Subia ao palco pela primeira vez e a obra com que o concerto abriu e se tornou a primeira obra que toquei, em público, com uma filarmónica, foi o pasodoble galego “Puenteareas”.
Do compositor Reveriano Soutullo, foi estrado a 20 de Outubro de 1929, tendo sido composto em homenagem à sua terra natal, Puenteareas.
Soutullo destacar-se-ia pela composição de zarzuelas, duas das quais costumam andar aí nas capas: “La Leyenda del Beso” e “La del Soto del Parral” (da qual falaremos mais tarde.
“Puenteareas” é um pasodoble bastante agradável, de execução acessível, onde o ambiente galego está bem patente.
Passou o mês de Junho, os Santos Populares, as Marchas e Rusgas… (ok… este ano não se terá marchado muito…).
Por isso, parece-me bem abrir a Terceira Temporada – “Qual é que vai?”, onde volto a obras mais “curriqueiras”, ao ambiente de romaria, com um verdadeiro clássico.
“Marchas de Lisboa”, “Feira Popular”, “Festa na Feira”, “Festival de Bandas” são alguns dos títulos com que este medley frenético do Maestro João Neves aparece nas nossas cadernetas.
Esta é daquelas que ao 9º compasso arranca logo palminhas no público e um ou outro pezinho de dança.
Da “erudição” das últimas semanas, directamente para o arraial.
O misterioso primeiro andamento da obra leva a que a mesma se estranhe. O furioso terceiro andamento entranha-nos à força. Pelo meio, a delicadeza do Intermezzo.
A quarta sinfonia de Alfred Reed (compositor americano que se tornou popular em Portugal com “El Camiño Real” e “Golden Eagle”) é como um daqueles filmes de Hollywood: mistério, paixão, drama, romance, erotismo, violência e até humor.
Honestamente, é das obras mais completas que conheço e também mais difíceis.
Encomendada para o “World Music Contest” em 1993, abre com uma Elegia, construída em grande parte sobre um ritmo básico suave, insistente, ouvido pela primeira vez nas flautas, sob o tema principal do oboé. O desenvolvimento desses dois motivos passa por toda a banda, às vezes na forma de tristes “canções”, outras com um carácter altamente dramático, até à suave estabilização final do andamento, num acorde mi menor. Um contraste evidente com todo o restante andamento, principalmente não tonal em estrutura e sentimento.
Segue-se um contrastante intermezzo gracioso, desenvolvido a partir de um tema tranquilo e cadenciado com um ligeiro toque de sabor latino, a remeter-nos para o “El Camiño Real”, destacando as madeiras da banda lançadas num elegante compasso 5/8 metros em grande parte da textura. A fusão entre os sopros e a percussão é feita pela harpa, que às vezes parece quase soar como um grande violão espanhol, dedilhando acompanhamentos às várias linhas melódicas.
O último andamento é, novamente, um contraste com o momento anterior. Uma tarantela ardente, baseada em um tema fugal que é desenvolvido com todo o virtuosismo inerente às bandas modernas e totalmente integrado, que varre o ambiente implacavelmente até uma conclusão final e brilhante tanto quanto ao seu próprio andamento quanto à obra como um todo.
Infelizmente, não encontrei gravações de bandas portuguesas a interpretar a obra, pelo que deixo-vos aquele que é, provavelmente, o mais mítico registo da mesma: a Koninklijke Harmonie van Thorn, dirigida por Jan Cober, precisamente no WMC, em Kerkrade.
Robert Smith tornou-se popular no meio filarmónico nacional graças à sua esplendorosa Divina Comédia.
No entanto, no seu catálogo encontramos também este pequeno “Into the storm”, com aquela sonoridade “signature”.
Curiosamente, sendo uma peça relativamente fácil, é difícil encontrar gravações boas no Youtube… o que é pena e cansativo. Ou então, a peça não é assim tão fácil. Vi vários vídeos ao vivo da obra até ter desistido e optado por esta gravação de estúdio.
A propósito, quando tocava na Banda de Souto, cheguei a tocar a parte de lâminas desta obra fora do coreto. O mesmo era demasiado pequeno, houve pouco tempo para montar a tralha e quando o concerto arrancou as lâminas ainda estavam do lado de fora… Foi bonito.
A obra foi inspirada na “Tempestade do Século”, de 1993, um imenso nevão que cobriu grande parte dos Estados Unidos. Aliás, consta-se que o próprio Rober Smith estava preso num hotel quando compôs “Into the storm” (faz sentido…).
– Mas vou tocar uma peça chamada “Danza Sinfonica”, conheces?
– Não…
– Vou-te mandar a gravação e a partitura de tímpanos para estudares. Depois vemos no ensaio de sexta-feira.
Esta é daquelas obras de um patamar composicional distinto daquilo que é o reportório habitual de uma filarmónica, no entanto, resulta muito bem. É uma boa espanholada, ainda para mais vinda de um americano.
Uma boa solução para maestros que se querem desafiar e desafiar os seus músicos.
Tanto pode ser “aquela” obra “diferente” a apresentar num concerto, como a resposta a uma Lenda do Beijo, Freitas e similares, num despique.
A “Danza Sinfonica” foi uma encomenda da Banda Sinfónica da Universidade de Auburn, tendo sido estreada a 17 de Abril de 2004, em Auburn, Alabama, sob a direcção do Dr. Johnnie Vinson. Estilo rapsódico, variações sobre um tema ou música de dança, esta composição viaja por diferentes “classificações”, apresentando-nos um colorido retrato da vizinha Espanha, com um delicioso gosto de Flamenco.
E como os portugueses são muito bons a tocar música de e sobre Espanha, aqui na interpretação da Banda Sinfónica da GNR, sob a direcção do Tenente Coronel João Cerqueira.
Estávamos em 1997, salvo o erro, e o meu primo António Mota diz-me: “tens que vir ver um concerto onde vou tocar, Orquestra de Sopros do Conservatório do Porto, dirigida pelo Maestro António Baptista!”
E lá fui até ao Fórum da Maia. Fui e acho que ainda lá estou.
Foi um dos concertos da minha vida. Uma orquestra de luxo, com alguns dos melhores músicos filarmónicos da época e da actualidade, alguns deles hoje professores e maestros, com um reportório inesquecível: The Typewritter, Les Papillons, o Coro dos Escravos de Nabucco, a Quarta Sinfonia de Alfred Reed, um Concerto para Trompa de Mozart, interpretado pelo nosso amigo Valdemar Sequeira e… Miss Saigon.
“O que é isto?”
Acho que cheguei a casa ainda de boca aberta, até porque voltamos a ouvir a obra no carro. Acho que terá sido com a Miss Saigon que percebi até onde uma orquestra de sopros, banda, o que seja, pode chegar.
Há quem diga que os arranjos de Johan de Meij são melhores que os originais.
Já tive a oportunidade de assistir ao vivo ao musical “Miss Saigon” e diria que o subtítulo do arranjo de de Meij está bem escolhido: a Symphonic Portrait.
Realmente, isto não é um simples medley. É uma reflexão do próprio de Meij sobre o arrepiante musical de Boublir e Schonberg, duo também responsável por “Os Miseráveis”.
Miss Saigon é a versão moderna de Madame Butterfly. O enredo conta a história sentimental de um soldado americano – Chris que se apaixona por uma linda nativa vietnamita – Kim – durante a Guerra do Vietname. A este propósito, convém dizer que, para meu espanto, o resumo do musical que a Molenaar tem no seu canal do Youtube está um bocado atrapalhado… a história não é bem assim, mas pronto.
Aqui fica na interpretação da Banda dos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras:
E dei por mim sem mais reportório para a segunda temporada.
Ou melhor, tinha mais duas obras que gostaria de partilhar convosco, mas não encontrei nenhuma gravação “decente” das mesmas. Aliás, de uma delas, não encontrei qualquer registo. É pena.
Portanto, para fechar a temporada “Música para um novo século”, acho que nada mais adequado de uma obra que “abriu” o século XX e que, em pleno século XXI, continua repleta de actualidade.
A “First Suite in E♭ for Military Band, Op. 28, No. 1” de Gustav Holst é considerada uma das principais obras-primas do repertório para bandas. Estreou oficialmente em 1920 na Royal Military School of Music, o manuscrito foi originalmente concluído em 1909. Junto com a subsequente Segunda Suíte em F para Banda Militar, escrita em 1911 e estreada em 1922, a Primeira Suíte convenceu muitos outros compositores proeminentes que música “séria” pode ser escrita especificamente para a banda. (in Wikipedia)
Esta obra está tão bem escrita que é quase “impossível” tocá-la mal e é uma pena que não se ouça mais por aí.
Acho que todos os compositores terão uma obra assim.
Nós ouvimos e pensamos “isto é dele? Não pode…”
No caso da obra de hoje, nós ouvimos e pensamos “isto é dele? Não pode… É dele, é.”
Obras disruptivas, mas com a assinatura do autor. Acontece da Música e na Arte em geral.
“É uma obra que me dá um enorme gozo ensaiar porque são os músicos a descobrir a obra, não eu.”
É assim que Afonso Alves se refere a “Secrets of an imperfect silence”, sinfonia N.º 2, em Sol menor, para orquestra de sopros.
“No último concerto que fiz, houve quem ainda descobrisse elementos novos na obra. Em termos de interpretação, claro.”
“Secrets of an imperfect silence” explora a textura e timbres numa orquestra de sopros.
Com uma estrutura de três andamentos, são abordadas formas de um silêncio imperfeito, como quando escutamos o silêncio da natureza, o silêncio da noite ou o silêncio do sono.
Quanto a mim, é mais uma obra destruidora de mitos e preconceitos.
Aqui fica em gravação realizada no concerto final com a banda do VIII Estágio técnico-artístico com Afonso Alves, organizado pela Sociedade Instrução e Recreio de Lares, Figueira da Foz, sob a batuta do próprio compositor.