António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

Carta aberta aos árbitros da AF Porto… e não só

Março 29th, 2025

Estimados Árbitros,

Escrevo esta carta num momento difícil. Estava a pôr o equipamento do meu filho na máquina de lavar. Azul e branco (não esse que estão a pensar), número 11, marcas da borracha dos relvados sintéticos. Tive que segurar as lágrimas. “Que exagerado!”, dirão alguns.

O meu filho é apaixonado por futebol. É o que mais gosta de fazer na vida. Quando escolheu o Clube onde fazer a sua formação, escolheu-o porque amigos mais velhos o recomendaram. Não escolheu pela dimensão, pela camisola, pelo emblema… escolheu pela Amizade.

E bastou um treino para se integrar, fazer novos amigos, entre eles o seu treinador, de quem tanto gosta. Ao contrário de muitos outros, um treinador calmo, carinhoso, respeitador e que, durante os jogos, limita-se a dar indicações aos seus meninos.

Bastou um treino para o meu número 11 ganhar uma nova Família e nós, pais e irmão, também. Os dias de treino, de jogo, são dias de Encontro. Estamos (sempre) em casa.

Mas hoje, quando o jogo terminou, a minha vontade era que ele abandonasse o Futebol.

Não joga um franchising de um clube grande, ou numa moderna escola de Futebol. Joga num Clube tradicional, familiar, fundado em 1933 e que é das melhores estruturas de Formação do Concelho de Gaia, principalmente do ponto de vista Humano.

Muitos de vós, com quem nos temos cruzado ao longo da época, são pessoas espectaculares, com um talento incrível para arbitrar jogos de crianças. Quero acreditar que são a maioria. Vocês são um exemplo de pedagogia e fair-play. Ajudam os nossos meninos a crescerem e sou grato por isso.

No entanto, como em qualquer organização, há ovelhas negras. Pessoas sem o mínimo de respeito pelas milhares de crianças que, como o meu filho, só querem jogar à bola. Pessoas que ostentam arrogância, insensíveis e que fazem com que os nossos meninos tenham que competir de forma injusta e inglória.

Aconteceu já algumas vezes (vezes a mais), mas hoje foi o expoente daquilo que um árbitro pode fazer de negativo num jogo.

Não vou detalhar as incidências do jogo e que acabaram por condicionar o resultado final. Pouco importa, neste momento.

Apenas uma. A mais importante. 

O Mister foi expulso. Insultou o árbitro, foi agressivo, faltou ao respeito? Não. O árbitro expulsou o treinador, porque se sentiu insultado pelas bancadas.

Nas bancadas estavam os pais, tranquilos (o jogo ainda ia no início), a puxarem pelos seus meninos e uma improvisada claque feita por meninos de outro escalão que ia jogar a seguir.

O árbitro, um de vós, expulsou o treinador por isto e com ameaças de chamar a polícia.

As crianças foram retiradas da bancada e nós ficamos estupefactos.

Ao longo desta época temos visto muita coisa, bem grave: ameaças físicas a árbitros e até a alguns de nós, treinadores que incentivam os seus meninos ao anti-jogo, mas jamais esperaríamos ver o nosso treinador, que é um “paz de alma”, educado, a ser expulso, desculpem que o diga, “só porque sim”.

No final, os nossos meninos não aguentaram as lágrimas que há pouco contive. E começo a ficar farto de ver o meu filho chorar por causa de momentos infelizes como o de hoje.

Reparem, ele não chora porque perde. Chora porque sente que não é tratado de forma justa dentro de campo. E é a vossa função garantir justiça e igualdade.

Como podemos explicar-lhes que o resultado pouco importa, quando eles sentem esse resultado condicionado por fatores que não controlam?

Que motivação têm para treinar, ou dar o seu melhor em campo se, no fim, não ganha o melhor, mas o que tem a camisola mais “pesada”, seja por ser de um clube “grande”, ou do clube do Presidente da Câmara, ou de um ex-Secretário de Estado?

No final, eles sabem que é uma batalha perdida. Baixam os braços. Alguns até podem deixar de jogar.

“Ah… são apenas crianças…”, mas não são desprovidos de inteligência e, muito menos, espírito competitivo. Eles querem ganhar ou, pelo menos, que os deixem tentar.

O jogo de hoje prolongou-se até que a equipa visitante conseguisse marcar o golo da vitória. Golo esse, aliás, obtido numa jogada que até no basket, no andebol ou no vólei era ilegal.

“E agora quando voltamos a ter o Mister?”

Não sabemos. Mas sabemos que, daqui a uma semana, quando forem publicados os castigos da AF Porto, virá lá o nosso nome. “Comportamento incorreto do público”, quando o que nós fizemos foi apoiar, incentivar, aplaudir, cantar. O bom nome do nosso Clube e, principalmente, do nosso Mister ficará manchado. Virão os justiceiros das redes sociais dizer que “os pais são sempre a mesma coisa”.

O vosso colega, contudo, vai continuar a fazer a outras crianças a maldade que fez hoje às nossas. Sim, foi maldade. Foi de alguém sem escrúpulos, escudado atrás do seu estatuto. Magoou, ofendeu, deliberadamente, crianças de 8 anos. Bravo.

Por favor, parem para pensar nisto. Há muitos pais que são uns imbecis? Sem dúvida. Mas vejam quem têm nas vossas fileiras. A Formação é uma responsabilidade de todos, incluindo vossa. Se há tanta “perseguição” ao público, porque não há uma efetiva fiscalização e avaliação dos árbitros?

O vosso colega (e outros) jamais deveriam pisar um relvado com crianças, acima de tudo, porque são um péssimo exemplo e destroem o Desporto.

Guardem os bons.

Sejam os primeiros a defender o vosso bom nome, não com medidas persecutórias dos Pais e Clubes, mas com efetiva formação e pedagogia.

As crianças agradecem. O Futebol agradece.

O futebol não é ténis.

Março 24th, 2025

Sim, sou o pai que grita, esbraceja, perde o controlo.

Sim, sou o pai que fez tarjas, bandeiras, comprou um bombo e canta cânticos de claque.

Sim, sou o pai para quem o futebol é uma festa, é cor e ritmo.

Sim, sou o pai que festeja cada golo como se estivesse na final da Champions.

E não tenho vergonha.

Não insulto as outras equipa, ou o árbitro. 

Não grito “vai que ele falha!”, como vejo muitos treinadores fazerem.

No fim, cumprimento os adversários e conforto os que chegam tristes ou a chorar. Felicito-os quando são os vencedores.

Grito o nome dos nossos meninos. Puxo por eles quando os vejo a desanimar. “A próxima entra! Acredita! Não desistas!”

Aplaudo e vibro com cada corte, defesa, remate, mesmo os que não entram.

E eles gostam. “Ó pai… hoje fizeram pouco barulho…”

A equipa mexe-se ao som da claque. Se murchamos, eles murcham. Se nos empolgamos, eles empolgam-se.

No fim, cantam e saltam connosco.

Vão mais felizes para casa.

Digam-me que isto é mau.

Gosto do silêncio. Tenho muitos momentos de silêncio. 

Mas o futebol não é ténis.

Sou louco? Ridículo? Palhaço?

Assumidamente e orgulhosamente.

Surgiu nos últimos anos uma espécie de “etiqueta” desportiva, que parece querer calar as bancadas. Ficar sentadinhos, de braços cruzados ou mãos nos bolsos e não dizer nada. Sou contra. Totalmente contra.

Querem concentrar no público os problemas do futebol, quando a maior parte deles estão à flor do relvado.

Se todos dentro de campo se portarem bem, o público responde e vice-versa.

É preciso educar o público? Sem dúvida. Mas árbitros, treinadores, dirigentes, também. Principalmente os que lidam com crianças. 

Párem de pôr toda a culpa nos pais. Nós só queremos divertir-nos, que os miúdos se divirtam e não sejam alvo de injustiças.

De Trump e louco, todos temos um pouco

Março 3rd, 2025

 

Não comecem já a torcer no nariz. “Ah… eu não tenho nada a ver com esse gajo…”

 

Claro que não. Ele é uma personagem única.

 

Nos últimos dias, têm sido muitas as ondas de choque à triste cena entre Trump e Zelensky na Casa Branca. De facto, só alguém desprovido de qualquer pingo de empatia conseguirá olhar para aquilo e encontrar algum nexo, humor ou sentido.

 

Mas, quantas vezes já não fomos aquele Trump? No trabalho, na escola, até na família. Quantas vezes as nossas palavras e o tom com que as proferimos feriram, de forma mais ou menos intencional, a dignidade de colegas, subordinados, familiares, amigos?

 

Quantas vezes fomos rudes, desgradáveis e arrogantes com aqueles que nos rodeiam e, acima de tudo, com aqueles mais deveríamos respeitar e amar?

 

Punhamos a mão na consciência. Também nós já fomos, por uma vez, aquele rufia, a tentar menorizar, ridicularizar e desacreditar alguém. Alguém que não fez bem o seu trabalho, alguém que não fez o que estávamos à espera, alguém que, simplesmente, errou. E nós decidimos ser polícia, juiz e carrasco, numa sentença aplicada com palavras disparadas ao ritmo da metralha.

 

“Ah… mas eu tinha um motivo!”

 

Há sempre um motivo. Mas pode haver sempre empatia. Calçar os sapatos do outro, procurar ter a sua visão do Mundo.

 

Que o “porque é que ele fez isto?” deixe de ser uma pergunta retórica.

 

Vamos mesmo perceber, ou tentar perceber. No limite, chegar à conclusão mais nobre: “não concordo, mas compreendo.”

 

Nesse momento, deixaremos de ser como o Trump e passaremos a ser Humanos.

 

Condolências

Fevereiro 19th, 2025

Nota prévia: este texto não é sobre futebol.

A recente polémica sobre o silêncio de duas instituições perante o falecimento do Presidente Honorário de uma instituição rival, mas par das mesmas, expôs a falta de cultura institucional transversal à nossa sociedade.

Nas coletividades, nas empresas, na política, os portugueses tendem a confundir as pessoas com os cargos, as pessoas com as instituições. 

Há um lugar comum que, apesar de constantemente repetido, passa ao lado no dia-a-dia das relações institucionais: “as pessoas passam, as instituições ficam.”

Como tantos outros lugares comuns, repetimos sem entender.

Somos rancorosos, revanchistas e usamos essa bílis nas mais inadequadas situações para o fazer: funerais, aniversários, eventos sociais diversos. As condolências esquecidas, a bandeira que fica na gaveta, o convite que fica por fazer, a devida menção, ou citação, ocultada do discurso. Nomes que se apagam, histórias que se reescrevem, notas biográficas modificadas, designações adaptadas. E, os mais habilidosos, até recorrem ao Photoshop para apagar uma, ou outra, cara das fotos de grupo. 

Fazêmo-lo como para castigar outrém. “És mau! Vou apagar-te de todo o lado!”

Mas, na verdade, ao querer expôr os podres do outro, acabamos por mostrar o pior de nós próprios, porque, e citando mais um lugar comum “as atitudes ficam com quem as toma”, ou não toma.

Desígnios de um Deus malvado

Dezembro 26th, 2024

O meu filho mais novo, Eduardo, perguntou-me se acredito em Deus. Respondi que cada vez acredito menos.

Citando Neil Tysson de Grasse, “se Deus existe, não é infinitamente bom ou, não é infinitamente poderoso. Basta olhar à nossa volta.” É evidente. As duas qualidades nunca acontecem em simultâneo.

 

Se existe, Deus é travesso e perverso. Podemos mesmo dizer que é mau! Basta olhar à nossa volta. É evidente.

 

A este meu desencanto com o Divino, junta-se o meu desencanto com a Igreja Católica e as suas estruturas.

 

Batizei o Eduardo, mas nem pensei em mandá-lo para a Catequese. Prefiro vê-lo a praticar Desporto ou, tão simplesmente, a brincar com o irmão.

 

Quando o Lucas, o meu filho mais velho, tomou a decisão de abandonar a catequese, apoiei-o a 200%.

 

Para serem boas pessoas, solidários, fraternos, não precisa da Igreja. Aliás, na Igreja, na Igreja que conheço, correm o risco de aprender o contrário: a vaidade, a mesquinhez, a hipocrisia.

 

Continuo a gostar da Bíblia.

 

Para lá das guerras, do incesto, das leis absurdas aos olhos do nosso Tempo, há também mensagens bonitas, que muita gente (nomeadamente, na própria Igreja) ignora. “Reza no silêncio do teu quarto e não em público, como fazem os hipócritas.”

 

Continuo a gostar de, de vez em quando, ir tocar numa Missa. Porque gosto de Música, não porque goste de Missas, principalmente as Missas de hoje em dia, rituais banais, pobres, com muito folclore e pouco espaço para a meditação, a contemplação e, acima de tudo, a elevação da Alma ao Divino.

 

As Missas, principalmente as com crianças ou jovens, tornaram-se “festinhas”, organizadas como se fossem um “Chá de Bebé”, ou uma “tainada” entre amigos.

 

O Eduardo diz que acredita em Deus. E está tudo bem. Ele fará o seu caminho.

 

Eu prefiro acreditar que o Bem e o Mal só dependem da consciência de cada um e não de uma entidade omnipotente, omnipresente e omnisciente que, a existir, nunca mostrou ser as três coisas em simultâneo.

 

Como diria Ricardo Araújo Pereira, “se Deus existe, como se explica a Ala Pediátrica do IPO?”

 

Que Deus omnipotente e bondoso, deixa que crianças inocentes morram de cancro, bombardeadas na Palestina, à fome em África, ou num tsunami na Ásia?

 

“São os seus desígnios!” gritarão os mais fervorosos. Desígnios de um Deus malvado, digo eu.

Tudo o que eu te dou

Novembro 8th, 2024

(foto Facebook de Pedro Abrunhosa)

 

Há 30 anos, tinha eu 14, a caminho dos 15. Surgia então nas rádios e TVs, um novo personagem: boina magrebina na cabeça rapada, pelos faciais cortados em estranha forma, roupas estravagantes e permanentes óculos escuros. E, melhor que tudo isso: uma música diferente de tudo aquilo que por cá se fazia, funk em português, dançável, com uma lírica arrojada, atrevida e explosiva. Pedro Abrunhosa e os Bandemónio foram (são) um momento de singularidade na música portuguesa.

 

Com P.A. quebrou-se o mito de que um cantor tem que ter a voz perfeitinha, arrumadinha e limpinha. Um cantor, Lead Singer, frontman, tem que tocar-nos na Alma. Ouçam Tom Waits, Leonard Cohen.

 

Com P.A. percebemos que um concerto pop, rock, ligeiro é mais do que Música. Tem um argumento, um cenário, figurinos. É performance. “Ensinei os meus alunos a entrarem e a sair do palco, que roupas vestirem. A roupa de palco, não pode ser a roupa da rua.”

 

Com P.A. percebemos que todos os pormenores contam, desde a música trabalhada como ourivesaria, às letras que vão da profundidade poética de um “Será”, à lascívia do “Não posso +”, passando pela afronta do “Talvez F”.

 

P.A. mostrou-nos que “perante a violência, a guerra e destruição, as palavras são a menor das obscenidades”.

 

Rodeou-se dos melhores músicos que encontrou, porque procurou sempre os melhores. Exigente, dentro e fora do palco, nunca pede menos que a excelência, até na forma de lhe servirem um sumo de laranja.

 

Há 30 anos, eu era um adolescente à procura da minha identidade, pessoal, artística e musical. P. A. ajudou-me a construir essa identidade.

 

Esta semana, ao celebrarmos os 30 anos do “Viagens”, das Viagens pelas quais P.A., os Bandemónio, os Comité Caviar nos guiaram, olhava em volta e media a média de idades do público.

 

Imaginei aquelas pessoas, há 30 anos, adolescentes como eu, outros mais velhos, mas todos eles a deixarem-se tocar pela tal “voz que não vale nada”, do “cantor que não canta”.

 

P.A. reinventa-se a cada novo disco. Passou o funk, o dance, o pop e o rock. É tudo isto, como amanhã pode ser nada.

 

Mas o Viagens…

 

30 anos depois, ele continua a fazer-nos saltar, acima e abaixo, mas continua também a mexer com os nossos sentidos, a viajar às profundezas da nossa Alma, deixando-nos o corpo trémulo, frágil, com lágrimas fugidias a espreitarem-nos nos olhos.

 

Olhava à volta e sentia uma conexão única. Sentia que vivi com aqueles milhares de desconhecidos uma vida em comum. Uma vida em comum dentro de cada disco, cada concerto, cada acorde e cada verso do P.A., porque tudo o que ele nos dá é nosso.

 

 

 

Vertiginosamente

Setembro 9th, 2024

As manhãs frias de Abril dão lugar às tardes frias de Setembro. É o cheiro a Outono que se aproxima, os dias que ficam mais curtos.

Parece que ainda ontem acordávamos estremunhados para mais uma época filarmónica e nisto ela chega ao fim.

Vinte despiques, com treze bandas diferentes.

Muitos kilómetros de Águeda a Monção, entre Douro e Minho, entre o Porto e Vila Real.

Foi mais uma época de poeira nos sapatos, suor no rosto e felicidade na Alma.

Semana após semana, parecia que o corropio não teria fim.

“Vertiginosamente” estávamos no “querido mês de Agosto”, no qual adormecíamos e acordávamos com a farda.

Foi a época dos reencontros: em Saudel, os Carlos (Mendes e Pereira) vieram dar-nos um caloroso abraço e o tempo recuou vinte, trinta anos.

Reencontrei o clarinete: o Daniel pôs a máquina como nova e redescobri o fascínio do instrumento. Das dores iniciais na embocadura, até ao gozo indescritível naquele andamento lento do “Arco-Íris”, ou na correria da “Húngara”.

Foi tudo isto e muito mais. Memórias que de tão grandes e eternas, não cabem num ecrã em branco: baquetas, monta-desmonta percussão, palhetas, monta-desmonta clarinete, corre para a Igreja, ensaia o salmo, viagens, palcos, coretos, copos, sestas, sorrisos, festa, rock… Rambóia.

“…e temos a Rosa Evangélica.”

De 1994 a 2024, trinta anos de Filarmonia. Como é possível que, ao cabo de três décadas, a emoção continue renovada? Que magia é esta que, no dia seguinte, nos deixa um vazio no peito e a ansiar “vertiginosamente” pela próxima manhã fria de Abril?

 

P.S. – a última foto de naipe da época:

Je suis Bordalo II

Agosto 2nd, 2023

Após a espetacular e pertinente instalação de Bordalo II no palco das JMJ, muita gente tentou desancar o artista com argumentos que, a mim, parecem pouco válidos e facilmente desmontáveis.

A vida e obra de Bordalo II falam por si e, certamente, não precisa que o defendam, mas custa-me ficar quieto perante aquilo que vou lendo por aí.

1 – “Ah… eu nunca tinha ouvido falar dele…”

Bem, isso diz mais sobre ti, do que sobre ele. Bordalo II é, provavelmente o maior e mais influente artista de arte urbana e ecológica em Portugal e uma referência a nível internacional. Há obras suas espalhadas por todo o país e um pouco por todo o Mundo. Algumas, já as deves ter visto e até gostaste.

2 – “Ah… ele recebeu muito dinheiro do Estado…”

E ainda bem! É uma das funções do Estado apoiar a Arte. Mais a mais, caso não saibas, um artista não tem salário e precisa de dinheiro para produzir as suas obras. Além disso, o Bordalo II tem uma equipa que o ajuda na construção das suas obras e, claro, tem que lhes pagar. Numa altura em que a Arte, a Cultura e todas as pessoas que desenvolvem as suas profissões neste meio sofrem tanto com cortes e mais cortes, é de louvar que um artista veja o seu trabalho reconhecido e apoiado pelo Estado.

3 – “Ah… mas porque é que ele não critica outra coisas?”

Critica, sim. Mais uma vez, esse argumento só demonstra a tua ignorância. Por outro lado, desconheces o conceito de “liberdade criativa”. Um artista, seja ele qual for, pintor, músico, compositor, escritor, é livre de falar sobre o que bem lhe apetece. Alguma vez questionaram Wagner o porquê das suas óperas serem maioritariamente sobre mitologia? Porque é que o Nicholas Sparks só escreve romances de “lágrima no olho”?

Uma produção artística sai da Alma de quem a cria. Na Teoria Musical de Artur Fão está escrito que “a Música é a Arte de expressar sentimentos ou impressões através de sons”, mas não tem uma lista de sentimentos, ou impressões, que possam, ou devam ser expressos. O mesmo se aplica a outras formas de Arte.

Era o que faltava um artista ter que pedir licença para se expressar sobre este ou aquele tema.

4 – Por fim…

A Arte não é só Estética. A Arte não é só uma bela sinfonia de Beethoven (alguém também muito interventivo!) ou um quadro de Da Vinci para ficar numa parede, ou num museu. A Arte é questionar, intervir, incomodar, fazer as pessoas pensarem. Quem viu as notas de 500€ do Bordalo II, mesmo que não concorde, pelo menos durante 10 segundos pensou sobre aquilo e a função da obra está cumprida. Quem vê os filmes de Lars von Trier, sente inquietação, pensa até em sair da sala.

E muitos outros exemplos, de artistas que, de certa forma chocaram poderiam ser citados.

Quem ouve o “Talvez F” do Pedro Abrunhosa fica desconfortável, chocado, ou curte este groove:

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.