrei o clarinete: o Daniel pôs a máquina como nova e redescobri o fascínio do instrumento. Das dores iniciais na embocadura, até ao gozo indescritível naquele andamento lento do “Arco-Íris”, ou na correria da “Húngara”.

Foi tudo isto e muito mais. Memórias que de tão grandes e eternas, não cabem num ecrã em branco: baquetas, monta-desmonta percussão, palhetas, monta-desmonta clarinete, corre para a Igreja, ensaia o salmo, viagens, palcos, coretos, copos, sestas, sorrisos, festa, rock… Rambóia.

“…e temos a Rosa Evangélica.”

De 1994 a 2024, trinta anos de Filarmonia. Como é possível que, ao cabo de três décadas, a emoção continue renovada? Que magia é esta que, no dia seguinte, nos deixa um vazio no peito e a ansiar “vertiginosamente” pela próxima manhã fria de Abril?

 

P.S. – a última foto de naipe da época:

Je suis Bordalo II

Agosto 2nd, 2023

Após a espetacular e pertinente instalação de Bordalo II no palco das JMJ, muita gente tentou desancar o artista com argumentos que, a mim, parecem pouco válidos e facilmente desmontáveis.

A vida e obra de Bordalo II falam por si e, certamente, não precisa que o defendam, mas custa-me ficar quieto perante aquilo que vou lendo por aí.

1 – “Ah… eu nunca tinha ouvido falar dele…”

Bem, isso diz mais sobre ti, do que sobre ele. Bordalo II é, provavelmente o maior e mais influente artista de arte urbana e ecológica em Portugal e uma referência a nível internacional. Há obras suas espalhadas por todo o país e um pouco por todo o Mundo. Algumas, já as deves ter visto e até gostaste.

2 – “Ah… ele recebeu muito dinheiro do Estado…”

E ainda bem! É uma das funções do Estado apoiar a Arte. Mais a mais, caso não saibas, um artista não tem salário e precisa de dinheiro para produzir as suas obras. Além disso, o Bordalo II tem uma equipa que o ajuda na construção das suas obras e, claro, tem que lhes pagar. Numa altura em que a Arte, a Cultura e todas as pessoas que desenvolvem as suas profissões neste meio sofrem tanto com cortes e mais cortes, é de louvar que um artista veja o seu trabalho reconhecido e apoiado pelo Estado.

3 – “Ah… mas porque é que ele não critica outra coisas?”

Critica, sim. Mais uma vez, esse argumento só demonstra a tua ignorância. Por outro lado, desconheces o conceito de “liberdade criativa”. Um artista, seja ele qual for, pintor, músico, compositor, escritor, é livre de falar sobre o que bem lhe apetece. Alguma vez questionaram Wagner o porquê das suas óperas serem maioritariamente sobre mitologia? Porque é que o Nicholas Sparks só escreve romances de “lágrima no olho”?

Uma produção artística sai da Alma de quem a cria. Na Teoria Musical de Artur Fão está escrito que “a Música é a Arte de expressar sentimentos ou impressões através de sons”, mas não tem uma lista de sentimentos, ou impressões, que possam, ou devam ser expressos. O mesmo se aplica a outras formas de Arte.

Era o que faltava um artista ter que pedir licença para se expressar sobre este ou aquele tema.

4 – Por fim…

A Arte não é só Estética. A Arte não é só uma bela sinfonia de Beethoven (alguém também muito interventivo!) ou um quadro de Da Vinci para ficar numa parede, ou num museu. A Arte é questionar, intervir, incomodar, fazer as pessoas pensarem. Quem viu as notas de 500€ do Bordalo II, mesmo que não concorde, pelo menos durante 10 segundos pensou sobre aquilo e a função da obra está cumprida. Quem vê os filmes de Lars von Trier, sente inquietação, pensa até em sair da sala.

E muitos outros exemplos, de artistas que, de certa forma chocaram poderiam ser citados.

Quem ouve o “Talvez F” do Pedro Abrunhosa fica desconfortável, chocado, ou curte este groove:

Toda a gente (um país à medida)

Março 22nd, 2023

Toda a gente dizem que toda a gente “devia seguir o exemplo do Comendador Rui Nabeiro”. Mas ninguém diz “eu vou seguir o seu exemplo”.

Toda a gente queria o Fernando Santos fora de seleção e já toda a gente critica o novo selecionador.

Toda a gente está do lado do Pichardo, mas toda a gente é contra a naturalização do Otávio.

Toda a gente faz greve contra o Governo, mas toda a gente lhe deu maioria absoluta.

Toda a gente quer ganhar mais, mas toda a gente quer trabalhar menos.

Toda a gente queria um Vice-Almirante em cada esquina, mas toda a gente acha que já quer mandar de mais.

Toda a gente é muito inclusiva, mas toda a gente quer os ciganos fora da escola dos filhos.

Toda a gente está contra a Igreja Católica, mas toda a gente acede velinhas em Fátima.

Toda a gente se refresca com a pimenta no anos de toda a gente.

 

 

 

 

 

 

Do Fim ao Recomeço

Outubro 5th, 2022

Há pouco mais de um ano, estava determinado a terminar a minha vida filarmónica. Tantos anos, tantas madrugadas de Domingo, arruadas e procissões intermináveis, concertos para ninguém, “não posso, tenho ensaio…”

Uma pandemia e a descoberta que os Domingos existem para lá dos arraiais.

Uma conversa circunstancial com um velho amigo e em menos de uma hora realizava um sonho antigo, um desejo de ambos. O recomeço.

As coisas acontecem quando têm que acontecer.

“Bem-vindo à Marcial.”

E começou uma viagem onde tudo soava à primeira vez. Aos 42 anos voltei a ser menino, a vestir uma farda com emoção, a acordar cedo sem resmungar.

Uma época que passou num sopro, de Vilar de Figos a Fermentelos, passando por Macinhata do Vouga, Rio Tinto, Forjães, Rio Mau, Vila Chã, Montalegre, Melres, Gens, Espadanedo, Perrães, Valinhas e Crestuma.

Crestuma, a terra que me viu nascer e crescer, onde toquei à distância de uma lágrima para o meu pai e para o meu filho, onde o coração pesou mais que a farda e as baquetas. Crestuma, onde 16 anos de desterro se esfumaram em 16 horas de emoção. Onde a Marcial deu tudo pelo seu Maestro. As marchas de Crestuma foram fermentelenses por breves minutos e o Hugo saiu “em ombros”: “Miguel! Miguel! Miguel!”

Que orgulho, meu amigo!

Em Melres, outro Miguel, o Mota, veio tocar connosco e viajamos para trás e para a frente no tempo.

A dada altura comecei a fotografar as multidões que nos seguiam. “Ainda alguém ouve bandas?”

Centenas, milhares de pessoas, de manhã à noite. Arraiais em silêncio para ouvir Wagner, Tchaikovsky ou Mussorgsky; em festa ao som de Scorpions ou… Toy!

A Filarmonia é assim do Povo para o Povo. Tudo tem o seu espaço.

Das entradas imponentes às despedidas apoteóticas. As viagens de carro com o Afonso, o Carlos, o Chico, o Daniel, o Noémio e a Rafaela, filha de dois amigos de sempre.

Amigos novos, no palco, na tasca dos finos, nas refeições. O orgulho de fazer parte de um naipe que tem tanto de talentoso como de espirituoso: o Zé, o Hélder, o Leonardo, o André e o Pedro (que agora são também “Rambóias”).

E tudo isto passou num sopro, um recomeço que ainda está no início.

Partiram “os” Vangelis

Maio 19th, 2022

Partiu o Vangelis. Músico, compositor, produtor grego que muita gente achava ser uma banda: os Vangelis.

 

Parece ridículo, mas é legítimo. O nome termina em S: plural.

 

Já ouviram bem as obras de Vangelis? É impossível aquilo ser tocado por apenas uma pessoa. Tem que ser uma banda.

 

E o tema épico do filme “1492”? É um coro: os Vangelis.

 

Parece ridículo, é ridículo, mas esta conversa aconteceu mesmo, precisamente na época em que o tema “Conquest of Paradise” bombava em todo o lado, até nas campanhas do Guterres.

 

A dada altura desisti de argumentar e deixei-os acreditar que Vangelis era mesmo uma imensa orquestra com coro.

 

Só me arrependo de, há tempos, ter destruído o orgulho daquele colega que se gabava de ser grande apreciador da música dos Enaudi.

 

Idiossincrasias da música electrónica ambiental.

 

Problemas que o “trio” francês “Jean Michel Jarre” nunca teve.

 

 

 

 

 

 

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.