As aulas regressaram e as escolas estão diferentes. Para o bem de todos. Um conceito difícil de entender: o bem de todos.
Dizíamos, não há muito tempo, que o Mundo ia mudar. Mas está na mesma, ou pior, porque o bem de todos passa ao lado.
Surpreende-me o pânico latente em muitos pais, com o início do ano lectivo. Com o risco dos filhos contagiados? Não. (seria legítimo, mas não).
Com o risco para a sua “sanidade mental.”
(as palavras não são minhas)
Mas expliquem-me isso da sanidade mental.
“As creches não deviam ter aberto, por causa da sanidade mental das crianças. Vão ficar traumatizadas.”
O meu filho de três anos, entra na creche feliz, aos saltos, mal se despede do pai. Ao fim do dia, quer ficar a brincar mais um bocadinho.
Expliquem-me o trauma nesta criança feliz. E nos amigos dele.
O mais velho (8 anos, 3º ano) regressou às aulas na semana passada. “Então, filho, a escola está muito diferente?”
“Não, está na mesma.”
(vamos fazer aqui uma pausa e ler novamente a frase acima…)
Os traumas sempre existiram. Os medos, as inseguranças, sempre estiveram lá.
Na primária, eu levava uma reguada por cada erro ortográfico num ditado. Pumba! Talvez por isso era raro dar um erro. Talvez por isso continue a irritar-me tanto quando vejo um erro ortográfico.
No ciclo, eu tremia de medo das aulas de trabalhos manuais.
No secundário, tinha pesadelos com trigonometria.
Na faculdade, panicava com estatística.
Os adultos esquecem-se muitas vezes que a sua percepção da realidade é muito diferente da das crianças. As prioridades, as ordens de valores, são diferentes. Na maior parte dos casos, aquilo que para nós é um bicho de sete cabeças, para eles é simples.
O crescimento tem muitas quedas, muita dor, muitos pontos cosidos a agulha. Não há volta à dar, ou contrariamos a ordem natural das coisas.
A “sanidade mental” deles passará, certamente, por outros caminhos que nós até já percorremos, mas esquecemo-nos.