Foi numa tarde de Outono que ela entrou na vida dele. Levava nos olhos aquele sorriso que escondia uma timidez natural, sincera. Mostrou-se humilde, simples e com uma enorme vontade de aprender.
Ele tinha muitas histórias para contar, memórias de uma vida que mais ninguém queria ouvir, a não ser ela. Então, ele sentou-a no colo e contou-lhe tudo o que há anos tinha guardado no coração. Ela continuava a sorrir e lentamente aproximou-se do seu rosto. Um fio eléctrico percorreu todo o corpo daquele homem seguro, confiante, experiente. Não percebia o que lhe estava a acontecer.
Foram-se passando os dias, as semanas, os meses… Havia sempre mais uma história, mais um sonho para partilhar. Agora, também ela contava as suas histórias e gostavam um do outro.
O Inverno aconchegou-os ao calor de uma lareira. As histórias ganhavam vida, cor, ternura. Partilhavam segredos, confissões, desabafos. Aqueciam-se em noites frias, longas, trocando o sono pelo prazer da companhia. Liam livros, cantavam canções e recitavam poemas um ao outro.
Chegou a Primavera e descobriram que, para além das histórias, algo mais forte os unia. Agora, diziam-se irmãos. Brincavam de mãos de dadas e trocavam os mais insignificantes presentes, como se de tesouros se tratassem.
Sentiam a falta um do outro e faziam de tudo para estarem juntos. Saboreavam cada segundo, como quem saboreia o prato favorito ou aquele bolo especial.
Então veio o Verão e, numa noite quente, apenas com as estrelas como tecto as suas bocas uniram-se. E aquele instante criou uma nova história.
Amavam-se.
E começou uma nova descoberta. Com a caneta do amor, os seus corpos escreveram um livro único e irrepetível. Uma obra-prima de sensações e momentos de felicidade suprema.
Veio um novo Outono e viajaram ainda mais longe. Descobriram que podiam amar-se sem limites, que podiam fundir os seus corpos num único, descobriram que a noite não tem fim.
Hoje, mesmo depois de entregues ao prazer, mesmo rendidos à loucura dos sentidos, continuam a partilhar flores no jardim, a trocar mimos e a sorrirem inocentemente como naquela primeira tarde de Outono.
António Pinheiro
Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.
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Sonata
Quando te vi, tremi de alto a baixo. O meu coração saltou por te ter tão perto. A emoção da concretização de um sonho tomou conta de mim. Senti os olhos encherem-se de lágrimas, fruto de uma alegria que tive que conter. Esperamos tanto aquele momento. Desejamos tanto aquele momento.
Então fiquei ali a ver-te. Estavas mais linda que nunca. Os teus olhos, o teu cabelo, todo o teu corpo era música e deixaste-me hipnotizado. Não conseguia desviar o olhar, nem por um segundo.
Depois voltaste para mim e ali ficamos sem saber o que dizer, trocando sorrisos e palavras tontas que diziam muito mais do que aquilo que diziam.
Noites sem ti
Então foste dormir e fiquei só. Naquela noite fria em que nem o fumo de um cigarro, ou o mais um copo de whisky me aqueciam.
Errei pela noite, como vagabundo perdido. Cambaleava na minha própria solidão, recordando como são doces os teus beijos, recordando como fazes o dia acontecer mesmo na noite mais tenebrosa.
Caminhava à tua procura, com a mágoa de saber que nunca te iria encontrar. Eras aquela estrela que brilhava, bem no alto do firmamento e que se afastava a cada passo.
Era impossível continuar em tão infrutífera demanda. Era hora de encontrar o caminho de casa.
E então senti de novo aquele calor acolhedor. Estático, permaneci imóvel em frente à televisão, mas em cada imagem era o teu rosto, em cada som a tua voz. Aquele hipnotizante aparelho nada mais me mostrava que as memórias dos nossos encontros, daquelas tardes de amor, de pele, de suor, de beijos e loucura. Via no ecrã os nossos passeios de mão dada, as brincadeiras de ternura, aquele pôr-do-sol infinito.
Adormeci contigo no pensamento e nunca mais quero acordar.
És tu.
Sabes porque não durmo?
Sabes porque me rebolo incessantemente na cama, desperto por um único pensamento?
Porque te amo e o meu corpo não sossega enquanto não sente o teu nos braços.
Fecho os olhos e é o teu sorriso que vejo.
Desvio o meu caminho só para passar na tua janela.
Confundo raios de sol com os teus cabelos e pedras preciosas com os teus olhos.
Estremeço ao ouvir o teu nome e recuso-me a proferi-lo para não o profanar.
Vejo-te em cada rosto da multidão e sinto-te ao meu lado sempre que estou só.
A brisa que me toca no rosto é para mim um beijo teu.
O mar é o teu olhar e o calor da Primavera é o teu abraço.
Bebo mais um copo, fumo mais um cigarro, viro a página de um livro… mas és sempre tu.
És a minha música. És aquele filme inesquecível.
És o cobertor em noite fria de Inverno.
Proteges-me dos pesadelos e embalas-me suavemente.
É a tua respiração que me sustenta.
É no teu andar que me movo.
É com os teus braços que trabalho.
É com os teus lábios que sorrio.
É com o teu corpo que te amo.
História de um sonho real
Madrugada. À distância trocavam palavras de amor, numa vã tentativa de matar a saudade e encurtar a distância.
Ela disse “deixas-me sem palavras”. Mas ele continuava a falar… Descrevia sentimentos, sensações, momentos, como se pintasse um quadro. E ela absorvia aquelas palavras, como se fossem beijos, abraços, carinhos…
Ela disse “gosto tanto da maneira como falas sobre nós…” e ele disse que dizia o que sentia, que tinha que dizer aquilo que sentia, pois um amor assim não podia ficar retido secretamente nos recantos de um coração.
Adormeceram. Nos braços um do outro, fecharam os olhos e viajaram juntos de mão dada, para aquela praia onde furtivamente se encontram.
E foi tudo tão real. O calor do sol primaveril, a leve frisa que fazia os cabelos dela dançar, o suave toque das mãos e o beijo… Tão terno como o primeiro, tão intenso como os outros, tão doce como todos.
Um abraço, um olhar no horizonte, uma promessa de amor eterno…
Ela disse “quero que me ames sempre assim…” e ele respondeu “não posso amar-te sempre assim, porque cada dia que passa amo-te mais, cada segundo que passa amo-te mais…”
Então o amor explodiu em lágrimas que regavam os seus sorrisos de ternura.
Um beijo. Desta vez, salgado pelas lágrimas, mas apaixonado como nunca.
Chegava o pôr-do-sol. A praia cada vez mais deserta, cada vez mais secreta.
Com destroços de um velho barco acenderam uma fogueira na areia. Com o calor de uma paixão intensa acenderam outras fogueiras e, rapidamente, as suas roupas tornaram-se uma incómoda barreira àquilo que viveriam depois.
O mar e as estrelas foram testemunhas únicas daquele momento que durou o tempo de uma fogueira.
Então acordaram.
Memórias de um beijo
Foi o beijo de uma vida. A meta e a chegada de um amor.
Começou com um olhar.
Não um simples olhar como dizem as canções de amor, mas um olhar profundo e que disse mais que muitas palavras vãs em momentos de embaraço.
Ele olhou-a e, só com os olhos, disse-lhe que a amava. Ela retribuiu o gesto. Então, sem abrir a boca, ele continuou… “O meu amor por ti é real, verdadeiro e quero amar-te para sempre…”
Ela sorriu e não desviou os olhos dele. Era o “sim”. “Posso beijar-te?”, perguntaram novamente os olhos escuros dele e os olhos azuis dela responderam, outra vez, “sim”.
Então foi a vez de os lábios falarem. Não com palavras, mas com um suave toque, e depois outro, e mais outro…
Ficaram unidos. Ele sentia aquele sabor doce e terno, como nunca sentira antes e uma fina corrente eléctrica percorria as suas veias. Queria retribuir aquela fantástica sensação e procurou-a com mais intensidade. Ela entregava-se àquela nova experiência e juntos fizeram o amor acontecer numa expressão única. Foi um momento eterno.
Depois dos lábios, as línguas tocaram-se timidamente. Seria de mais para o primeiro beijo? Nada é de mais quando nos amamos e aquele amor era mais forte que qualquer regra ou protocolo.
Adeus. Até amanhã.
Ela mal dormiu. Sempre que fechava os olhos era como se ele a beijasse novamente.
Ele toda a noite sonhou com aquele beijo.
No dia seguinte, mal esperaram para repetir durante largos minutos o escasso momento da noite anterior.
E hoje beijam-se, beijam-se, beijam-se… Mas cada beijo é tão puro, tão terno e doce como o primeiro…
Ecos da Saudade
Eram separados pelo Mundo, pela Vida, por algo tão forte e incompreensível, que os obrigava a amarem-se sem se verem, sem se ouvirem, sem se cheirarem, sem se tocarem, sem se saborearem, unidos apenas pelo sentimento, por lembranças, pela intensa memória dos sentidos.
A distância, a ausência, aguçava-lhes ainda mais o ardor da paixão. Por não se verem, viam o amante constantemente, numa flor, numa estrela, no sol… Por não se ouvirem, escutavam-se nas músicas favoritas, partilhadas em segredo… Por não se cheirarem, cheiravam-se nos perfumes eternos, tatuados a fogo na paixão do último encontro… Por não se tocarem, tocavam-nos próprios corpos com as mãos imaginárias do outro… Por não se saborearem, sentiam ao adormecer o toque terno dos lábios do apaixonado…
Então, por vezes, o Mundo, a Vida, desapareciam e podiam ser eles os dois. Apenas os dois. Em beijos apocalípticos, destruíam o planeta em que viviam e, com a força de abraços infinitos, criavam um novo Universo. A fusão dos seus corpos, baralhando os sentidos que na saudade os uniam, era o despoletar de novas formas de vida. Viam sabores, ouviam cores, cheiravam beijos, tocavam sons e saboreavam odores. E, depois da euforia, depois de voarem pelas galáxias, desenhando sinfonias nas estrelas, caíam no cansaço. Repousavam no peito, trocando suaves beijos e preparando-se de novo para a saudade.
Regressariam ao Mundo, à Vida… E refugiavam-se nas memórias dos sentidos. Sós, distantes, perdidos mas, ao mesmo tempo, tão perto um do outro como se fossem um só.
Naquela madrugada
Soubeste ser quem eu queria
Soubeste dar sem receber
Soubeste amar-me em magia
Na música que ouvia
Um poema que lia
Na madrugada a nascer
Disseste ternura em segredo
Disseste amor sem ter medo
Disseste um sim de verdade
Juntos fomos a cidade
Na pura liberdade
Em eterno degredo
Em ti eu mato a solidão
Em ti sucumbo à paixão
Em ti eu morro em desejo
À claridade de um beijo
Nos teus seios me protejo
E venço a escuridão
Naquela madrugada
Vieste sem temer
Naquela madrugada
Em ti fui-me perder
Senti-me um novo homem
Pelo teu corpo de mulher