As minhas mais remotas memórias filarmónicas são marcadas por esta marcha de concerto. Tocava-se praticamente em todas as festas da Banda de Crestuma. Mais tarde ouvi-a também pela Banda da Trofa mas, tirando estas duas bandas, não tenho conhecimento de mais alguém ter tocado a “Fiel”.
Curiosamente, até há dias, quando fui procurar alguma gravação da mesma, achava que seria obra de algum compositor português perdido nas brumas da memória.
É verdade que sou apaixonado pelas marchas de procissão monumentais, aquelas de carácter imponente e solene, que duram 10 minutos e carregam sobre si o peso dos andores.
Mas, convenhamos… em dias de Verão, com temperaturas acima dos 30 graus, o alcatrão a queimar-nos os pés, a boca seca, o peso dos instrumentos, piso irregular, subidas e descidas… é uma penitência para a qual não temos pecados suficientes.
Vai daí, a “nova geração” de marchas de procissão mais curtas dá um certo jeito.
Carlos Marques consegue com o seu “S. Martinho” um belo compromisso entre imponência, solenidade, introspecção em menos de cinco minutos. “Less is more” e os músicos agradecem.
“S. Martinho”, na interpretação da Banda de Coimbrões, dirigida pelo Maestro José Alexandre, num registo Afináudio.
Antes do “Manuel Joaquim de Almeida“, arrisco-me a dizer que esta seria a marcha de rua mais tocada em entradas, despedidas e “marcha em conjunto”.
Alberto Madureira da Silva, não sendo daqueles compositores com um espólio muito grande, consegue ter obras marcantes em diversas tipologias, populares e tocadas até à exaustão. E isso tem muito valor!
Partilho um vídeo do nosso amigo Damião Silva, no qual não se consegue ouvir a marcha toda, mas onde podemos matar saudades daquele ambiente de festa, que tão bem conhecemos.
Manuel Ribeiro da Silva deixou-nos um legado de 35 marchas militares e de concerto, 7 rapsódias populares, cerca de 40 números ligeiros, hinos, arranjos e outros.
Se “Desfolhando Cantigas” é explosão, fulgor, gradiosidade, excitação, “Aguarela Popular” traz consigo singeleza, pureza, uma certa humildade, sem perder o carácter festivo, dançante e colorido.
Aliás, arrisco-me a dizer que será a rapsódia que melhor combina a vertente mais melódica e cantabile, com a vertente mais rítmica e de bailarico.
Toquei-a diversas vezes na Sociedade Filarmónica de Crestuma. Tem um papel de triângulo que nos pode arrancar um pulso fora e aquele que, para mim, é o melhor “Malhão” das rapsódias portuguesas.
Ao contrário do que muita gente pensa e diz, as “Mornas e Coladeras” de Afonso Alves, não são um medley com temas de Cabo Verde.
Trata-se de uma obra inteiramente original, para a qual o compositor pesquisou, investigou e estudou durante três meses, tendo sido depois composta numa semana.
Tem um magnífico solo de clarinete que, segundo o próprio compositor, deve ser tocado, com a “ingenuidade e simplicidade de quem não sabe tocar”. Por isso, clarinetistas que enchem o solo de “reviangas” e glissandos e que até cometem o crime lesa-arte de o fazer à oitava superior, párem com isso. Se tiverem dúvidas, o compositor ainda é vivo, está contactável e é muito acessível e disponível.
Em Novembro de 2009, na Casa da Música, a Banda Fórum estreou uma versão com coro.
Lembro-me que, da primeira vez que toquei a obra, precisamente no dia em que conheci o Afonso, ele disse à percussão: “são livres de fazerem o que quiserem, mas lembrem-se que a linha que separa o ridículo do genial é muito fina”.
A verdade é que já toquei as “Mornas” dezenas de vezes com ele e nunca levei nas orelhas.
Aqui fica uma dessas “dezenas de vezes”. Banda Fórum – Filarmónica Portuguesa, ao vivo no Casino da Figueira da Foz, sob a direcção do próprio compositor. Eu sou o cromo sentado na bateria, mas há muita gente bonita a tocar.
Um dia sonhei que tocava oboé, fazia o solo da “Persis” e depois destruía o instrumento.
“Persis” (grego para Pérsia) é uma abertura-fantasia, que conta a história de um homem americano moderno que viaja no tempo até à antiga cidade persa de Persépolis.
Entra numa aventura selvagem e maravilhosa ao ser repentinamente cercado por uma arquitetura magnífica, grandes estátuas de mármore e belas obras de arte, numa das primeiras civilizações cultas conhecidas. Vira-se e vê uma bela mulher persa num pátio repleto de flores. É a mulher mais linda que já viu na vida, e está completamente cativado por ela.
Cuidadosamente aproxima-se dela e, milagrosamente, ela o reconhece como alguém que ela havia conhecido antes noutro tempo e lugar. Abraçam-se e compartilham um breve e feliz momento juntos. Mas sua presença no pátio real é proibida e ele é perseguido por guardas armados. Enquanto corre freneticamente pelos corredores da cidade, reflete tristemente sobre o romance que poderia ter acontecido.
Tudo isto e um papel diabólico para xilofone.
Banda Quinta do Picado, dirigida por Bruno Martins.
É verdade que esta rúbrica continua a surpreender o autor.
Coloquei o “Orfeu nos Infernos” na minha lista e, quando vou procurar gravações de bandas portuguesas no Youtube, surgem apenas duas. Mas, com todo o respeito pelas bandas que as protagonizam, achei que a qualidade não era a suficiente para a partilha.
Sendo uma obra tão tocada, é estranho haver tão poucos registos.
É o que é.
Por isso, recorro hoje à Banda da Marinha dos Estados Unidos, com uma orquestração bem interessante e ligeiramente diferente daquilo que estamos habituados a ouvir por cá.
Ópera burlesca de Jacques Offenbach, “Orfeu nos Infernos”é uma sátira ao mito de Orfeu.
«Orfeu e a sua mulher Eurídice não fazem uma típica vida de casal, estão cansados um do outro e, por isso, já nenhum deles é fiel aos votos do matrimónio. Enquanto Orfeu se encanta com as suas belas alunas, Eurídice jura amor a Aristeu. Depois de descoberta a traição e em prol da sua imagem, Orfeu prepara a morte do amante da mulher e esta corre para lhe contar os planos do marido… Aristeu (na verdade, é Plutão disfarçado) atrai Eurídice e toma o mesmo veneno que ela, em nome do amor. Ela morre e é conduzida por Aristeu/Plutão para o inferno. Orfeu fica feliz com a morte da mulher, mas, para seu desfortúnio, a opinião pública exige-lhe que a vá salvar.
Entretanto, no Monte Olimpo, os deuses exigem mais diversão e melhor comida.
Já no Inferno, em virtude de investigar a difícil situação, na qual se encontra Orfeu, o próprio Júpiter, disfarçado de mosca, apaixona-se por Eurídice. Na festa dos “olimpianos”, Júpiter consente que Orfeu recupere a sua mulher, desde que não se vire para trás no seu regresso. Mas Júpiter provoca Orfeu e este vira-se e Eurídice é forçada a permanecer no Inferno, como bacante.» (in: http://www.teatroaveirense.pt/evento_detalhe.asp?id=1608)
E pronto, está dado o mote para pôr as bailarinas dos cabarets a dar à perna.
Por cá, é mais uma que põe os coretos a abanar. Obra que marcou a minha “infância filarmónica” e que ainda está na estante da Banda Visconde de Salreu.
Aqui há anos ouvi uma uma história engraçada sobre esta marcha de concerto.
– Não gosto desta marcha…
– Porquê?
– Tem um título feio!
– Muda para inglês!
“Master Alfred’s Cornet” ou “Master Alfred’s Bugle”
(não está mau, não senhor)
Tenho a impressão que o “Cornetim do Mestre Alfredo” já foi mais tocado do que é actualmente. Foi ultrapassado por composições mais arrojadas e impactantes, mas não fica nada mal para desenjoar do reportório que toda a gente toca.