António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

Arriscar

Abril 27th, 2009

Fomos até ao limite. Mais um passo e seria a morte. Foi arriscado e perigoso, mas profundamente recompensador.
Caminhamos num arame sem rede, sobre leões famintos, sobre tanques em chamas, debaixo de rajadas de metralhadoras, mas sobrevivemos.
Jogamos todos os trunfos, apostamos cegamente, mas ganhamos a partida.
Foi uma loucura, um acto de completo desespero, mas de profunda entrega.
Arriscar vale a pena…

SMS

Abril 21st, 2009

Quando ele já não esperava, ela fê-lo sorrir.
Sentiu aquela inquietação pura de um amor adolescente.
Queria correr para ela, mas aquele gesto deixou-o tão calmo e feliz que, simplesmente, desfrutou.
Guardou o telemóvel e a partir daí tudo foi uma suave viagem.
Sentia-se amado e desejado. Querido. Sentido.
Era feliz e nada ia apagar essa sensação… por muito que tentassem.

Porque há sempre esperança…

Abril 21st, 2009

Ela tinha dito que não podia… naquele dia, não ia dar. Mas ele foi até ao ponto de encontro. Sabia que ela não ia, mas só o facto de estar naquele local, aproximava-o dela.
Chegou e ficou sentado.  Levantou-se e voltou a sentar-se.
Passou uma hora. Passou outra e mais meia.
Quando estava prestes a desistir, ouviu passos, olhou. Era ela! Sorria, como sempre, bela, indescritível.
Ele ficou imóvel. Ela abraçou-o.
Ela viera.

O triângulo

Abril 16th, 2009

Chegou a pensar ter decidido cedo de mais. Chegou a pensar ter cometido um erro. Mas a equação tinha sempre duas soluções.
Diziam-lhe que não, que era impossível: “só podes ter uma resposta certa”.
Mas ele tinha duas. Às vezes sentia-se confuso mas, a maior parte das vezes, sentia-se feliz. Adorava desenhar e redesenhar aquele triângulo. Sentia-se confortável por poder repousar sempre num dos lados, ou até mesmo nos dois.
Era um sistema complicado, arriscado, mas sempre com os mesmos valores de x e y.
Matemática pura. E ele que nem gostava de matemática.
Questionou-se muitas vezes. Seria necessário anular uma variável? Haveria algum lado desequilibrado? Às vezes ficava com um triângulo profundamente escaleno. Decidia remover um dos lados, mas só com duas linhas não há forma geométrica, não há aconchego, protecção.
Então, com régua e esquadro, redesenhava e contemplava o triângulo agora equilátero.
Poderia ter esperado por outras variáveis? Poderia ter simplificado ou complicado o sistema?
Talvez.
Mas nada seria como a equação com dois resultados.

Primavera

Abril 9th, 2009

Foi um beijo curto, até mesmo tímido, às escondidas, mas saborearam-no como se tivesse durado minutos.
Separaram-se e, horas mais tarde, cada um na solidão do seu quarto, ainda sentiam o sabor dos lábios do outro.
Acordaram com o mesmo sabor mas famintos por mais. Mas o beijo teria que ser apenas sentido e não dado.
Às vezes tudo fugia. Sentiam-se no abismo e parecia que nada os iria segurar. Então, agarravam-se à única coisa que tinham: aquele amor construído com tantas lágrimas mas, ao mesmo tempo, com tantos sorrisos.
O abismo desaparecia e tudo voltava a ser como devia ser. Os espinhos, a dor, ficaria para outra altura, mas agora era Primavera.

Para ti…

Abril 7th, 2009

Nem raios ou trovões
Nem violentas tempestades
Nem cadeias ou prisões
Contra todas as vontades

Nem vales ou abismos
Nem rochas ou montanhas
Nem vulcões ou sismos
Rasgarei minhas entranhas

Mesmo nu
Cansado
Derrotado
Quebrado

Serei sempre o teu abrigo
A tua cama
O teu lençol
O teu amparo
A tua gruta
O teu calor
O teu refresco
Os teus passos e a tua força

Pintarei o teu céu com estrelas

Serei tudo que queres e precisas
Serei tudo para que o Sol não deixe de brilhar e a chuva não te toque
Serei o Mundo e o Universo

Amor nas Catacumbas

Abril 6th, 2009

Iluminaste com o teu sol
Aquele recanto escuro
Em que nem a luz da lua penetrava
Nem uma única estrela brilhava

Era apenas o toque da tua boca
Das minhas mãos
Da tua pele
De dois corpos
Flutuantes na escuridão

Rendi-me ao teu ser
Como sempre me rendi
E rendido me entreguei
À força das tuas mãos
Que como garras me prenderam
E sugaram-me o ar
O sangue
O sémen

O meu corpo abandonei ao teu
E aquele amor que me dizias
Era finalmente tão real
Tão forte e tão profundo
Tão sentido e vivido

Era loucura
Era desejo
Era saliva e suor
Perdidos num beijo
Repetido e repetido

Senti-me explodir
Senti-me morrer
Desfalecer
Desaparecer

Caí por terra
Ainda preso pelas tuas garras
Gritei
Ri e chorei

Éramos agora gestos indecisos
E aquele intenso ardor na pele

Caídos por terra ficamos
Amados
Suados

Os Anjos

Abril 1st, 2009

Foi atacado, agredido, enxovalhado. Regressava a casa arrastando o corpo e a alma.
Tudo lhe doía. Sentia dores em partes do corpo que nem sabiam que existiam.
Abriu a porta de casa e deixou-se cair, a escuridão tomou conta dele.
Sentiu um beijo doce, muito doce, na testa. Tentava abrir os olhos, mas estes ainda estavam pesados. A luz penetrou-lhe, finalmente, no olhar e, por momentos, pensou que tinha morrido.
Era um anjo. Só podia ser um anjo… não existiam mulheres assim, principalmente depois do dia infernal que tinha vivido. Aquele rosto celestial inclinou-se para ele de novo e beijou-o, desta vez na face. Ao sentir o toque dos lábios, foi como se o sangue que sentia congelado nas veias voltasse de novo a correr. Estremeceu ao sentir que o seu coração pulsava de novo e sorriu.
O anjo continuava a fitá-lo como se quisesse dizer-lhe algo de muito importante. E disse, quando se inclinou novamente e beijou-o, com a mesma suavidade dos beijos anteriores, mas na boca. E aquele beijo soube-lhe a água fresca, colhida directamente de uma fonte de montanha.
As feridas sararam e o seu corpo ganhou nova vida. Ergueu-se no leito e olhou o seu anjo olhos nos olhos. Finalmente o anjo falou:
– Não fui eu quem te salvou… foste tu, com a tua força, com a tua vontade de viver, com a tua alegria!
– Mas eu estava morto, fui ao fundo… e tu foste-me lá buscar!
– Fui, mas porque sei que não querias lá ficar. Estou sempre contigo e sei que mereces ser feliz.
Então, ele chorou. Não se sentia digno de tanto amor. Afinal, quando se sentia só, não estava só. Havia sempre aquele anjo…
O anjo beijou-lhe as lágrimas e disse:
– Por favor, não… O teu rosto não foi feito para lágrimas, mas para sorrisos. Do mesmo modo, o teu coração foi feito para amar e não para odiar.
– Mas eu não mereço…
– Porquê?
– Não sou digno do teu amor…
– Já te esqueceste de tudo o que fizeste por mim? De todas aquelas vezes em que todos me abandonaram e só tu, apenas tu, me deste tudo? Quando quis desistir, quando me senti sem forças e tu pegaste em mim ao colo?
– Eu fiz isso tudo por ti?
– Sim. És a minha certeza. Sei que estás sempre, sempre comigo… Sei que és o único que não me abandonará, nunca! Por isso, quero ser tudo isso para ti.
– És o meu anjo!
– Não… tu és o meu anjo!
Ele riu. Começava a fase da inocência, em que competiam para ver quem proferia o melhor elogio de amor.
– Seremos o anjo um do outro?
– Seremos a vida um do outro.
– Isso quer dizer que não existimos um sem o outro.
– Tu és sinónimo de existir. Todos estes anos que vivi sem ti, eu não existia.
– Nunca viveste sem mim. Quando sonhavas com amor, quando desejavas alguém que te amasse, quando querias ser feliz ao lado de outra pessoa, era em mim que pensavas, mas eu não tinha rosto. Então eu apareci e ganhei um rosto, o teu amor ganhou um nome e nunca mais precisaste de sonhar.
– Como é possível?
– O quê?
– Tudo. Será que amar não tem limites?
– Os limites somos nós e eu hoje sinto-me infinita.
– Infinitamente bela…
– Infinitamente amada
– Infinitamente minha
– Infinitamente tua…
Então, ele beijou-a. Sem largar o seu olhar por um segundo, levou-a a uma viagem inesquecível da qual só voltaram pela imposição natural do cansaço dos seus corpos.
– E pronto… já não somos anjos!
– Porquê?
– Os anjos não têm sexo!
– Tão bom como este não têm, de certeza.
Riram, brincaram, conversaram, adormeceram.
No dia seguinte voltaria, o sofrimento, a dor… Ele entraria novamente em casa, desfalecido. Mas, a única coisa que importava é que nada, mas mesmo nada, apagaria aquele momento.

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.