Deixei de viver nas estrelas
Amando deuses impossíveis
Numa manhã de Primavera
Inundado por raios de sol
Esperando por um ser eterno
Larguei memórias ao vento
Até nunca mais me perder
António Pinheiro
Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.
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Tulipa
Podias ter vindo para tornar a minha vida mais simples, porque tu és tão simples. Apenas um olhar, um sorriso, apenas aquele brilho especial que irradia do teu rosto terno, era suficiente para aplanar as veredas do meu ser.
Mas não.
Trouxeste um amor tão grande e tão poderoso, que transcendia a candura com que me abraçavas.
Fizeste-me entrar em labirintos infinitos, viagens irracionais, de onde eu saía extasiado de felicidade.
Era o êxtase do corpo, da mente e do coração.
Teria sido tão fácil, se fosses apenas um corpo, uma mente ou um coração. Mas decidiste que ias ser completa e me ias amar, como se amasses o Mundo.
Então, um dia, partiste. E foi na dor da tua partida que encontrei a paz que tinha perdido nos labirintos do teu olhar.
Estranha contradição esta, em que para te encontrar preciso de te perder, em que para te sentir preciso de te ter longe.
E quando pensava que jamais seria possuído pela tua estranha inquietude, tu dançaste. Dançaste como se a tua vida dependesse de cada movimento dos teus membros.
Então voltei a cair no mesmo abismo de longínquas noites de Verão. Mas comigo caiu também um estranho sentimento.Invisível. Sem nome. Único. Nosso.
Acordei. Acordei sentindo que não te possuía, porque és uma imensidão que ninguém pode possuir.
Bom dia
Acordei no teu sorriso
Que me apagou da noite
E me disse eternamente que me amas
Foi ao teu gentil toque
Da tua pele macia
Que te senti minha
E te guardei no peito
Para que fiques comigo em cada amanhecer
E quando a tua boca
A minha procurou
Foi o Sol que se tornou doçura
A luz invadiu-me
E vivi memórias que o meu corpo guardou
Num lugar secreto do coração.
Sol
Como o sol que hoje desponta, aniquilando o frio do Inverno, também tu, um dia, nasceste sol na vida de alguém.
Para esse alguém, nunca mais foi noite.
O teu brilho, a tua luz, o teu calor são mágicos e eternos.
A música parou
A música parou.
Reinou o silêncio.
O Maestro baixou os braços, olhando incrédulo a partitura que atingira o seu último compasso.
Não mais os violinos e as violas foram fustigados por arcadas furiosas, nem os pulmões encheram de ar os tubos dos trompetes, das trompas e dos trombones.
Os ágeis dedos quedaram-se sobre os clarinetes e as bucólicas flautas adormeceram no colo dos seus mestres.
O pastoral oboé recolheu-se obscuro e o nobre fagote juntou-se à tuba na sua grave meditação silenciosa.
A agitada percussão paralisou, rolando as baquetas pelo chão.
Cessou o lamento do violoncelo e o pesado caminhar do contrabaixo deixou de se ouvir.
Era o fim.
Já longe ia a doçura, a loucura, a explosão do som.
Tudo agora eram memórias.
E aquele Maestro chorava.
Abriu-se a porta da rua.
Precisava de ar.
Precisava respirar.
Precisava inundar os pulmões de oxigénio.
Mas não conseguiu…
Respirava com dificuldade.
Pelas narinas absorveu um frio gelado.
Era a ausência, a saudade, o saber que nunca mais tocaria aquela sinfonia, que fora inventada numa noite de Verão e que numa noite de Verão tinha tido o seu final.
Frio.
Tremia e sentia uma enorme vontade de se afogar em lágrimas quando a chuva caiu sobre si.
Teve dúvidas se a o líquido que o afogava vinha do céu ou dos seus próprios olhos.
Era o fim.
Só, frio, húmido.
Aquilo que tinha desenhado com uma multidão era agora vazio.
Restaria a memória.
Fechou os olhos e ouviu. Ouviu de novo, como se fosse a primeira vez. A sinfonia começava com um misterioso som azul, que saltitava entre tons de verde e cinza.
Mais um gesto e o andamento mudava e mudava a cor. Dourado. Sorria de prazer enquanto conduzia os músicos pelo ondular das suas mãos.
Aquela música dava-lhe uma felicidade nunca antes vivida.
E transpirava. Um calor diferente de todos os outros… dourado, azul, verde, cinza.
Novo andamento, novo gesto e uma explosão de cores quentes.
O suor corria agora pelo corpo todo e os músicos explodiam com ele. Finalmente. Era a entrega total.
Depois do êxtase voltava a doçura no seu mais puro azul.
E era o suor no corpo.
E eram as lágrimas no corpo.
E era o frio no corpo.
Tudo não passaria de um sonho?
Uma memória?
Afinal… aquela sinfonia existia?
Estava só. Ignorado. Desprezado.
“Parabéns, parabéns…” ouvia. Mas de pouco, ou nada, serviam os elogios.
Nunca os procurou.
Só queria a sua sinfonia de volta. Só queria não viver com o peso de uma memória para sempre perdida.
Queria voltar a abrir a partitura e deslizar as mãos por aquelas pautas desenhadas com estrelas e luar.
Mas estava frio.
E só.
Decidiu que iria morrer ali, pois nada teria mais sentido. Jamais repetiria aqueles momentos e não se poderia refugiar na doce memória, pois esta se tornava amarga e fazia-o sangrar.
E sangrava. E à sua frente formava-se uma poça de sangue, lágrimas e chuva. Chorou com ainda mais força, o sangue esvaía-se e o vento cortava-lhe a pele. E o choro era agora um grito.
A dor era extrema e indescritível.
Ele que julgava ser tão forte, ser o dono do Mundo… jazia naquele beco, frio, só e molhado.
Subitamente… ouviu um choro que não o seu… um grito que não o seu.
Afinal não estava só. Valia a pena levantar-se? Sim!
Ergueu-se cambaleou contra o vento e contra a chuva. Atrás de si o rasto do sangue.
Bastou um olhar, um abraço, um gesto, uma mudança de andamento e o vento parou. A chuva iria parar e o sangue… Esse continua a correr à espera que a cicatriz da saudade feche… algum dia… quem sabe.
Só quero dormir
Só quero dormir.
Sonhar?
De que servem agora os sonhos se não passam disso mesmo?
Quero dormir.
E acordar sem frio.
Como acordava quando ainda podia sonhar.
E sonhava.
Mas agora não quero sonhar.
Não quero mais viver uma felicidade que não existe.
Ou existe.
Mas em mundos que jamais serão reais.
Tenho que estender a mão no escuro e sentir o que é palpável
O que está ao meu alcance
O que existe
Quero aquilo que me possui.
E que posso possuir.
Não consigo
Falta-me o ar.
O oxigénio.
A liberdade
Há apenas uma dor
Que me percorre as veias
Instala-se no coração
E ele explode.
Espera pela Saudade
Foi uma Primavera como nem a própria Natureza sonhara algum dia criar. O Mundo sorria e transformava-se para receber a vida. Eram cores, odores e sabores que inspiravam poetas e faziam música brotar do silêncio. Ternura.
Veio o Verão e o calor espalhou-se pelos campos. O Sol brilhava no céu, como grande imperador de um império invisível. Eram irrequietos riachos que retemperavam os seres vivos nos momentos extenuantes, antes do repouso merecido sob frondosas árvores. Fulgor
E foi no Verão, debaixo de um céu ornado de estrelas, que o Outono foi anunciado. As árvores despiam o seu vestido verde e puramente nuas guarneciam-se de jóias douradas e escarlate. A Natureza assumia uma beleza diferente, sem o fulgor do Verão, sem a ternura da Primavera, mas incorporando sentimentos de dias passados. Memória.
Chegou o Inverno e o frio apoderou-se dos recantos que ainda permaneciam aquecidos pela Memória do Verão. Tudo é gelo e nada mais resta a não ser fugir, esconder, hibernar e aguardar que a saudade faça voltar a Primavera.