(texto inicialmente publicado no Facebook, a 8 de Junho de 2021)
Há quem avalie os compositores pelo tamanhão, dificuldade e impacto das suas obras. Está certo.
Eu avalio também e principalmente pelas emoções que despertam.
E pode uma pequena e simples marcha emocionar-nos? Claro. Há muitos exemplos nas nossas cadernetas, onde deveria andar “A Cidade” de Antero Ávila.
“Ah… é uma marcha de concerto.” Mas eu acho que se abdicarmos daquele ritardando, dá para se tocar na rua, às voltinhas da capela, para desenjoar do “Xabia”.
Uma marcha que tem o seu quê de americana, alemã, italiana e açoriana.
(texto inicialmente publicado no Facebook, a 7 de Junho)
Hoje estou um bocado amargo…
Na literatura, não podemos pegar num texto numa língua estrangeira, metê-lo no Google Translator e considerar que está traduzido. É preciso dominar a língua estrangeira, compreendê-la como se fosse a nossa língua, compreender o sentido do texto e, só depois, transpô-lo para o nosso idioma.
Assim é, ou deveria ser, com os arranjos de temas pop-rock.
No seu “Inuuendo”, Jorge Salgueiro, não se limitou a “arranjar”.
Entrou no tema, compreendeu-o, sentiu-o, viveu-o e depois veio cá fora contar-nos o que viu lá dentro. E o que viu foi belo. Freddy Mercury a dançar o bolero de Ravel com a Carmen.
Mas… há o reverso da medalha. Por se tratar de um tema “ligeiro”, algumas bandas acham que é fácil. Depois dá asneira. Achar que o “Innuendo” é fácil, é desconhecer Queen e desconhecer Jorge Salgueiro.
“O tema Innuendo, de 1991, é uma composição de cerca de sete minutos (na sua versão original) que transpõe os limites do pop-rock. Fazendo uso do modo frígio de inspiração cigana, que no início surge ainda em ambiente rock, deixa adivinhar desde logo uma segunda secção assumidamente flamenca. Não é por acaso que o arranjo de Jorge Salgueiro, escrito em 2000, recorre à técnica da citação, encontrando-se nele breves referências à Carmen de Bizet e ao Bolero de Ravel – obras de clara inspiração espanhola.” in site oficial da Casa da Música.
Aqui na cuidada interpretação da banda de Gueifães, dirigida por Abílio Teixeira. Gravação: Afinaudio
(texto inicialmente publicado no Facebook, a 6 de Junho)
Como já tive oportunidade de referir, gosto muito do Nelson Jesus enquanto compositor, por três motivos:
1º – Por inspirar as suas obras na tradição e raízes filarmónicas
2º – Por, ao mesmo tempo, ser inovador, sempre com critério.
3º – Pela imensa criatividade
A Banda Marcial de Fermentelos celebrou o seu 150º aniversário, pedindo a alguns compositores portugueses para comporem uma obra a assinalar a efeméride.
Nelson Jesus escreveu o fantástico “1868”, descrito desta forma pelo próprio:
“*1868 – A Banda Marcial de Fermentelos tem para mim a virtude de ser um agrupamento musical de grande versatilidade. Tanto é uma banda de forte tradição e bem enraizada no seio das melhores festas e romarias do país, como se sente à vontade nos mais exigentes palcos de concerto. Pegando na ideia do reportório tradicional, resolvi escrever um “calhau”.
O “calhau” é aquela peça antiga, cheia de notas, de papel amarelo! São as transcrições de aberturas de ópera e andamentos de
sinfonias da época romântica (altura da fundação da BMF). Esta peça é baseada em texturas e cores de algumas obras compositores da referida época revisitada. A orquestração tem por base as antigas transcrições em detrimento dos sons mais puros. Sentimos Korsakov, as madeiras dedilham Lizst, os metais cantam Wagner e Bruckner. Tchaikovsky é um ponto obrigatório nesta viagem, até na ideia do nome, ou não fosse a sua abertura “1812” uma peça obrigatória em qualquer arquivo das bandas do Norte.
A secção central da obra tem um aroma a fado e relembra a saudade da época de forte emigração para a América do Sul que tanto afectou a BMF. O hino da Marcial é escutado por diversas vezes. A peça termina com um Allegro Marcial, justificado no nome que a banda carrega, marchando em triunfo até ao final, até outros 150 anos.”
Já tive a honra de a tocar e confirmo tudo.
E aqui está o exemplo de uma obra “de concerto” que também é “de arraial”. Um “calhau” do século XXI.
Como não poderia ser de outra forma, Banda Marcial de Fermentelos, dirigida pelo Maestro Hugo Oliveira.
(texto inicialmente publicado no facebook, a 5 de Junho)
“Mais Alto e Mais Longe” (que durante uns tempos se chamou “Mais Alto e Mais Além”), foi a primeira obra de maior complexidade e carácter “sinfónico” de Afonso Alves com a qual contactei, tendo o privilégio de a ter tocado, diversas vezes, sob a direcção do próprio.
“Não foi uma boa inspiração, mas foi uma forte inspiração.”
«Inspirada no tsunami que varreu a costa asiática em 2003, foi composta a pedido da Cruz Vermelha para um concerto de angariação de fundos. No entanto, como coincidiu com o 95º aniversário do Orfeão do Porto, a obra acabou por contemplar os dois acontecimentos, retratando a criação desta instituição e tendo recebido o seu lema como título.
A estrutura desta obra é, na generalidade, contrastante nos vários temas por onde nos transporta. Exemplo disto é a última secção do Allegro. No Adágio, são retratados os momentos de dor e sofrimento após a catástrofe do tsunami. No final deste andamento, aumenta a complexidade do tema, caminhando para o Allegro que, com complexidade crescente e compassos irregulares, nos faz sentir o nervosismo da busca pelos entes queridos e a confusão quando as águas desceram.
Esta obra, sempre densa e muito complexa, leva-nos até ao andamento final solene, majestoso e cheio de esperança.»
“Mais Alto e Mais Longe” revela a versatilidade composicional de Afonso Alves e a sua capacidade de nos surpreender a cada novo trabalho. A sua assinatura está lá, nas linhas melódicas (principalmente na parte mais introspectiva), na interligação dos diversos planos sonoros, nos pormenores quase “barrocos” das madeiras agudas, na escrita cuidada para a percussão…
Interpretação da Banda dos Arcos de Valdevez, direção de Idílio Nunes.
(texto inicialmente publicado no Facebook, a 4 de Junho de 2021)
Segunda Temporada – Música para um novo século
Muitas vezes comparo a música à gastronomia. Gosto muito de como o “chef” Carlos Marques põe a mesa e serve bons pratos.
A cada estágio da Banda Fórum – Filarmónica Portuguesa, o Afonso Alves costuma contactá-lo a perguntar “tens alguma obra que queiras sugerir para tocarmos?” e, uma vez, lá veio “The Transit of Venus”.
Gostei tanto que, tempos mais tarde, quando o Manuel Luis Azevedo me perguntou se lhe queria sugerir alguma obra para tocar na Banda de Souto, recomendei-a de imediato. E olhem que até resulta bem “em arraial”.
“(…)inspirada no fenómeno astronómico ocorrido em 2004 que a comunidade científica chamou de “Trânsito de Vénus”. Sem pretender ter o carácter descritivo de um poema sinfónico, esta obra está dividida em três secções distintas onde o compositor procura descrever ambientes e texturas que de alguma forma nos remetem ao conhecimento, à nobreza e à grandeza inerentes à aventura espacial.”
Para mim, a secção que começa com o solo de tímpanos, seguido de trombone e ao qual se junta o trompete, é daqueles momentos tão bem confeccionados que dá vontade de repetir, voltar sempre ao mesmo restaurante e dizer a todos os nossos amigos que lá se come muito bem.
Um grande momento criativo de Carlos Marques.
Aqui, na interpretação da Banda da Força Aérea Portuguesa, dirigida pelo Capitão Rui Silva.
P.S. – Grande abraço ao meu amigo Paulo Carvalho que está ali a “malhar” nos tímpanos.
(texto inicialmente publicado no Facebook, a 3 de Junho de 2021)
Segunda Temporada – Música para um novo século
“Ah… essa obra não é para banda.”
Porque não? Pela instrumentação? Por ser difícil? Por já não se arranjarem sacos de plástico nos supermercados?
A Banda de Alcochete já a levou a um concurso. E parece que ganhou.
“Eli, Eli”, opus 31, expõe todo o arrojo e, ao mesmo tempo, brilhantismo de Luís Cardoso .
Apaixonei-me por ela à primeira audição e visito-a bastantes vezes.
Quem tiver interesse nas questões técnicas, poderá consultar a tese “Processo Composicional na Música Modal de Luís Cardoso Para Banda”, de Luís Macedo , Universidade de Aveiro, 2013. Recomendo. Está muito rico.
“Eli, Eli” (Meu Deus, meu Deus), é uma reflexão sobre a perda de espiritualidade na sociedade ocidental. Quanto a mim, considero esta composição verdadeiramente transcendente, culminando naquele intenso final dos metais. “Bells up!”
“Eli, Eli” é um desafio, mas não é impossivel. Porque não arriscar?
(texto inicialmente publicado no Facebook, a 2 de Junho)
Segunda Temporada – Música para um novo século
Uma das melhores coisas que a Banda Fórum – Filarmónica Portuguesa me deu foi a possibilidade de conhecer o reportório de Antero Ávila. Felizmente, não só conheci o compositor, como fiquei seu amigo e, mesmo separados por um oceano, há muito que nos une.
Dotado de uma grande sensibilidade, estudioso, o Antero é daquelas pessoas que trata a Música como parte de si e isso reflecte-se nas suas obras.
Fantasia Ligeira, Arquipélago, 3 Oceanos, A Cidade… obras que nos deliciam a cada compasso e, infelizmente, pouco tocadas.
Num dos últimos estágios da BF-FP, o Antero desafiou-nos com os seus “12 Titãs”. Após o primeiro ensaio afirmei: “que boa obra para responder ao 1812 ou ao Inferno.”
Ontem, pedi-lhe para falar um pouco sobre a sua obra, aqui fica a conversa:
– É uma música que usa, em algumas partes, escalas octatónicas, o que dá uma sonoridade com “coloridos” diferentes. Alternando partes mais rápidas e aguerridas com partes mais românticas. Tem uma fuga que abre caminho até um clímax em que se ouve o tema lento e com muita densidade de vozes.
(texto inicialmente publicado no Facebook, a 1 de Junho de 2021)
Segunda Temporada – Música para um novo século
Ao longo da Primeira Temporada, foram-me sendo sugeridas algumas obras que não se enquadravam, propriamente, no conceito “clássico”. No entanto, são obras de qualidade, algumas delas pouco tocadas, quase desconhecidas. Por isso mesmo, irei dar-lhes algum espaço.
No entanto, para este primeiro “episódio” escolhi uma obra já batidinha. Quase já se pode dizer que é “clássico”, mas escolhi-a por outros motivos.
“Jorge Salgueiro compõe regularmente desde os 14 anos, sendo autor de mais de 300 obras, entre diversa música para orquestra, banda, coro, de câmara, para teatro, cinema, bailado e para crianças.
Foi entre 2000 e 2010 compositor residente da Banda da Armada Portuguesa.” (fonte: site oficial do compositor)
O seu pasodoble “Vila Franca” foi inicialmente composto para quinteto de metais, mas é nas bandas que tem feito sucesso. Três minutos de pujança e não é preciso mais. Ao som de “Vila Franca”, já vi coretos a abanarem por todos os lados.
Data de 2002 e, o seu aparecimento nas estantes das bandas portuguesas, corresponde ao período de transição no reportório filarmónico nacional.
Sobre a escrita de Jorge Salgueiro falaremos mais tarde mas ele escreve como ninguém e ninguém escreve como ele.
Aqui fica a “Vila Franca”, pela Banda Castanheirense, dirigida por Pedro Ralo.