António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

“Quo Vadis” – A. Scassola

Maio 26th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 16 de Abril de 2021)

 

Ao contrário do que muita gente pensa, a abertura “Quo Vadis”, do compositor italiano A. Scassola, não é a banda sonora do épico filme de 1951, até porque Scassola morreu em 1938.
O que é pena, porque é um filme do carago, até tem um forcado português na equipa de duplos e eu iria adorar relacionar as duas coisas…
Provavelmente, Scassola inspirou-se no livro que daria origem ao filme. Ou então, estava apenas a perguntar a alguém “onde vais?”
Esta lenga lenga toda, porque, apesar de ser um verdadeiro clássico filarmónico português, um calhau à moda antiga, o Quo Vadis diz-me pouco. Toquei-a uma ou duas vezes e estudei a partitura para um curso de Direcção. Felizmente, o Pedro Silva ofereceu-se para a dirigir no concerto final e eu safei-me.
E, como o Paulo Veiga tem sido um dos seguidores mais entusiastas desta rúbrica, deixo aqui um vídeo da sua interpretação à frente da Banda da Póvoa de Varzim. Parabéns, Paulo!

“Cassiopeia” – Carlos Marques

Maio 26th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 15 de Abril de 2021)

 

Em 2004, Portugal enchia-se de cor. Bandeiras nas janelas, nas varandas, nos automóveis. Visitantes garridos de toda a Europa… e um balde de água fria na Final. Valeu-nos Gelsenkirchen.
E Carlos Marques – Compositor (a quem lanço o repto de deixar aqui o seu comentário na primeira pessoa sobre a obra em análise e corrigir algum disparate aqui exposto) lançava para as estantes de bandas filarmónicas, de todo o Portugal, a “Cassiopeia”. E que estrondo!
Dois anos depois a obra era editada pela Molenaar e, actualmente, é tocada no Mundo inteiro. Duvidam? Pesquisem no Youtube e vejam a quantidade de bandas estrangeiras que tocam a Cassiopeia.
Anos antes, Carlos Marques já tinha entrado para a “mitologia filarmónica” ao lançar o disruptivo “Português Suave” (que também terá direito a uma reflexão neste espaço), mas a Cassiopeia (corrijam-me se estiver errado) foi a primeira obra de um compositor português escrita em “estilo americano/holandês”.
Não sendo tecnicamente difícil, tem tudo para resultar em palco, ou em arraial: elementos épicos, solenes, introspectivos, explosivos.
No geral é das melhores coisas que se ouve por aí, porque está tão bem feitinha que não dá grande margem de erro ao executante.
Depois da Cassiopeia, outras grandes obras surgiram do talento de Carlos Marques, das quais destaco “The Transit of Venus”.
Contudo, a Cassiopeia foi um ponto de viragem no reportório filarmónico nacional.
Sabemos que estamos velhos quando, uma obra de 2004, já entra na galeria dos clássicos.

“Momentos Menores” – Ilídio Costa

Maio 26th, 2021
(texto inicialmente publicado no Facebook, a 14 de Abril de 2021)
É incontornável voltar a Ilídio Costa.

Não conhecendo eu na totalidade o seu reportório, arrisco-me a dizer que esta será a sua obra-prima, ou uma das suas obras-primas.
Há um ano, uma semana antes do confinamento, tive o privilégio de tocar esta obra, dirigida pelo próprio. Meus amigos… valeu cada minuto de ensaio. Ilídio Costa tem uma musicalidade única, uma apaixonante paixão pela Música, um sentido de humor refinado, uma obstinação pela perfeição, uma determinação pelo detalhe…
E ainda “refilou” por terem adulterado a sua orquestração quando decidiram “passar os papéis a computador.”
“Vou dirigir pela minha própria partitura manuscrita!”

Ilídio Costa classificou os “Momentos Menores” como “Divertimento”.

Imagino que tenha sido divertido compor isto, como é divertido tocar, mas considero que a obra é bem mais profunda que um “simples” divertimento.

É daquela Música que nos toca intimamente, sem sabermos muito bem porquê. Talvez porque o resultado final é muito mais do que a simples sobreposição de elementos: melodia, harmonia, contraponto, ritmo… Há um elemento imaterial na criação do artista, que sentimos, mas não vemos na partitura, que torna a obra sublime.

Partilho-vos a interpretação da Banda de Golães, por dois motivos:
1º – Por ser fiel à leitura do compositor.
2º – Por ser um admirador do trabalho do Filipe Fonseca como maestro (por exemplo, vejam como se pode dirigir um “Vivo”, sem esbracejar como se o Mundo fosse acabar).
Siga a Música!

“Abba Gold” – Ron Sebregts

Maio 26th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 13 de Abril de 2021)

E agora, algo completamente diferente…
Se, Amílcar Morais, foi o grande responsável pela introdução de reportório “pop” nas bandas filarmónicas portuguesas, Ron Sebregts, através das edições “De Haske Publications” foi o grande responsável por uma explosão de medleys e arranjos de música ligeira que invadiram os coretos em meados dos anos 90 e ainda hoje continuam em rotação.
É verdade que, anos mais tarde, os brilhantes arranjos de Luís Cardoso viriam roubar “airplay” ao pseudónimo “pop” de Jacob de Haan (sim… Jacob de Haan e Ron Sebregts são uma e a mesma pessoa) mas, tudo somado, Abba Gold, editado em 1993, ainda deve bater records.
O arranjo é bom? Na minha opinião, é banal. Mas, quando apareceu por cá, era algo de novo e a música dos ABBA é boa e intemporal. Tudo somado, deu no que deu. Foi muito mal tocadinho, muito maltratado mas, tudo isso, dá-lhe um carácter mítico e representativo de uma faceta das bandas que, a meu ver, tem melhorado muito: a interpretação de música ligeira.
Felizmente, o Luís Cardoso editou o “Abba Mia” e o “Abba Gold” eclipsou-se um bocado.
Discussões artísticas à parte, aqui fica a interpretação da Tokyo Kosei.
Tira o pé do chão!
“You can dance, you jive, having the time of your life!”

“Pérola 59” – Ângelo Moreira

Maio 26th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 12 de Abril de 2021)

Só preciso que alguém me diga o porquê do “59”, porque todos sabemos que esta marcha de concerto é realmente uma “Pérola”.

Se houvesse para as bandas um site tipo “Zero Zero”, que contasse todas as vezes que determinada obra é tocada, certamente a “Pérola” estaria nos primeiros lugares. É uma obra transversal, tocada desde as bandas mais modestas, às bandas de “champions league”.
A “Pérola” é a prova de que uma peça para Banda não precisa ser difícil, nem de grandes artifícios, para ser bonita. E não encontro outro adjectivo para a “Pérola”: bonita. E é tão característica da nossa portugalidade filarmónica.
E agora, um toque pessoal…
Desde o início desta rúbrica tenho preferido partilhar gravações de estúdio, para garantir uma melhor qualidade de som, sem os ruídos de fundo dos arraiais.
Contudo, quando escrevi “Pérola 59” no Youtube, apareceu-me este vídeo e nem pensei duas vezes.
O Hugo Oliveira é meu amigo de infância. Andamos na mesma turma desde o 1º ao 7º ano, mais os tempos de Conservatório, mais tantos e tantos anos de amizade, à semelhança dos nossos pais. Um dos dias mais felizes da minha vida filarmónica, foi quando fui dirigido por ele a primeira vez.
Ele é um grande Músico e um grande Maestro e isso nota-se na maneira como a Marcial de Fermentelos toca.
Ele não tem Facebook, mas sei que a mensagem vai chegar.

“Desfolhando Cantigas” – Manuel Ribeiro da Silva

Maio 26th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 11 de Abril de 2021)

 

Confesso que já fui um snob que desdenhava rapsódias. Principalmente, porque grande parte das bandas as tocava “meia bola e força”, “bota e vira, Zé Vieira”. O que até se compreendia, dado que a rapsódia sai mesmo no fim da festa e não há embocadura para grandes cuidados.
Mais ou menos a partir de 2011, comecei a recuperar o gosto pelas rapsódias, principalmente estas mais antigas de Manuel Ribeiro da Silva. Aliás, a triologia “Aguarela Popular” (a rapsódia com o melhor “Malhão” de sempre), “Portugal a Cantar” e, claro, “Desfolhando Cantigas”, são tratados de como manter o público “preso” durante 20 minutos, mesmo durante as secções centrais de Fado, mesmo com orquestrações simples, sem grandes filigranas.
“Desfolhando Cantigas” é “a” Rapsódia. Tem tudo. E até tem cor e cheiro. Cheiro a Minho, a Arraial, a Coreto, a Romaria. Tem a cor dos Cabeçudos e das Procissões, das ruas ornamentadas, das flores pelo chão.
Aqui há anos, questionei o José Ricardo Freitas sobre a forma empolgada como dirige isto e ele respondeu emocionado: “Porque isto é o que eu sou, eu sou do Minho, eu cresci com bombos e cabeçudos!” (mais coisa, menos coisa, entre uns goles de cerveja, enquanto passava por nós o cortejo etnográficos das Feiras Novas, em Ponte de Lima…).
Porque hoje é Domingo, não podia ser outra coisa.

P.S. – Aqui há anos, estava eu a tocar tenor e tinha atrás de mim o Paulo Marques. Já era quase meia-noite e diz o Maestro “Desfolhando Cantigas”. O Paulo refilou, mas fez um espectacular solo de bombardino. Acho que nunca mais me vou esquecer.

“La France” – Briot

Maio 25th, 2021
(texto inicialmente publicado no Facebook, a 10 de Abril de 2021)
Não… nem tudo são rosas ou memórias doces… Hoje, partilho convosco uma espinha na minha garganta filarmónica.
Depois de obras ligeiras, uma marcha de concerto, uma zarzuela, queria inserir nesta rúbrica um calhau mas, a verdade, é que os calhaus permanecem vivos e a fzer furor. Não encontrei, assim de repente, uma calhausada que esteja no esquecimento. É certo que já há bandas a abdicar das transcrições de orquestra e do reportório mais “clássico” mas, no geral, acho que 1812, Tannhouser, Rienzi, Inferno, Juízo Final, Capricho Italiano, ainda andam por aí bem pujantes.
Contudo, lembrei-me da “La France”, obra de um tal de Briot, que toquei inúmeras vezes, a maior parte delas contrariado. Quando o maestro dizia “La France”, “La France Suite”, ou “Suite La France”, estragava-me o dia.
Supostamente, é uma suite, mas mais parece algo como “variações sobre a Marselhesa”.
Era (e acho que ainda é) usada como abertura, principalmente por bandas que não tinham arcaboiço para tocar os calhaus mais pesados. Ou então, estava na capa para encher reportório ou para uma emergência.
À distância, continuo a achar a obra aborrecida, mas partilho pelo seu valor nostálgico e simbólico, no panorama filarmónico do século XX.

“La Leyenda del Beso” – Soutullo y Vert

Maio 25th, 2021
(texto inicialmente publicado no Facebook, a 9 de Abril de 2021)
Toda a gente aprecia uma boa espanholada. Sabe bem uma boa espanholada, principalmente no concerto da noite, antes de a coisa virar para o ligeiro.
“A Lenda do Beijo” deve ter sido das espanholadas mais tocadas e, felizmente, ainda se ouve por aí. Mas a tradição da espanholada tem-se perdido um bocadinho e isso deixa-me triste.
Nos anos 90 era mais frequente ouvirmos obras como “La Torre del Oro”, “La del Soto del Parral”, “As Bodas de Luis Alonzo”, “Aires Andaluces” ou as “Malagueñas” (não tenho a certeza que este fosse o título principal), peça óptima para exibir um trompetista virtuoso.
Nos últimos anos, este género de reportório tem sido substituído por obras mais “comerciais” dos compositores da moda da vizinha Espanha. Honestamente, apesar de serem obras com impacto, não me caem no goto, porque soam todas iguais. Os mesmos ostinatos, os mesmos recursos orquestrais… encontramos compassos exactamente iguais em diferentes obras do mesmo compositor. Mas isso são outros quinhentos.
Vamos aproveitar esta espanholada…
(não exagerei no uso da palavra “espanholada” pois não?)

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.