António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

“Freitas” – Luís Cardoso

Junho 22nd, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 9 de Junho)

Gosto tanto desta obra, que nem sei o que dizer sobre ela.
Lembram-se de quando, na primeira temporada, falei das espanholadas?
Aqui fica uma das minhas favoritas, escrita já em pleno século XXI e dedicada a um minhoto de gema.
O som, o timbre, a força..
E isto resulta tão bem em concerto, em arraial, no concerto da tarde, no da noite e, se não me falha a memória, até já toquei isto de manhã.
Conheço bem a partitura, dado que o Prof. Luís Macedo “obrigou-me” a analisá-la e a estudá-la. Longas tardes a dirigir isto em frente ao espelho…
Como diz o Paulo Veiga, Luís Cardoso sabe usar a banda muito bem. Olé!
“Freitas”, dirigida pelo próprio Freitas, ao vivo, na Casa da Música (este concerto foi qualquer coisa de magnífico…).

“A Cidade” – Antero Ávila

Junho 22nd, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 8 de Junho de 2021)

Há quem avalie os compositores pelo tamanhão, dificuldade e impacto das suas obras. Está certo.
Eu avalio também e principalmente pelas emoções que despertam.
E pode uma pequena e simples marcha emocionar-nos? Claro. Há muitos exemplos nas nossas cadernetas, onde deveria andar “A Cidade” de Antero Ávila.
“Ah… é uma marcha de concerto.” Mas eu acho que se abdicarmos daquele ritardando, dá para se tocar na rua, às voltinhas da capela, para desenjoar do “Xabia”.
Uma marcha que tem o seu quê de americana, alemã, italiana e açoriana.
O timbre é inconfundivelmente do Antero.
Aqui na leitura da Banda Fórum – Filarmónica Portuguesa, dirigida, como sempre, por Afonso Alves.

“Innuendo” – Jorge Salgueiro

Junho 22nd, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 7 de Junho)

 

Hoje estou um bocado amargo…
Na literatura, não podemos pegar num texto numa língua estrangeira, metê-lo no Google Translator e considerar que está traduzido. É preciso dominar a língua estrangeira, compreendê-la como se fosse a nossa língua, compreender o sentido do texto e, só depois, transpô-lo para o nosso idioma.
Assim é, ou deveria ser, com os arranjos de temas pop-rock.
No seu “Inuuendo”, Jorge Salgueiro, não se limitou a “arranjar”.
Entrou no tema, compreendeu-o, sentiu-o, viveu-o e depois veio cá fora contar-nos o que viu lá dentro. E o que viu foi belo. Freddy Mercury a dançar o bolero de Ravel com a Carmen.
Mas… há o reverso da medalha. Por se tratar de um tema “ligeiro”, algumas bandas acham que é fácil. Depois dá asneira. Achar que o “Innuendo” é fácil, é desconhecer Queen e desconhecer Jorge Salgueiro.
“O tema Innuendo, de 1991, é uma composição de cerca de sete minutos (na sua versão original) que transpõe os limites do pop-rock. Fazendo uso do modo frígio de inspiração cigana, que no início surge ainda em ambiente rock, deixa adivinhar desde logo uma segunda secção assumidamente flamenca. Não é por acaso que o arranjo de Jorge Salgueiro, escrito em 2000, recorre à técnica da citação, encontrando-se nele breves referências à Carmen de Bizet e ao Bolero de Ravel – obras de clara inspiração espanhola.” in site oficial da Casa da Música.
Aqui na cuidada interpretação da banda de Gueifães, dirigida por Abílio Teixeira. Gravação: Afinaudio

“1868” – Nelson Jesus

Junho 22nd, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 6 de Junho)

Como já tive oportunidade de referir, gosto muito do Nelson Jesus enquanto compositor, por três motivos:
1º – Por inspirar as suas obras na tradição e raízes filarmónicas
2º – Por, ao mesmo tempo, ser inovador, sempre com critério.
3º – Pela imensa criatividade
A Banda Marcial de Fermentelos celebrou o seu 150º aniversário, pedindo a alguns compositores portugueses para comporem uma obra a assinalar a efeméride.
Nelson Jesus escreveu o fantástico “1868”, descrito desta forma pelo próprio:
“*1868 – A Banda Marcial de Fermentelos tem para mim a virtude de ser um agrupamento musical de grande versatilidade. Tanto é uma banda de forte tradição e bem enraizada no seio das melhores festas e romarias do país, como se sente à vontade nos mais exigentes palcos de concerto. Pegando na ideia do reportório tradicional, resolvi escrever um “calhau”.
O “calhau” é aquela peça antiga, cheia de notas, de papel amarelo! São as transcrições de aberturas de ópera e andamentos de
sinfonias da época romântica (altura da fundação da BMF). Esta peça é baseada em texturas e cores de algumas obras compositores da referida época revisitada. A orquestração tem por base as antigas transcrições em detrimento dos sons mais puros. Sentimos Korsakov, as madeiras dedilham Lizst, os metais cantam Wagner e Bruckner. Tchaikovsky é um ponto obrigatório nesta viagem, até na ideia do nome, ou não fosse a sua abertura “1812” uma peça obrigatória em qualquer arquivo das bandas do Norte.
A secção central da obra tem um aroma a fado e relembra a saudade da época de forte emigração para a América do Sul que tanto afectou a BMF. O hino da Marcial é escutado por diversas vezes. A peça termina com um Allegro Marcial, justificado no nome que a banda carrega, marchando em triunfo até ao final, até outros 150 anos.”
Já tive a honra de a tocar e confirmo tudo.
E aqui está o exemplo de uma obra “de concerto” que também é “de arraial”. Um “calhau” do século XXI.
Como não poderia ser de outra forma, Banda Marcial de Fermentelos, dirigida pelo Maestro Hugo Oliveira.

“Mais Alto e Mais Longe” . Afonso Alves

Junho 22nd, 2021

(texto inicialmente publicado no facebook, a 5 de Junho)

“Mais Alto e Mais Longe” (que durante uns tempos se chamou “Mais Alto e Mais Além”), foi a primeira obra de maior complexidade e carácter “sinfónico” de Afonso Alves com a qual contactei, tendo o privilégio de a ter tocado, diversas vezes, sob a direcção do próprio.
“Não foi uma boa inspiração, mas foi uma forte inspiração.”
«Inspirada no tsunami que varreu a costa asiática em 2003, foi composta a pedido da Cruz Vermelha para um concerto de angariação de fundos. No entanto, como coincidiu com o 95º aniversário do Orfeão do Porto, a obra acabou por contemplar os dois acontecimentos, retratando a criação desta instituição e tendo recebido o seu lema como título.
A estrutura desta obra é, na generalidade, contrastante nos vários temas por onde nos transporta. Exemplo disto é a última secção do Allegro. No Adágio, são retratados os momentos de dor e sofrimento após a catástrofe do tsunami. No final deste andamento, aumenta a complexidade do tema, caminhando para o Allegro que, com complexidade crescente e compassos irregulares, nos faz sentir o nervosismo da busca pelos entes queridos e a confusão quando as águas desceram.
Esta obra, sempre densa e muito complexa, leva-nos até ao andamento final solene, majestoso e cheio de esperança.»
“Mais Alto e Mais Longe” revela a versatilidade composicional de Afonso Alves e a sua capacidade de nos surpreender a cada novo trabalho. A sua assinatura está lá, nas linhas melódicas (principalmente na parte mais introspectiva), na interligação dos diversos planos sonoros, nos pormenores quase “barrocos” das madeiras agudas, na escrita cuidada para a percussão…
Interpretação da Banda dos Arcos de Valdevez, direção de Idílio Nunes.

Treinadores de bancada

Junho 20th, 2021

De médico, louco e treinador de bancada, todos temos um pouco.

Com qualquer um de nós, escribas da Internet, Portugal ontem tinha cilindrado a Alemanha.

Confesso que não gramo o Scolari, mas o homem teve um mérito. Sim, a meu ver, apenas um. Conseguiu unir o País em torno da Selecção, como nunca tinha acontecido, ao ponto de ninguém reparar que, como treinador era (é) muito fraquinho. Ao ponto de os seus disparates passarem, como o próprio, pelas pingas da chuva. Alguém se lembra do que aconteceu da última vez que Scolari defrontou Joachim Low.

O mesmo Joachim Low que, neste Euro de 2020, disputado em 2021, foi cilindrado pela imprensa alemã, depois de ter perdido o primeiro jogo contra a França. França que só conseguiu ganhar esse mesmo jogo com um auto-golo. França que, na boca dos 10 milhões de treinadores de bancada portugueses, vai cilindrar Portugal, mas que não conseguiu ganhar à Hungria. Hungria que, na boca dos mesmos treinadores de bancada é muito fraquinha e deveria ter sido cilindrada por Portugal que “só” lhes ganhou 3-0.

Confusos?

Eu também.

Voltando a Scolari. Desde 2004 que eu achava que o povo estava definitivamente unido à Selecção. Falávamos na primeira pessoa do plural e não na terceira. Passou tudo a ser “nós” e não “eles”. Scolari mostrou-nos que, quando se trata de selecções, o povo deve amar em vez de exigir.

Acreditei, em 2016, que tendo Portugal finalmente conquistado uma grande competição internacional, iam acabar os linchamentos de seleccionadores na praça pública. Acreditei que o “eles devem” ou o “eles deviam”, estavam definitivamente mortos e enterrados.

E, depois disso, Portugal ainda conquistou a 1ª edição da Liga das Nações.

Li ontem, algures, que os Portugueses contentam-se com pouco. Acho que não, os Portugueses não se contentam com nada, principalmente no que à bola diz respeito.

Desde terça-feira passada que está instalada, novamente, uma aura negativa em torno da Selecção. Dá ideia de que há muita gente a desejar que Portugal perca, só para dizer “eu avisei” e confirmar o seu estatuto de treinador de bancada, nível 4, credenciado pela Fifabook.

Portugal ganhou 3-0 à Hungria (que é muito fraquinha como se viu ontem contra a toda-poderosa França que nos vai cilindrar) e havia mais posts nas redes sociais de ira contra o treinador, do que a festejar a vitória.

Acredito que ontem, muita gente, festejou cada um dos quatro golos alemães: “estão a ver? eu disse que eles não jogam nada! eu disse que os dois trincos não resultam!”

O trabalho de Scolari foi por água abaixo. É novamente o “eu” acima do “nós”. “Eles que corram que ganham muito dinheiro! Só fomos campeões em 2016 por sorte!”

Quanto a mim, que ainda só tenho o nível 1 de treinador de bancada, acredito piamente que vamos ganhar à França e vamos seguir em frente. Temos jogadores e equipa para isso. Não sei é se o Povo merece. Honestamente, espero que jogadores e equipa técnica andem desligados das redes sociais se não, ao lerem o que se tem dito deles, fazem as malas e vêm embora. “Era o que faziam melhor! Párem de nos envergonhar!” (grita o povo atrás do teclado)

A boa notícia é que, caso a coisa corra mal e Fernando Santos deixe o comando técnico da Selecção Nacional no fim deste Euro, tenho na minha lista de amigos facebookianos dezenas deles capazes de fazerem bem melhor.

“The Transit of Venus” – Carlos Marques

Junho 19th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 4 de Junho de 2021)

Segunda Temporada – Música para um novo século
Muitas vezes comparo a música à gastronomia. Gosto muito de como o “chef” Carlos Marques põe a mesa e serve bons pratos.
A cada estágio da Banda Fórum – Filarmónica Portuguesa, o Afonso Alves costuma contactá-lo a perguntar “tens alguma obra que queiras sugerir para tocarmos?” e, uma vez, lá veio “The Transit of Venus”.
Gostei tanto que, tempos mais tarde, quando o Manuel Luis Azevedo me perguntou se lhe queria sugerir alguma obra para tocar na Banda de Souto, recomendei-a de imediato. E olhem que até resulta bem “em arraial”.
“(…)inspirada no fenómeno astronómico ocorrido em 2004 que a comunidade científica chamou de “Trânsito de Vénus”. Sem pretender ter o carácter descritivo de um poema sinfónico, esta obra está dividida em três secções distintas onde o compositor procura descrever ambientes e texturas que de alguma forma nos remetem ao conhecimento, à nobreza e à grandeza inerentes à aventura espacial.”
Para mim, a secção que começa com o solo de tímpanos, seguido de trombone e ao qual se junta o trompete, é daqueles momentos tão bem confeccionados que dá vontade de repetir, voltar sempre ao mesmo restaurante e dizer a todos os nossos amigos que lá se come muito bem.
Um grande momento criativo de Carlos Marques.
Aqui, na interpretação da Banda da Força Aérea Portuguesa, dirigida pelo Capitão Rui Silva.
P.S. – Grande abraço ao meu amigo Paulo Carvalho que está ali a “malhar” nos tímpanos.

“Eli, Eli” – Luis Cardoso

Junho 19th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 3 de Junho de 2021)

Segunda Temporada – Música para um novo século
“Ah… essa obra não é para banda.”
Porque não? Pela instrumentação? Por ser difícil? Por já não se arranjarem sacos de plástico nos supermercados?
A Banda de Alcochete já a levou a um concurso. E parece que ganhou.
“Eli, Eli”, opus 31, expõe todo o arrojo e, ao mesmo tempo, brilhantismo de Luís Cardoso .
Apaixonei-me por ela à primeira audição e visito-a bastantes vezes.
Quem tiver interesse nas questões técnicas, poderá consultar a tese “Processo Composicional na Música Modal de Luís Cardoso Para Banda”, de Luís Macedo , Universidade de Aveiro, 2013. Recomendo. Está muito rico.
“Eli, Eli” (Meu Deus, meu Deus), é uma reflexão sobre a perda de espiritualidade na sociedade ocidental. Quanto a mim, considero esta composição verdadeiramente transcendente, culminando naquele intenso final dos metais. “Bells up!”
“Eli, Eli” é um desafio, mas não é impossivel. Porque não arriscar?
Aqui fica o vídeo da sua estreia, pela Banda Sinfónica Portuguesa, dirigida pelo grande Alberto Roque .
Sempro que ouço isto, lembro-me daquele maestro que dizia que os compositores portugueses não têm nível. Obra nivel 6 da Molenaar.

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.