(texto inicialmente publicado no Facebook a 24 de Junho de 2021)
Nem só de obras monumentais vive esta rúbrica.
As marchas fazem parte do ADN das bandas, de tal forma que há por esse país fora centenas de colectividades que fazem questão de o mencionar no seu próprio nome: “Banda Marcial de…”
Uma banda precisa marchar. Orgulhosamente.
E porque não ao som de “O Guicho”, marcha de homenagem a João Dias, da autoria de Antero Ávila e encomendada pela Banda Musical de Parafita – Montalegre. E nota-se bem que esta marcha foi composta entre Portugal e os E.U.A.
E não é à toa que a partilho hoje.
O meu grande amigo Antero Ávila faz anos e não há melhor forma de celebrar o seu aniversário que partilhar a sua música.
Portanto, formar a 4, alinhar pela direita e pela frente e a marcha é o “Guicho”.
Parabéns, Antero, pelo teu aniversário e por mais este pedacinho delicioso de música.
(texto inicialmente publicado no Facebook a 23 de Junho de 2021)
Costuma-se dizer que a primeira vez nunca se esquece. E não me esqueço da primeira vez que toquei “Lusitanidades”, dirigido pelo meu amigo Diamantino Monteiro, papel de tímpanos à primeira vista e cá vai disto.
“Lusitanidades” pegou em mim, atirou-me ao ar, fez-me rodopiar e a seguir estatelou-me no chão.
Tenho bonitas histórias com a “Lusitanidades”. Num concerto especial, deram-me o papel de lâminas e dizem assim “Isto é difícil, mas preciso que toque apenas nos ensaios, pois no concerto vem Fulano XPTO que toca isso na boa.”
E eu tudo bem.
Meia-hora antes do concerto: “Sr. Percussionista [nunca me tinham tratado assim], os papéis estão estudados? É que o Fulano XPTO afinal não vem.”
Correu bem? O importante é ter saúde.
Histórias à parte, gosto muito da obra. E é sem vergonha que digo que a secção da “Chuva” (solo de fliscorne”) faz-me sempre chorar… Obrigado, Carlos Marques.
“Encomendada pela Câmara Municipal de Espinho para ser interpretada no Dia do Munícipio, em 2011, Lusitanidades é uma selecção de música tradicional ou de cariz tradicional português, caracterizada por um ambiente alegre e informal.“
Para mim, é mais do que isso: é um lindo poema sinfónico sobre Portugal.
Aqui fica na interpretação da Banda Velha União Sanjoanense, dirigida por Arnaldo Costa, com gaitas de foles, bombos e cabeçudos e com uma excelente realização por parte da RTP. É difícil encontrar realizadores que respeitem a partitura nos planos que fazem.
(texto inicialmente publicado no Facebook, a 22 de Junho, de 2021)
Segunda Temporada – Música para um novo século
Era Domingo de manhã. Fui à Casa da Música ver a Banda Sinfónica Portuguesa, dirigida por um dos meus maestros favoritos: Pedro Neves.
Fui atraído pelo Maestro e pela curiosidade em ouvir a “Sagração da Primavera”, na versão para banda sinfónica.
Do programa constava também “Tétis” de Luís Cardoso e “Africa: Ceremony, song and Ritual” de Robert Smith.
Vamos parar ali em Águeda, terra de onde é natural, também, Pedro Neves.
Luis Cardoso presenteia-nos com uma obra grandiosa, avassaladora, tensa, que nos mantém sempre os sentidos despertos e uma permanente sensação de “o que é que vem a seguir?”
«Na mitologia grega, Tétis personifica a fecundidade da água, que alimenta os corpos e forma a seiva da vegetação. Luís Cardoso, procura [e consegue muito bem] conciliar um ambiente tempestuoso com a ideia poderosa da fecundidade.
Tétis é das minhas obras favoritas de Luis Cardoso e uma das suas mais geniais criações.
Não é para qualquer banda mas… porque não?
Banda Sinfónica da GNR, direcção Maestro João Cerqueira.
(texto inicialmente publicado no Facebook, a 21 de Junho, de 2021)
É curioso… toquei isto dezenas de vezes, seguramente, mas nunca tinha “ouvido”. Ou seja, sentir a obra sem estar a olhar para a pauta ou a contar compassos.
Ao ouvir hoje os “Três Oceanos”, acho que finalmente percebi porque é que o Afonso Alves se emociona tanto a dirigir isto. Quem já tocou sob a sua batuta, sabe do que falo.
Desculpem, mas hoje não consigo desenvolver mais. A Música fala por si.
“Três Oceanos” (mas podia ser o Planeta inteiro), de Antero Ávila, na interpretação da Banda Fórum – Filarmónica Portuguesa, dirigida por Afonso Alves.
(texto inicialmente publicado no Facebook, a 20 de Junho)
Aqui há anos, assisti com uma certa estupefação a um maestro que ensaiava a “Vila Franca” de Jorge Salgueiro de uma forma que em nada tinha a ver com Jorge Salgueiro. Eu pensava para com os meus botões “mas este fulano nunca ouviu nada de Jorge Salgueiro? nunca viu o próprio a dirigir as suas obras? não estudou nada sobre o compositor?”
“Ah… é a minha interpretação…”
Quando ouço esta frase fico cheio de “comichões”.
1º – Porque “a principal missão do Maestro é defender a partitura” (José Rafael Pascoal-Vilaplana);
2º – Porque interpretar não deve ser sinónimo de distorcer, alterar o carácter, desrespeitar o compositor.
Então, para limpar os ouvidinhos, fui ao Youtube e pesquisei “Jorge Salgueiro”. Saltou-me logo à vista uma obra chamada “Cerimonial Stereo”.
Sou um gajo que se vende facilmente pelos títulos.
E… eu tinha razão.
Isto é tão válido para Jorge Salgueiro, como para outro compositor qualquer.
O Afonso Alves costuma dizer “caramba… eu ainda estou vivo! As pessoas podiam falar comigo antes de tocarem as minhas obras!”. Isto a propósito de clarinetistas que decidiam (pela sua interpretação) transformar o solo das “Mornas e Coladeras” em Benny Goodman. Não, não, amiguinhos. Cabo Verde não é Nova York.
Desculpem, mas ainda estou traumatizado pelas histórias de ontem, partilhadas pelo Afonso e pelo Nelson Jesus. O primeiro, que vê as suas obras criticadas porque não as conhece; o segundo, que tem que lutar contra os preconceitos snobs relativos à palavra “rapsódia”.
Vá… ouçam o “Cerminonial Stereo” e bebam um copo de vinho, ou dois.. Duas versões, ambas pela Banda da GNR.
(texto inicialmente publicado a 19 de Junho de 2021, no Facebook)
A vantagem de partilhar coisas do Nelson Jesus, é que ele tem por hábito facilitar-me o trabalho:
«1. Fado Menor do Porto
2. Moda do Entrudo
3. Valsa Antiga
4. Cava Vinha Malhão
5. Palácio de Cristal
6. Clérigos
7. Vinho do Porto
8. Fado Menor (reprise)
9. Finale
Fui ao Douro à vindima,
Não achei que vindimar.
Vindimaram-me as costelas,
Olha o que lá fui ganhar!
Todos os dias sinto em mim saudades do Porto, da região Norte, e esta peça é um reflexo desses meus sentimentos. Desde que comecei a compor, tinha como objectivo escrever uma peça em cada uma das formas mais tradicionais das bandas filarmónicas portuguesas. Apenas me faltava a rapsódia, uma forma musical tão depreciada nos dias de hoje e todavia já utilizada com grande sucesso tanto junto do público como em favor da música, tendo como exemplos: Liszt (Rapsódias Húngaras), Ravel (Rapsódia Espanhola), Enesco (Rapsódia Romena), Gershwin (Rhapsody in Blue) e muitas mais de entre Brahms, Debussy, Rachmaninoff, Chabrier, Vaughan Williams… Daí me custar que as rapsódias portuguesas, tais como as de Frederico de Freitas, Victor Hussla, Fortunato de Sousa e Joaquim Luís Gomes fiquem escondidas sob um manto de vergonha e de algum snobismo por parte dos agentes musicais deste século, somente porque cheiram a povo. A Rapsódia ajudou os compositores do Romantismo a quebrarem a rigidez da forma sonata e o nome está ainda associado na literatura aos episódios de poemas Homéricos que também cantavam os feitos do povo.
Construída como se fosse uma suite (rapsódica), ao estilo dos grandes compositores de música para banda do início do séc. XX (também eles nacionalistas e orgulhosos da sua música popular), tem nove partes constituintes que se interligam numa forma livre, próxima ao improviso, justapondo os temas populares com os originais, dos sabores folclóricos aos mais abstractos, as variações e os solos instrumentais.
A música tenta ainda, se bem que de forma não contínua, retratar programaticamente, como um poema sinfónico, algumas situações, citações e lugares do Porto.
1. Fado Menor do Porto: é um tema original (retirado de uma peça incompleta e pensada para o I Concurso de Composição BSP. Funciona como leitmotiv articulador de discurso musical. Ao lamento do corne inglês podem juntar-se os primeiros versos de Mar Português de Fernando Pessoa.
2. Moda do Entrudo: tema da cantadeira e do seu adufe. Douro, gentes de folia.
3. Valsa Antiga: dança das rabecas e guitarra, para os bailes das adiafas.
4. Cava Vinha Malhão: a enxada apenas cai na terra à ordem do “mandador”. Douro, gentes de trabalho.
5. Palácio de Cristal: parte central e mais pessoal da obra. Tendo vivido perto destes jardins, por lá corri, por lá toquei, compus, escrevi… Toda a música tende a reflectir a imagem dos tempos de glória do antigo Palácio de Cristal, o solo de fliscorne é a ligação ao passado pois todas as antigas rapsódias de banda tinham o seu canto vibrante e muitas delas tocaram naqueles e noutros jardins da cidade. O grande órgão do palácio, jóia musical perdida e destruída, é também relembrado, juntamente com a marcha dos populares que, revoltados, foram impedir a sua destruição. Infelizmente não conseguiram.
6. Clérigos: símbolo maior da cidade do Porto. A música foi composta numa base criptográfica utilizando as datas de início e final da sua construção, os números de degraus e andares da mesma. Douro, gentes de fé.
7. Vinho do Porto: chula de paus (ou ramaldeira) executada a bordo dos rabelos do Douro.
(texto inicialmente publicado no Facebook a 18 de Junho de 2021)
“A Música é a Arte de exprimir sentimentos e impressões através de sons.”
Todos nós, ou quase todos nós, deparamo-nos com esta frase na primeira página da Teoria Musical de Artur Fão.
Mas, até que ponto, temos consciência do seu significado?
Quantas e quantas vezes, estamos tão preocupados com a técnica, a embocadura, os dedos, a palheta, o bocal, as baquetas, os pulsos que nos esquecemos que estamos ali para fazer Arte, para exprimir sentimentos e impressões?
Em “Alchemy of Feelings” (Alquimia dos Sentimentos – tradução literal – ou Sentidos – tradução do autor), Afonso Alvesdesafia-nos a esta expressão de sentimentos diversos, por vezes contraditórios.
Do mesmo modo que os Alquimistas procuravam transformar diferentes materiais em ouro, esta obra procura a transformação de sentimentos de tensão, negativos, em momentos de júbilo, positivos.
A alternância entre momentos contrastantes culmina num final explosivo, onde a percussão, em diversas linhas rítmicas, conduz a banda ao “ouro”. Aliás, essa é uma das marcas da escrita de Afonso Alves: o uso da percussão como fonte de dinamismo. Segundo o próprio “os tímpanos são o instrumento mais poderoso de um ensemble. São como Zeus para os outros Deuses todos.” Enquanto percussionista, agradeço.
Há uns anos, “convenci” o Manuel Luis Azevedo a adquirir esta obra para a Banda Musical de Souto, tendo a mesma sido gravada em CD e apresentada muitas vezes em concerto e arraial.
Na mesma linha estética de “Mais Alto e Mais Longe” é das mais sentidas composições do Afonso e abriu portas para obras mais arrojadas como “Secrets of an Imperfect Silence” (que abordaremos em breve) ou a mais recente “The Lake, The Storm and The Eagle”.
Partilho duas versões, que me são muito queridas e nas quais tive a honra de participar como percussionista e clarinetista, respectivamente:
(texto inicialmente publicado na Facebook, a 17 de Maio)
Desde o início dos Clássicos Filarmónicos que o Paulo Veiga falou algumas vezes na “Mumadona Dias” de Carlos Marques.
Enchi-me de curiosidade e fui ouvir.
Sendo uma obra surpreendente, tem o carimbo de Carlos Marques. Está lá tudo. E isso é uma grande qualidade num compositor: conseguir surpreender-nos, sem perder o seu carácter distintivo.
Melhor entenderemos a obra, se conhecermos a personagem.
Mumadona Dias foi condessa do Condado Portucalense e a mulher mais poderosa do seu tempo no noroeste da Península Ibérica. É reconhecida por várias cidades portuguesas devido ao seu registo e acção.
Após o falecimento do seu marido, o conde Hermenegildo Gonçalves, passa a governar o condado sozinha. O conde Hermenegildo deixou-a na posse de inúmeros domínios, numa área que coincidia sensivelmente com zonas que integrariam os posteriores condados de Portucale e de Coimbra.
Entre a segunda metade de 950 e começo de 951, por inspiração piedosa, fundou, na sua herdade de Vimaranes, um mosteiro sob a invocação de São Mamede (Mosteiro de São Mamede ou Mosteiro de Guimarães), onde, mais tarde, professou. Pouco depois de 959, para a proteção desse mosteiro e das suas gentes contra as incursões dos normandos, determinou a construção do Castelo de Guimarães, também chamado Castelo de São Mamede, à sombra do qual se desenvolveu o burgo de Guimarães, vindo a ser sede da corte dos condes de Portucale.
Apesar de não ser a fundadora da Póvoa de Varzim (Villa Euracini) e de Vila do Conde (Villa de Comite), o seu registo é pioneiro ao incluir pela primeira vez essas villas. Os topónimos de Aveiro (Suis terras in Alauario et Salinas) e de Felgueiras (In Felgaria Rubeans villa de Mauri) também aparecem no documento testamentário de Mumadona Dias como o primeiro a fazer referência escrita a essas terras.
(obrigado Wikipedia)
Aqui fica a “Mumadona Dias” de Carlos Marques, dirigida pelo próprio com a sua Banda Amizade Aveiro.