Ouço vozes
Chamam-me em diferentes direcções
Soam como gritos
Vêm das multidões
Atingem-me os ouvidos
Fazem-me tremer
A luz à minha volta
Tende a escurecer
E caio no precipício
Que parece não ter fim
E cresce o ruído
Dentro de mim
Num choque repentino
Embato contra o fundo
E na minha cabeça
Embate o peso do Mundo
Mas uma voz delicada
As outras silencia
E ao reconhecer-te
Renasce a luz do dia
Então é música que ouço
Ao ver o ver de novo o teu sorriso
E sei ao senti-te
Que és tudo o que preciso
António Pinheiro
Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.
Category Archives: Poesia e prosa
Espera
Aguaceiro
Em tons cinza tu chegaste
Gota a gota
Foste regando o meu jardim
Quente no meu quarto
Ouvia-te
E desejava-te
À medida que crescias
À medida que a tua música me invadia
Sentia-me atraído por ti
Abri a janela
E desejei-te
E tu invadiste-me
O meu desejo era tanto
Que saltei
E caí na poça que tinhas formado
Chamaste os relâmpagos e os trovões
Os mais revoltosos vendavais vieram contigo
E juntos dançamos numa dança louca e interminável
Deixei-me possuir por ti
Toquei nos relâmpagos com os meus dedos
Fui a voz dos trovões e deixei-me voar com o vento
Já cansado deitei-me na lama
E tu continuavas e penetrar-me
Até à mais ínfima e recôndita célula
Adormeci nos teus braços e contigo sonhei
Até acordar numa verde floresta
Contigo em cada folha, em cada ramo
Estava nu
E tu estavas no meu corpo
Ao caminhar sentia-te nos meus pés
Estava feliz
E era a tua felicidade que me inundava
Era a tua felicidade a minha seiva
Banda Sonora
No princípio era eu. Eu e a minha solidão. O Mundo, aí, fazia sentido. Moldado à minha imagem, acontecia comigo. “Faça-se luz” eu disse, e a luz surgiu. Quis viajar, então criei rios e mares onde naveguei e descobri o Mundo. “Crescei e multiplicai-vos” e à minha volta multiplicaram-se amigos e inimigos, e já não era só eu e a solidão, mas pela primeira vez senti-me só.
Tinha amigos e inimigos, mas estava só. Pela primeira vez senti que precisava de ti.
Então, criei a música. Precisava de uma banda sonora para embarcar na minha mais ambiciosa demanda.
Encontrei-te numa quente noite de Inverno. Bati à tua porta, mas não sabias que era eu e continuaste, calmamente, a beber o teu chá.
Encontrei-te na baixa. O Natal estava perto e havia muita gente na rua. Corri aos encontrões com a multidão e confundi-te no rosto de alguém parecido contigo.
Encontramo-nos, um dia, à espera do autocarro. Já não me sentia só e tu sabias quem eu era. Quando pensava que eras minha para sempre, partiste e senti que, tudo o que tinha criado partira contigo.
Errei, então, por becos sem saída. Embriaguei-me, droguei-me, criei uma banda sonora de horror.
Um dia telefonaste-me. Marcamos um encontro, mas só querias brincar comigo. Fui um objecto nas tuas mãos, mas saltei fora a tempo. A banda sonora de horror continuava e aproximava-se dos últimos compassos.
Chegou a suspensão final e procurei nos meus arquivos a partitura da felicidade. Finalmente, eras tu! Já não eram enganos ou confusões. Era o fim da minha demanda. O meu Graal, a minha Jerusalém estava ali, dormindo no meu colo. Naquele momento senti que serias minha para sempre.
A banda sonora entrou num interminável “allegro”.
Como te chamas?
Sei que tens um nome
Registado
Que alguém para ti escolheu
Mesmo antes de seres quem és
Mas eu quero o teu verdadeiro nome
O nome secreto
O nome que só tu tens para ti
Vá…
Diz-me como te chamas
Quero chamar-te assim
Quando acordares ao meu lado
Quando me disseres “até logo”
Quando voltares a casa
Quando estivermos envoltos em amor
Quero conhecer-te com o nome que ninguém conhece
E sentir-te como ninguém jamais te sentiu
Diz-me o teu nome
O teu verdadeiro nome
Explosão
Explodi na tua mão
Com a força da granada
O som do trovão
E meu corpo arqueou-se
E meus lábios beijaram-te
Dizias que me amavas
Por entre trocas de carinho
Entre a tua língua e a minha
Agarrei-te
Prendi-te em mim
Não fujas
És minha
Tua, sou tua!
O meu olhar penetrou no teu
A força da tua mão não me deixou fugir
Levaste-me para longe
E não voltei
Não voltamos
Vivemos do outro lado
Alucinação
Dói-me a cabeça. Pesa-me, envolta num turbante de pensamentos e ideias. Mata-me estar longe de ti. Mata-me ver-te e não te tocar. Mata-me saber que, neste momento, me desejas e, neste momento, não me podes ter.
Dói-me a cabeça e há algo de inquietante nos meus lábios. Também eles cansados, também eles perdidos na distância que nos separa. Sabes… sempre que estou contigo sinto que são os meus lábios o órgão mais poderoso do meu corpo. Eles impelem-me para ti.
Pensando bem, são os teus lábios o órgão mais poderoso do meu corpo.
Abro uma pasta no meu computador que tem o teu nome. Desfilas diante de mim. Sorris para mim, da mesma maneira, com o mesmo brilho de quanto estás comigo.
Faço zoom… até aos teus lábios, até aos teus olhos, até ao teu cabelo. É piroso dizer isto, mas é este triângulo que me apaixona.
Tens um cabelo lindo, sabias? Sim, já te disse, mas quero dizer outra vez.
Vem, senta-te ao meu lado e deixa-me ficar no teu colo. Há uma paz infinita quando repouso em ti, como quando fazemos amor e depois do êxtase penetramos mais fundo um no outro. Envolves-me com os teus braços e repetidamente dizes que me amas e ao ouvir-te o êxtase repete-se.
E, de repente, a dor passou. Às tantas ainda dói, mas quero lá saber. Quando estou contigo, não há mais nada.
Antes de te ter, sonhava contigo, sem saber se quer quem tu eras. Durante muito tempo, sentei-me na falésia à tua espera.
Até ao dia em que vieste e te sentaste ao meu lado. A falésia desapareceu e mergulhamos no fundo do mar. Visitamos reinos coloridos, onde havia música, festa, alegria! Num salto voamos até à via láctea. Por vezes, fomos atraídos para buracos negros mas, nessa altura, beijaste-me e senti que os teus lábios são o órgão mais forte do meu corpo.
Voamos pelo sistema solar, descansamos nas estrelas e apanhamos boleia de cometas.
Estava na hora de voltar à Terra. Mostraste-me rios, lagos, montanhas, florestas… Disseste “estou cansada” e dormimos debaixo de uma árvore. Acordaste-me com um beijo e colheste-me frutos que comemos os dois.
Disseste “vamos viajar de novo”. Sorriste. Despiste-te e despiste-me. O teu corpo nu foi a visão mais maravilhosa que tive, mais brilhante que as estrelas, mais mágico que o fundo do mar. Ali, no meio da floresta parecia que dela sempre fez parte.
Novamente, fui atraído pelos teus lábios e na sombra da mesma árvore fizemos amor. Oh, que viagem inesquecível! Primeiro foste meiga, terna e carinhosa. Mas a loucura do desejo fez-te fazer e dizer coisas que já nem nos lembramos. E depois… foste criança e eu protegi-te. Foste tu que ficaste no meu colo e sentenciaste que o nosso amor era para sempre. Disseste “quero viajar contigo, por todo o Universo, sem parar”.
Então, eu dei-te a mão e levei-te. Viajamos.
Somos um só e, por isso, quando estamos longe os nossos corpos doem. Em grande parte pela força que os nossos lábios fazem, na vã tentativa de se unirem.
Dói-me a cabeça. Neste momento, dormes. Eu vou já ter contigo, porque sei que em sonhos esperas por mim…
Da próxima vez que dormirmos debaixo de uma árvore, não me dês frutos! Alimenta-me com os teus lábios… para viver não preciso mais nada. Com eles não sinto fome nem dor…
Já não me dói a cabeça…
Lápis
Um dia
Voltei a escrever a lápis
Desliguei o computador
Desfiz-me da velha caneta
O lápis é genuíno
O lápis é melhor do que a vida
O lápis pode ser apagado
Tem consigo o estigma do rascunho
O lápis é natural
Naturais moléculas de carbono
O lápis é musical
Haverá som mais…
Mais…
Irrequieto que um lápis a dançar no papel?
O lápis morre
Vai escrevendo
Vai mingando
Vai ficando mais nosso
Como se ao imprimir-se no papel
Se transformasse num órgão do nosso corpo
Um dia
Voltei a escrever a lápis
Ele estava ali
E guiado por um impulso peguei nele
Estava tão afiado
Que de imediato
Abri o caderno e risquei
Risquei
Risquei
Risquei
Escrevi uma dezena de disparates
Com o lápis
Sobre o lápis
Sobre o papel