António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

Quantos queres? Do cinismo ao bullying

Fevereiro 14th, 2022

 

Lembro-me de quando os meus pais fizeram o meu primeiro “Quantos queres?”. Toda a gente na escola tinha um, mas a minha habilidade para dobrar um papel de forma ardilosa era nula e tive que pedir ajuda em casa. Os meus pais fizeram tudo, incluindo escrever os adjectivos ocultos, revelados após levantar a dobra, identificada por uma cor.

“Cínico? O que quer dizer cínico?”

“Cínico é uma pessoa má.”

“Mas não bastava escrever “mau”?

“O cínico é diferente. É pior.”

O meu pequeno “eu” não percebeu a diferença. O cinismo é algo que se aprende ao longo da vida (todos já tivemos atitudes de mais ou menos cinismo), no qual alguns se tornam especialistas e constroem toda a sua existência (e sucesso!) em torno disso.

Enquanto que um mau é mau, diz logo ao que vem e não engana ninguém (Lord Voldemort nunca se fingiu de bom, sempre quis ser o Senhor das Trevas), o cínico apresenta-se com um rosto cândido, diz as palavras certas no momento certo, mantém a postura polida, educada e quase humilde.

Vem armado de um plano, provoca o caos, alimenta-se dele e, no fim, é a vítima. “Quem??? Eu??? Mas eu estava aqui sossegado!”

Como aqueles bullies no recreio da escola, que depois de fazerem gato e sapato das vítimas, acabam agarrados ao rosto, a verter copiosas lágrimas de crocodolio e a gemer “Ó professora! Ele bateu-me!”

E, no plano perfeito, o cínico consegue manipular de tal forma que todos, ou quase, ficam do seu lado. E, os que resistem, os que ousam gritar “o Rei vai nu”, transformam-se em criminosos, párias, como se defenderem-se fosse um crime.

O rei vai nu, sabe que vai nu, mas consegue impor um glorioso manto dourado.

“Ele não está nada nu, tu é que não queres ver uma roupa tão linda, tens inveja!”

No fundo, as pessoas acabam por preferir o cinismo travestido de bondade, humildade, candura e boa educação, à honra, à sinceridade e à assertividade. Por comodismo, algum tipo de interesse e hipocrisia, numa sociedade que vive cada vez mais da imagem e da aparência.

Mas há sempre quem resista, como os intrépidos gauleses nas histórias de Asterix, ou o Norte (curioso…) nas Crónicas de Gelo e Fogo.

“…and the North remembers…”

“Homenagem às Praças” – Fernando Costa

Fevereiro 3rd, 2022

Conheço esta marcha “de vista”, há 28 anos. Andava nas cadernetas da Sociedade Filarmónica de Crestuma, apesar de nunca a ter tocado.

Há dias, um amigo sugeriu que a ouvisse.

E foi amor à primeira audição.

Nos últimos anos tem-se assistido a um certo preconceito face às marchas de desfile portuguesas, principalmente as mais antigas. Mas, a música boa tem idade?

É bom ouvir novas sonoridades, novos formatos, mas preciosidades como esta, de um dos mais frofícuos compositores portugueses merecem mais tempo de antena.

Parece que é desta que as nossas romarias vão voltar e, porque não, fazer voltar também o nosso reportório mais tradicional?

“Homenagem às Praças” é uma marcha bem portuguesa mas, se eu apagasse o nome do compositor e dissesse a quem não a conhecesse, que o seu compositor era um “John Smith do Texas” qualquer, as pessoas acreditariam.

Na sequências dos últimos postos mais “marciais” aqui do estaminé, aqui fica mais uma marchinha para aquecer.

“Homenagem às Praças”, na interpretação da Banda Sinfónica do Exército, sob a direcção do Tenente Coronel Reginaldo Neves, num registo da Afináudio.

“Trombones Triumphant” – Don Keller

Fevereiro 2nd, 2022

Mais uma obra saída da longínqua K7 da Sociedade Filarmónica de Crestuma.

Uma potente marcha, onde os trombones mandam na coisa e não há muito mais a dizer.

Composta em 1940, pelo trombonista Don Keller, foi rapidamente introduzida no reportório das bandas militares americanas, que a espalharam pelo mundo durante e após a Segunda Guerra Mundial. Até aos dias de hoje continua a ser tocada, por bandas militares e civis e Portugal não é excepção (toquei-a bastante durante a minha passagem pela Banda de Gondomar, por exemplo).

Ciente da popularidade da marcha, Keller escreveu e publicou mais três com títulos semelhantes: Trombone Special (1941), Tribute to Trombones (1944) e Trombone Tribunal (1949).

Sabe sempre bem e, porque não, logo de manhã?

Aqui na interpretação da Banda de Melres, sob a direcção de José Carlos Ferreira, num registo do nosso Grande Curador, Damião Silva.

 

“La Concha Flamenca” – Perfecto Artola

Janeiro 28th, 2022

Foi um hit na abertura de concertos e arraiais nos anos 80 e 90, reconhecível ao primeiro compasso e que ainda se vai ouvindo por aí.

Mítico pasodoble para solistas de Perfecto Artola, conceituado músico, compositor e maestro espanhol, com uma carreira invejável.

“Considerado o protótipo do músico completo, maestro magnificamente dotado, de batuta firme e segura, destreza particular, com grande conhecimento dos grupos que dirigiu, especialmente a banda – que dominava com maestria – a sua faceta como compositor foi igualmente frutífera até aos se últimos dias. Autor de rica inspiração espontânea, colorida, melódica e grande imaginação, oferece-se como compositor de formação séria e apaixonado pelas formas clássicas.”

(livremente adaptado de: https://web.archive.org/web/20090916142333/http://www.guateque.net/maestro_perfecto_artola.htm)

Como diria alguém que todos conhecemos, “é preciso muito salero para tocar” a “La Concha Flamenca”.

Mais uma para abrir o concerto da tarde, enquanto ainda está tudo a acordar da dormência do verde fresquinho ingerido ao almoço.

Aqui, na interpretação da Banda Marcial de Fermentelos, dirigida por Carlos Marques (Balaú), numa captação de Damião Silva, Grande Curador do Reportório Filarmónico:

“Samorraia” – Ilídio Costa

Janeiro 26th, 2022

Andava há anos à procura de um registo desta marcha e encontrei hoje, meramente por acaso.

Esta é daquelas que eu conhecia ainda antes de sequer imaginar que um dia seria filarmónico.

Estava na K7 da Sociedade Filarmónica de Crestuma que ouvi muitas vezes ao lado do meu pai. Infelizmente, deixou de se tocar, precisamente, na altura em que entrei para a banda. Nunca mais a ouvi, por mais banda nenhuma, o que é pena… pois terá sido a marcha que me fez gostar de marchas.

E hoje, ao deambular pelo Youtube… ela apareceu, na interpretação da ACMA – Banda Musical de Avintes, dirigida pelo meu amigo, de longa data, Ruben Castro.

As condições acústicas estão longe de ser as melhores, mas o COVID obrigou a estes concertos em espaços pouco adequados. É o que é, e realço, mais uma vez, o empenho do Grande Curador do Reportório Filarmónico, Damião Silva, a guardar para a posteridade estes registos.

“Mars der Medici” – Johan Wichers

Janeiro 25th, 2022

Não sei se, para os meus leitores assíduos, esta marcha é um clássico. Para mim, é. Para mim e, eventualmente, para duas gerações de músicos da Sociedade Filarmónica de Crestuma, nas décadas de 80 e 90, que tocaram sob a direcção do Maestro Joaquim Costa.

Era uma das obras “de bandeira” da banda, tocada sempre de forma enérgica e empolgante, fosse a abrir ou a encerrar concertos.

Johan Wichers, que também era conhecido como “O Rei da Marcha”, foi  um trompetista, no início do século XX, que embora não tivesse formação musical formal, tornou-se um famoso compositor de marchas, sendo que as composições eram frequentemente baseadas nas suas experiências pessoais. “Mars der Medici” foi um agradecimento aos médicos que cuidaram dele durante uma longa recuperação no hospital. Internacionalmente, é um dos “hits” no estilo de marcha, mas em Portugal não é do que mais se ouve, talvez por nós termos as nossas marchas, também elas muito boas.

De qualquer modo, aqui fica um momento de saudade dos meus primórdios filarmónicos, com a “Mars der Medici”, interpretada pela Banda de Golães, sob a direcção de Filipe Silva, num registo do Grande Curador do Reportório Filarmónico, Damião Silva.

 

“Highlights from Chess” – Johan de Meij

Janeiro 21st, 2022

As novas gerações terão uma certa dificuldade em compreender que, durante os anos 80, era frequente vermos no telejornal peças noticiosas dedicadas a épicos confrontos de Xadrez, nomeaedamente entre Garry Kasparov e Anatoly Karpov.

Eram também os tempos da Guerra Fria, os ABBA tinham acabado, a secção masculina da popular banda sueca estava refém da sua criatividade e ajudou o letrista Tim Rice a dar vida a um antigo projecto seu, através de um álbum conceptual, intitulado “The Chess”. À semelhança de obras como “Jesus Christ Superstar”, o álbum viria a dar origem a um musical (podem procurar mais sobre o mesmo na Wikipedia).

Não sendo daqueles musicais que enchem o ouvido, é composto por um  bom punhado de temas nos quais Johan de Meij pegou e compilou num extremamente bem conseguido poema sinfónico. À semelhança do que escrevi sobre “Miss Saigon”, “Highlights from Chess” é bem mais que um simples medley. Aqui há anos, num curso de direcção, o maestro Vilaplana referia até que acha mais brilhante este “arranjo” para banda, do que o próprio musical em si.

Esta obra chegou às bandas na mudança de século e integrou um leque de composições que nos fizeram compreender que uma banda até pode soar de maneira diferente; que, por vezes, temos que utilizar teclados e outros instrumentos menos “tradicionais” e que até podemos encontrar calhaus no reportório mais “ligeiro”.

Não é daquelas obras que se ouça muito em arraial, é verdade, resultando melhor em concerto, mas é boa, muito boa e merece este destaque.

Aqui fica na interpretação da Banda Musical de Melres, sob a direcção do meu amigo Prof. Luís Macedo, num registo do inefável Damião Silva.

“Serranesca” – Silva Marques

Janeiro 20th, 2022

Desde o início destas publicações sobre “Clássicos Filarmónicos”, a “Serranesca” estava na calha. Contudo, era difícil para mim falar sobre uma obra que conhecia mal, basicamente, apenas a partir dos relatos de outros colegas que já a tinham tocado.

Uma obra daquelas que se encontrava nos famosos “papéis amarelos”, manuscritos, de que todos falavam com entusiasmo e um “brilhozinho nos olhos”. Uma composição com “cheiro” a arraial, povo, festa, alegria, mas também a melancolia lusitana.

A filarmonia é também isto, a partilha de emoções, de geração em geração.

Depois de já ter falado de Silva Marques, aquando da reflexão sobre o “Capricho Varino“, aqui fica mais uma das suas obras mais marcantes, numa bela interpretação da Banda de Golães, sob a batuta de Filipe Silva, num registo da Afináudio.

 

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.