…e distingue dos animais.”
Esta frase, muitas vezes proferida pelo Maestro António Saiote, devia servir de reflexão para os tempos que vivemos, onde diversas formas de expressão, legítimas na liberdade de quem as produz, são classificadas como “Arte”.
Principalmente no que à Música diz respeito, chegamos a um ponto em que a busca pela irreverência, pela novidade, pela inovação sem objectivo e sem critério, ou com o objectivo único de chocar, tem dado à luz fenómenos que pouco, ou nada, têm de musicais ou artísticos.
Já não há canções, há “performances”; não há actuações, há “staging”. E a Música é atirada para um segundo plano.
Com o copo de gin na mão e o telemóvel na outra, uma pseudo-autodenominada-elite cultural tenta justificar o injustificável e atribuir um estatuto a algo que não o tem, nem nunca terá, porque lhe falta o fundamental: a qualidade.
Diz-se que algo é muito bom só porque é diferente, como se a diferença fosse sinónimo automático de qualidade. Não é.
Defendo veementemente que quando um músico, a solo ou em conjunto, sobe ao palco deve dar grande importância ao cenário que oferece ao público: a forma de vestir, a forma como entra e sai, a sua postura, a interacção, tudo deve ser pensado para orientar o ouvinte para… a Música. Por outras palavras, o jogo cénico criado deve ser o complemento para a Música, para a Palavra transmitida, para a História contada e nunca o contrário.
Fala-se muito, agora, de António Variações. António Variações fazia isso muito bem: genuinamente criativo e original, a sua irreverência, o “boneco” que criou, eram o veículo e a estrada para que as pessoas chegassem ao que realmente interessava: à sua Música e à mensagem que transmitia.
Por oposição, os fenómenos que ocorrem hoje em dia, socorrem-se das “personagens”, das roupas, dos cenários e demais “fogos de artifício”, não como complemento, mas para ocultarem a falta de talento e qualidade. Colocam o cenário no centro do cenário e a Música é atirada “lá para trás”.
A tal “elite”, nascida em plena era das redes sociais, sedenta do imediatismo e de “likes”, consome avidamente estes sub produtos sem questionar, sem reflectir, por moda, refém das “trends” e “hashtags”, sem ver que “o Rei vai nu”. E, se não gostas, és de imediato rotulado de ultrapassado, como se aquilo que é realmente bom tivesse prazo de validade. Antes pelo contrário: a Arte boa é Eterna! Ou a Capela Sistina, de repente, passou a ser feia?
Infelizmente, há cada vez mais “Reis que vão nus”, mas que nos são vendidos com luxuriosas vestes de criatividade, de “formas de expressão que não estão ao alcance de qualquer um”.
Dizem eles que temos que “abrir a nossa mente”. Por sua vez, eles têm que abrir os olhos… e os ouvidos… principalmente, os ouvidos.