Estimados Árbitros,
Escrevo esta carta num momento difícil. Estava a pôr o equipamento do meu filho na máquina de lavar. Azul e branco (não esse que estão a pensar), número 11, marcas da borracha dos relvados sintéticos. Tive que segurar as lágrimas. “Que exagerado!”, dirão alguns.
O meu filho é apaixonado por futebol. É o que mais gosta de fazer na vida. Quando escolheu o Clube onde fazer a sua formação, escolheu-o porque amigos mais velhos o recomendaram. Não escolheu pela dimensão, pela camisola, pelo emblema… escolheu pela Amizade.
E bastou um treino para se integrar, fazer novos amigos, entre eles o seu treinador, de quem tanto gosta. Ao contrário de muitos outros, um treinador calmo, carinhoso, respeitador e que, durante os jogos, limita-se a dar indicações aos seus meninos.
Bastou um treino para o meu número 11 ganhar uma nova Família e nós, pais e irmão, também. Os dias de treino, de jogo, são dias de Encontro. Estamos (sempre) em casa.
Mas hoje, quando o jogo terminou, a minha vontade era que ele abandonasse o Futebol.
Não joga um franchising de um clube grande, ou numa moderna escola de Futebol. Joga num Clube tradicional, familiar, fundado em 1933 e que é das melhores estruturas de Formação do Concelho de Gaia, principalmente do ponto de vista Humano.
Muitos de vós, com quem nos temos cruzado ao longo da época, são pessoas espectaculares, com um talento incrível para arbitrar jogos de crianças. Quero acreditar que são a maioria. Vocês são um exemplo de pedagogia e fair-play. Ajudam os nossos meninos a crescerem e sou grato por isso.
No entanto, como em qualquer organização, há ovelhas negras. Pessoas sem o mínimo de respeito pelas milhares de crianças que, como o meu filho, só querem jogar à bola. Pessoas que ostentam arrogância, insensíveis e que fazem com que os nossos meninos tenham que competir de forma injusta e inglória.
Aconteceu já algumas vezes (vezes a mais), mas hoje foi o expoente daquilo que um árbitro pode fazer de negativo num jogo.
Não vou detalhar as incidências do jogo e que acabaram por condicionar o resultado final. Pouco importa, neste momento.
Apenas uma. A mais importante.
O Mister foi expulso. Insultou o árbitro, foi agressivo, faltou ao respeito? Não. O árbitro expulsou o treinador, porque se sentiu insultado pelas bancadas.
Nas bancadas estavam os pais, tranquilos (o jogo ainda ia no início), a puxarem pelos seus meninos e uma improvisada claque feita por meninos de outro escalão que ia jogar a seguir.
O árbitro, um de vós, expulsou o treinador por isto e com ameaças de chamar a polícia.
As crianças foram retiradas da bancada e nós ficamos estupefactos.
Ao longo desta época temos visto muita coisa, bem grave: ameaças físicas a árbitros e até a alguns de nós, treinadores que incentivam os seus meninos ao anti-jogo, mas jamais esperaríamos ver o nosso treinador, que é um “paz de alma”, educado, a ser expulso, desculpem que o diga, “só porque sim”.
No final, os nossos meninos não aguentaram as lágrimas que há pouco contive. E começo a ficar farto de ver o meu filho chorar por causa de momentos infelizes como o de hoje.
Reparem, ele não chora porque perde. Chora porque sente que não é tratado de forma justa dentro de campo. E é a vossa função garantir justiça e igualdade.
Como podemos explicar-lhes que o resultado pouco importa, quando eles sentem esse resultado condicionado por fatores que não controlam?
Que motivação têm para treinar, ou dar o seu melhor em campo se, no fim, não ganha o melhor, mas o que tem a camisola mais “pesada”, seja por ser de um clube “grande”, ou do clube do Presidente da Câmara, ou de um ex-Secretário de Estado?
No final, eles sabem que é uma batalha perdida. Baixam os braços. Alguns até podem deixar de jogar.
“Ah… são apenas crianças…”, mas não são desprovidos de inteligência e, muito menos, espírito competitivo. Eles querem ganhar ou, pelo menos, que os deixem tentar.
O jogo de hoje prolongou-se até que a equipa visitante conseguisse marcar o golo da vitória. Golo esse, aliás, obtido numa jogada que até no basket, no andebol ou no vólei era ilegal.
“E agora quando voltamos a ter o Mister?”
Não sabemos. Mas sabemos que, daqui a uma semana, quando forem publicados os castigos da AF Porto, virá lá o nosso nome. “Comportamento incorreto do público”, quando o que nós fizemos foi apoiar, incentivar, aplaudir, cantar. O bom nome do nosso Clube e, principalmente, do nosso Mister ficará manchado. Virão os justiceiros das redes sociais dizer que “os pais são sempre a mesma coisa”.
O vosso colega, contudo, vai continuar a fazer a outras crianças a maldade que fez hoje às nossas. Sim, foi maldade. Foi de alguém sem escrúpulos, escudado atrás do seu estatuto. Magoou, ofendeu, deliberadamente, crianças de 8 anos. Bravo.
Por favor, parem para pensar nisto. Há muitos pais que são uns imbecis? Sem dúvida. Mas vejam quem têm nas vossas fileiras. A Formação é uma responsabilidade de todos, incluindo vossa. Se há tanta “perseguição” ao público, porque não há uma efetiva fiscalização e avaliação dos árbitros?
O vosso colega (e outros) jamais deveriam pisar um relvado com crianças, acima de tudo, porque são um péssimo exemplo e destroem o Desporto.
Guardem os bons.
Sejam os primeiros a defender o vosso bom nome, não com medidas persecutórias dos Pais e Clubes, mas com efetiva formação e pedagogia.
As crianças agradecem. O Futebol agradece.