Antes do “Manuel Joaquim de Almeida“, arrisco-me a dizer que esta seria a marcha de rua mais tocada em entradas, despedidas e “marcha em conjunto”.
Alberto Madureira da Silva, não sendo daqueles compositores com um espólio muito grande, consegue ter obras marcantes em diversas tipologias, populares e tocadas até à exaustão. E isso tem muito valor!
Partilho um vídeo do nosso amigo Damião Silva, no qual não se consegue ouvir a marcha toda, mas onde podemos matar saudades daquele ambiente de festa, que tão bem conhecemos.
Manuel Ribeiro da Silva deixou-nos um legado de 35 marchas militares e de concerto, 7 rapsódias populares, cerca de 40 números ligeiros, hinos, arranjos e outros.
Se “Desfolhando Cantigas” é explosão, fulgor, gradiosidade, excitação, “Aguarela Popular” traz consigo singeleza, pureza, uma certa humildade, sem perder o carácter festivo, dançante e colorido.
Aliás, arrisco-me a dizer que será a rapsódia que melhor combina a vertente mais melódica e cantabile, com a vertente mais rítmica e de bailarico.
Toquei-a diversas vezes na Sociedade Filarmónica de Crestuma. Tem um papel de triângulo que nos pode arrancar um pulso fora e aquele que, para mim, é o melhor “Malhão” das rapsódias portuguesas.
Ao contrário do que muita gente pensa e diz, as “Mornas e Coladeras” de Afonso Alves, não são um medley com temas de Cabo Verde.
Trata-se de uma obra inteiramente original, para a qual o compositor pesquisou, investigou e estudou durante três meses, tendo sido depois composta numa semana.
Tem um magnífico solo de clarinete que, segundo o próprio compositor, deve ser tocado, com a “ingenuidade e simplicidade de quem não sabe tocar”. Por isso, clarinetistas que enchem o solo de “reviangas” e glissandos e que até cometem o crime lesa-arte de o fazer à oitava superior, párem com isso. Se tiverem dúvidas, o compositor ainda é vivo, está contactável e é muito acessível e disponível.
Em Novembro de 2009, na Casa da Música, a Banda Fórum estreou uma versão com coro.
Lembro-me que, da primeira vez que toquei a obra, precisamente no dia em que conheci o Afonso, ele disse à percussão: “são livres de fazerem o que quiserem, mas lembrem-se que a linha que separa o ridículo do genial é muito fina”.
A verdade é que já toquei as “Mornas” dezenas de vezes com ele e nunca levei nas orelhas.
Aqui fica uma dessas “dezenas de vezes”. Banda Fórum – Filarmónica Portuguesa, ao vivo no Casino da Figueira da Foz, sob a direcção do próprio compositor. Eu sou o cromo sentado na bateria, mas há muita gente bonita a tocar.
Um dia sonhei que tocava oboé, fazia o solo da “Persis” e depois destruía o instrumento.
“Persis” (grego para Pérsia) é uma abertura-fantasia, que conta a história de um homem americano moderno que viaja no tempo até à antiga cidade persa de Persépolis.
Entra numa aventura selvagem e maravilhosa ao ser repentinamente cercado por uma arquitetura magnífica, grandes estátuas de mármore e belas obras de arte, numa das primeiras civilizações cultas conhecidas. Vira-se e vê uma bela mulher persa num pátio repleto de flores. É a mulher mais linda que já viu na vida, e está completamente cativado por ela.
Cuidadosamente aproxima-se dela e, milagrosamente, ela o reconhece como alguém que ela havia conhecido antes noutro tempo e lugar. Abraçam-se e compartilham um breve e feliz momento juntos. Mas sua presença no pátio real é proibida e ele é perseguido por guardas armados. Enquanto corre freneticamente pelos corredores da cidade, reflete tristemente sobre o romance que poderia ter acontecido.
Tudo isto e um papel diabólico para xilofone.
Banda Quinta do Picado, dirigida por Bruno Martins.
É verdade que esta rúbrica continua a surpreender o autor.
Coloquei o “Orfeu nos Infernos” na minha lista e, quando vou procurar gravações de bandas portuguesas no Youtube, surgem apenas duas. Mas, com todo o respeito pelas bandas que as protagonizam, achei que a qualidade não era a suficiente para a partilha.
Sendo uma obra tão tocada, é estranho haver tão poucos registos.
É o que é.
Por isso, recorro hoje à Banda da Marinha dos Estados Unidos, com uma orquestração bem interessante e ligeiramente diferente daquilo que estamos habituados a ouvir por cá.
Ópera burlesca de Jacques Offenbach, “Orfeu nos Infernos”é uma sátira ao mito de Orfeu.
«Orfeu e a sua mulher Eurídice não fazem uma típica vida de casal, estão cansados um do outro e, por isso, já nenhum deles é fiel aos votos do matrimónio. Enquanto Orfeu se encanta com as suas belas alunas, Eurídice jura amor a Aristeu. Depois de descoberta a traição e em prol da sua imagem, Orfeu prepara a morte do amante da mulher e esta corre para lhe contar os planos do marido… Aristeu (na verdade, é Plutão disfarçado) atrai Eurídice e toma o mesmo veneno que ela, em nome do amor. Ela morre e é conduzida por Aristeu/Plutão para o inferno. Orfeu fica feliz com a morte da mulher, mas, para seu desfortúnio, a opinião pública exige-lhe que a vá salvar.
Entretanto, no Monte Olimpo, os deuses exigem mais diversão e melhor comida.
Já no Inferno, em virtude de investigar a difícil situação, na qual se encontra Orfeu, o próprio Júpiter, disfarçado de mosca, apaixona-se por Eurídice. Na festa dos “olimpianos”, Júpiter consente que Orfeu recupere a sua mulher, desde que não se vire para trás no seu regresso. Mas Júpiter provoca Orfeu e este vira-se e Eurídice é forçada a permanecer no Inferno, como bacante.» (in: http://www.teatroaveirense.pt/evento_detalhe.asp?id=1608)
E pronto, está dado o mote para pôr as bailarinas dos cabarets a dar à perna.
Por cá, é mais uma que põe os coretos a abanar. Obra que marcou a minha “infância filarmónica” e que ainda está na estante da Banda Visconde de Salreu.
Aqui há anos ouvi uma uma história engraçada sobre esta marcha de concerto.
– Não gosto desta marcha…
– Porquê?
– Tem um título feio!
– Muda para inglês!
“Master Alfred’s Cornet” ou “Master Alfred’s Bugle”
(não está mau, não senhor)
Tenho a impressão que o “Cornetim do Mestre Alfredo” já foi mais tocado do que é actualmente. Foi ultrapassado por composições mais arrojadas e impactantes, mas não fica nada mal para desenjoar do reportório que toda a gente toca.
Para quem acredita em Deus, esta marcha faz juz ao título.
E este texto poderia acabar aqui.
“Inspiração Divina” é aquela roupa que os nossos pais nos deram, mas só podemos usar ao Domingo.
É aquele brinquedo que fica guardado para não estragar.
É uma marcha que devia vir com o aviso “Não tentem isto em casa e sem a supervisão de um adulto responsável.”
“Inspiração Divina” é a marcha que mais vezes vi a quase “cair”.
Tem tanto de bela como de difícil e, principalmente, arriscada. É muito arriscado tocá-la em movimento com todo o “ruído” à volta de uma procissão.
Melodicamente, é quase um fado, é a devoção minhota na sua mais pura essência.
Em suma, é daquelas coisas que nós, filarmónicos, temos o privilégio de tocar e devemos fazê-lo com toda a solenidade.
E agora, as notas históricas…
“Família de industriais da área têxtil, os Coelho Lima foram fundadores das empresas “COELIMA – Indústrias Têxteis, S.A.” (em 1922) e “LAMEIRINHO – Indústria Têxtil, S.A.” (em 1948) empregadoras de milhares de famílias no concelho de Guimarães.
No plano cultural, o patriarca desta família – Manuel Martins Coelho Lima – foi o fundador da Sociedade Musical de Pevidém, em 1894, tendo sido regente (ou maestro) da banda desde a sua fundação e até 1928. O seu filho Albano Martins Coelho Lima foi maestro da banda entre 1929 e 1931, tendo depois sido Presidente da instituição durante longos anos. Joaquim Martins Coelho Lima, também filho do fundador da S.M.P., exerceu a função de maestro da banda entre 1960 e 1969, tendo igualmente presidido à instituição.
Albano de Abreu Coelho Lima foi Presidente da Sociedade Musical de Pevidém desde 1988, bem como seu benemérito durante todo esse período, tendo sido atribuído o seu nome à Academia de Música da Sociedade Musical de Pevidém, criada em 2016.”
Como não podia deixar de ser, aqui fica na interpretação da Banda de Pevidém, dirigida por Maciel Matos, num registo Afinaudio.
Na actualidade, a variedade de compositores a soltarem marchas para as nossas cadernetas é grande. Aliás, é por este género de escrita que muita gente se inicia nas lides da composição.
No entanto, em 1993, quando comecei a contactar com a realidade do trrrau – tau – tau – tau – trrrau, dois nomes, com o mesmo apelido, dominavam as marchas que eram executadas em entradas, arruadas e despedidas: Fernando e Ilídio Costa.
“Saudação a Mateus”, de Fernando Costa, foi a primeira marcha que “toquei”. Num sábado à tarde, nas célebres aulas na Sociedade Filarmónica de Crestuma, o sr. Rufino, nosso professor, desafiou o pessoal a pegar nos instrumentos. Eu ainda não tinha instrumento, andava apenas no solfejo, fui para o bombo (e foi o início de uma linda amizade). Estavam por lá alguns colegas mais experientes e ajudaram-nos a tocar a esta marcha.
Curiosamente, tempos mais tarde, quando desfilei pela primeira vez, com uma caixa pendurada ao pescoço, foi precisamente esta marcha a ser tocada.
Apesar de sentir que é uma marcha que, pela sua simplicidade, algumas bandas terão “vergonha” de tocar, tem um grande valor emocional para mim e, por isso, quando há uns anos, na Banda de Souto, o Manuel Luís Azevedo a recuperou para as cadernetas fiquei tão feliz como se fosse tocar a 9ª Sinfonia de Beethoven.
Aqui fica na interpretação da Banda de Golães, dirigida por Filipe Silva.